DEUS, SEU POVO E AS MULAS
Vai-se dormir bem cedo, mais do que o meu costume, até que acordei às 00:05h da madrugada com uma voz inaudível me chamando para orar.
Obviamente, finge-se que não era conosco e volta-se a dormir. Acorda-se novamente às 2:15h e depois às 3h, e em nenhuma das vezes nos dispomos a levantar. Até que novamente, às 3:55h, acabamos cedendo.
Só que quando ainda estava-se meio que sonolentos, tentando abrir os olhos, vemos a imagem de um homem em uma janela trabalhando freneticamente. Tirando coisas de uma gaveta, organizando papeis, se virando de um lado para outro. Uma voz dentro de nós afirma que deveriamos perguntar o que era aquilo... que imagem estranha! Fazemos uma oração silenciosa e perguntamos ao SENHOR o que significava aquele homem: OCUPADO DEMAIS PARA DEUS! - uma voz responde em nosso coração.
Era melhor não ter perguntado nada, né?!
Sou obrigado a confessar que o Deus que eu sirvo em determinados momentos é muito chato! Daqueles bem grudentos e persistentes que não largam do meu pé e ficam “atrapalhando” as coisas urgentes que tento fazer em minha vida.
E lá estamo, às 4:05h da madrugada, ainda meio que dormindo, quase sonâmbulos, deitados de bruços no tapete, porque o Deus a quem servimos estava com muita vontade de conversar naquela hora imprópria.
Enquanto ensaiavamos as primeiras palavras, Deus nos fez lembrar de um casal de amigos que estão passando por dificuldades e nos faz orar por eles e ficou ali do meu lado nos incentivando a não parar.
Então lembrei da palavra que Ele colocou no decorrer da semana em meu coração para pregar no culto de domingo, na igreja.
“Este povo maligno, que se recusa a ouvir as minhas palavras, que caminha segundo a teimosia do seu coração, e que anda após deuses alheios, para os servir, e para os adorar, será tal como este cinto, que para nada presta.” (Jeremias 13:10)
Fiquei imaginando-me de pé no púlpito chamando o povo de “maligno”. Eu seria massacrado! Apedrejado! Talvez até espancado ali dentro da própria igreja.
E quando me dei conta estava tentando achar um outro texto em meu coração para pregar. Um que de preferência tivesse palavras mais amigáveis e fosse um discurso mais incentivador.... nada de Jeremias!! o cara é depressivo demais da conta.
O engraçado é que nesta minha atitude, de tentar encontrar um outro texto, o próprio texto que eu estava rejeitando tornou-se cada vez mais forte até ganhar vida própria.
1. “Este povo... que se recusa a ouvir as minhas palavras”
Esta sentença é tão verdadeira que nós pregadores estamos tentando adaptar nossa palavra de tal forma que ela se torne mais agradável aos ouvidos das pessoas e não as espante da igreja.
Então sou grato a Deus pela sua chatice matutina que me proporcionou tempo para meditar nas minhas atitudes, nas atitudes da igreja e de sobra na vida do profeta Jeremias, cujo ministério foi pautado por muito sofrimento causado pela rejeição das pessoas a sua palavra profética.
Jeremias é um cara espetacular! Que decidiu levar para o povo somente o que Deus colocava em seu coração. Sem tentar maquiar a verdade ou colocar flores para enfeitar o caixão de um defunto. E na maior parte das vezes ele não desejava fazer o que estava fazendo, mas lá estava ele fiel ao ministério e ao mistério que Deus havia colocado em suas mãos.
Seu fardo era tão terrível que em determinado momento desejou não ter nascido!!!
E eu me pego de madrugada tentando adulterar esta palavra, porque sei que as pessoas não querem ouvir sobre a dureza do nosso coração humano ou sobre o pecado e a necessidade de uma vida de santidade. Como diz o próprio texto “recusamos ouvir Suas palavras”.
Não queremos enxergar nossa nudez. Tentamos nos abrigar em palavras que o apóstolo Pedro define como “fictícias”. Cercamo-nos de pregadores e pastores que falem somente o que desejamos ouvir.
Mas Deus, aquele chato das madrugadas, nos dá pela boca de Jeremias (outro chato) o motivo de nossa surdez...
2. “Este povo... caminha segundo a teimosia do seu coração”
Algumas traduções falam em “dureza de coração”; mas eu prefiro esta, teimosia! Pois me faz lembrar do salmo 32 que nos diz para não sermos como o cavalo ou a mula que não têm entendimento, cuja boca precisa de cabresto e freio; de outra forma não se sujeitarão. Ou seja, teimosos!
O que nos separa dos animais é justamente este entendimento. A capacidade de discernir as vozes e, especificamente aqui, a voz do próprio Deus. A capacidade de raciocinar e tomar decisões inteligentes.
