Evidências do Cristianismo à Luz da Razão

01/09/2012 10:32

 

Introdução
Pascal, em seus Pensamentos, legou-nos grande quantidade de material fragmentário para um tratado apologético do Cristianismo, material que o grande Pensador francês esperava chegasse a ser a obra mestra de sua vida. Para empresa de tamanha magnitude, afirmava que seriam necessários dez anos de saúde; todavia Deus lhe concedeu apenas quatro anos de torturante enfermidade.
Por mais de vinte anos, à medida que as oportunidades lhe iam permitindo, o que escreve estas linhas meditou sobre as evidências do Cristianismo, estudando atentamente as produções literárias mais recomendáveis que se publicaram sobre o assunto. Foram, no entanto, anos de trabalho e de múltiplas atenções,que o privaram do tempo necessário para adquirir os conhecimentos que, se tivesse capacidade, uma justa elaboração de, pelo menos, o esboço do grande argumento exige.
Do ponto de vista de um curioso em apologética, sem dúvida, senti a necessidade de um tratado no qual as Evidências do Cristianismo sejam apreciadas de um modo diferente daquele em que aparecem nas obras que têm chegado às nossas mãos. Os antigos escritores, parece, aceitaram como certas muitas verdades que exigem demonstração, e, além disso, desde os dias emque escreveram, o campo da controvérsia se modificou por completo. Por outro lado, não poucos dos escritores modernos,parece, fizeram demasiadas concessões ao racionalismo, concessões que, com justa razão, podem ser consideradas, pelo menos,como uma traição à verdade.
A moderna política de fazer concessões ao racionalismo,em favor do que se convencionou chamar «uma fé aflitiva», é imprudente e desnecessária. Deve-se resistir e combater, ou,então, uma crítica aniquiladora, mutilando as Escrituras Sagradas, — «os Oráculos de Deus» —, tratará logo de arrebatar, ao Cristo dos Profetas e Apóstolos, Sua coroa e Seu trono. Porque,como o Bispo Eilicott, com justiça, admoesta ao mundo cristão, «0 mesmo Espírito que encontrou dificuldades irreconciliáveis no elemento sobrenatural do Antigo Testamento, chegará a de safiar a evidência sobre a qual descansa a encarnação. E, com muito mais razão, todos os testemunhos do Antigo Testamento, os vaticínios de todas as promessas saudadas com alegria em toda parte, todas as indubitáveis palavras das profecias, serão negadas mediante explicações falazes; permanecerão, assim, somente duas narrativas que, dir-se-á, mostram de modo tão patente os sinais da ilusão, ou, quando muito, mostram os sinais do idealismo que se expressa sob a forma de verdades confirmadas, e a doutrina do Verbo feito carne, — doutrina que constitui a esperança, a luz e a vida do Universo —, se submeterá às últimas exigências do que, então, terá chegado a ser não fé aflitiva, mas, fé destruída. Quando se der a rendição dessa doutrina bendita, ter-se-á iniciado o eclipse total da fé, e as sombras de terrível obscuridade invadirão a alma triste e solitária».
Em alguns lugares já se começa a observar certa tendência em «minimizar o conhecimento de Nosso Senhor em sua natureza humana», e em formular certa defesa de sua ignorância,com o propósito de combater seu testemunho referente à autoridade das Sagradas Escrituras, a fim de que as presunções de uma crítica destruidora não encontrem obstáculos num conflito aberto e franco com Ele, enquanto o aceitamos como Senhor.
E preciso protestar energicamente contra todo este movimento erróneo de concessões teológicas, se se deseja a sobrevivência de uma só fibra do Cristianismo e a sua consequente transmissão para as gerações futuras, e, mesmo, se se deseja manter, pelo menos, a fé da geração atual. Sobre a vasta amplitude do orbe cristão da atualidade, vêem-se os parasitas característicos de uma religião moribunda, parasitas tais como Mormonismo e Espiritismo. A menos que se combata, até vencer, a influência da recente «crítica aniquilante», o mundo deve preparar-se para uma época em que hão de predominar as mais grotescas superstições. Não é mais possível voltar ao paganismo; os deuses pagãos estão mortos e sem esperança de ressurreição.
Depois de ter renunciado à direçao que a Bíblia lhe aponta, o mundo se sentirá obrigado a seguir a voz de um instinto cego, porém, imorredouro, que o conduzirá a uma era de fantasmas e duendes. Quando o Deus de Samuel for esquecido, e houver sido dissolvido em especulações precipitadas e corrosivas de «redaçôes”e «redatores», recorrer-se-á à bruxa de Endor, ou, talvez, pode ser que as multidões fujam para a superstição da infalibilidade papal, a quem John Henry Newman recorreu, para pedir que destruísse os espectros que surgiam na sua própriamente. Quando, em meio a desordenado racionalismo, a Cristandade houver malbaratado a preciosa revelação herdada às idades passadas, o pródigo, em face de escassez extrema, despertará de uma fome, não de pão, mas da palavra do Senhor, e, então, ver-se-á obrigado a morrer de fome, ou terá de se aproximar de algum cidadão do país distante, para o qual, de maneira imprudente, encaminhou seus passos.
Prevenindo calamidade tão grande, devemos unir-nos em torno da personalidade de Jesus, e fazer frente à situação atual. A autoridade de Cristo deve constituir o baluarte da/e que uma vez por todas foi entregue aos santos.Como disse o Reverendíssimo Cairns com muita propriedade: «Na grande contenda entre a fé e a dúvida, a chave está na personalidade de Cristo, e enquanto o significado claro da narração do Evangelho, — no que respeita à vida, ao caráter e à obra dessa figura central —, for aceito «como fato e não como fraude», nenhuma arma que se levante contra o Cristianismo poderá prevalecer. Jesus é o verdadeiro defensor da fé. Ele é o refúgio da verdade nesta «época de dúvidas», como foi seu «depositário» em todas as gerações.
As páginas deste livro foram escritas do ponto de vista desta crença íntima. Não temos qualquer pretensão de originalidade a respeito do seu conteúdo Quase tudo o que aqui se diz, pode ser encontrado na literatura apologética do nosso país ou do estrangeiro. Sem dúvida, a originalidade desta obra está no modo diferente de reunir os argumentos, forma distinta de quantas têm adotado aqueles escritores cujas obras chegaram às mãos do Autor. A força desta discussão está no método de sua estrutura, e não na originalidade dos elementos empregados. Publica se esta obra com a esperança de que chegue a confirmar a fé de alguns, e a restaurar a confiança de outras almas inconstantes, e, assim, venha a honrar Àquele «a quem tributam louvor a gloriosa multidão de apóstolos, a reunião dos profetas e o nobre exército dos mártires; Àquele que a Santa Igreja reconhece por todo o Universo: ao Rei da Glória, ao Filho Eterno do Pai.» A Ele seja dada a glória e o poder e o domínio «pêlos séculos dos séculos.»
Capítulo I - O Cristianismo apresenta credenciais — As evidências — O uso racional da razão
«Examinai