Nenhum exemplo seria melhor do que este usado no salmo 32. Um cavalo e uma mula. Um com aspecto distinto, o cavalo, belo, de curvas sinuosas e cabeça bem torneada. Já outro, um cavalo mal feito, a mula, feio, de cabeça desproporcional, de muita força, mas uma mula. Os dois, animais e teimosos e que precisam de freio e cabresto pra serem direcionados. Sejam belos ou feios, não conseguem discernir o significado das palavras, incapazes de formarem pensamentos e exercer a habilidade do raciocínio.
Aí vem Jeremias e nos afirma que aquele povo insistia em andar na teimosia de seu coração. Povo burro! Mulas e cavalos dentro da casa de Deus. Animais espirituais que não conseguiam discernir a voz de Deus!
Davi quando usa no salmo 32 a imagem deste cavalo e desta mula, usa no contexto do homem que insiste em viver a encobrir o seu pecado. Pessoas de corações que não se quebrantam. Corações endurecidos, teimosos. Que insistem em permanecer no erro!
Como se isto não bastasse não são apenas destes dois pecados: a surdez e o coração teimoso, que aquele povo era acusado, Jeremias os acusava de...
Andar após deuses alheios para os servir...
Aqui a palavra parece um pouco mais difícil de ser entendida, pois como evangélicos dificilmente nos curvaremos diante de imagens ou adoraremos, na forma como entendemos, outros deuses.
Nos consideramos zelosos quanto a idolatria.
Mas, o que eram aqueles outros deuses em sua essência? O que eles significavam? Que posição tinham nesta história toda?
Se lermos Jeremias de ponta a ponta descobriremos que Deus estava sempre em segundo, terceiro, quarto plano na vida daquele povo. Deus ocupava um lugar secundário na vida e no próprio culto que aquelas pessoas ofereciam a Ele. Somente se achegavam ao criador para obterem soluções de seus problemas. Não havia uma adoração genuína.
Aí sou obrigado a me lembrar da imagem que vi nesta noite, quando fui importuna e insistentemente acordado: ocupados demais para Deus!
Deus fica sempre com resto que nos sobra, quando sobra. Fica com o resto do nosso tempo, de nossas forças, de nossos planos, como resto de nossa vida.
Temos sempre uma prioridade maior do que ouvir o que Deus tem para dizer. Não estamos preocupados em descobrir se há algo em nosso coração que o tem entristecido. Permanecemos em determinados momentos bem conscientes dos nossos erros e quase nada fazemos para modificá-los. Temos outros deuses.
Surdos, teimosos e adoradores das nossas próprias vidas: Povo Maligno!
É assim que Deus define, pela boca de Jeremias, o povo que não se abre para sua palavra, que se faz teimoso em seu coração impenitente e que está ocupado demais para ele.
Povo Maligno vivendo dentro de sua casa.
3. Quem somos nós? Quem sou eu neste relato deste corajoso profeta?
A bíblia define como 3 as causas que nos levam a nos afastar de Deus: a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida. Não precisamos dos 3 juntos para caminharmos longe de Deus, ou para longe. Um só destes fatores já é suficiente.
Jeremias expõe um só: a soberba – O orgulho que nos impede de quebrantar, o orgulho que nos impede de reconhecer o erro, o orgulho que nos impede de depender de Deus tal qual crianças de um pai.
E esta soberba leva aquele povo a destruição. E ela é tamanha que Deus os compara com um fino cinto de linho apodrecido. Que planejado para andar grudado ao Seus lombos, em um lugar de honra em sua vida, perto de seus rins fonte de seus melhores sentimentos... agora não serve para nada. Está afastado, não mais em Jerusalém, a cidade santa, mas enterrado na fenda de uma rocha qualquer muito longe de onde deveria estar.
Ainda pertence ao Senhor. O sinto enterrado no Eufrates ainda pertencia a Jeremias, mas apodrecido já não servia para mais nada. Perdeu sua beleza, seu valor, sua dignidade.
Quantos aqui não foram comprados por alto valor como aquele cinto? Quantos não eram belos e dignos de andarem juntos ao lombo do rei mas que, com o passar dos anos, por se fazerem de surdos, por não se permitirem quebrar – quebrantar – e por andarem ocupados demais para Deus não se encontram como este cinto apodrecido?
Não era isto que Deus desejava para Judá e nem ainda é o que Ele deseja para nós hoje.
Portanto, voltemos a ouvir sua voz, deixemos a teimosia de lado e convertamos nosso coração de todo a Ele, para que lavados e remidos no Sangue do Cordeiro, ocupemos novamente nosso lugar de honra como cinto de linho fino nos lombos do Senhor.
E que Deus assim possa, em fim, nos abençoar.
Em Cristo,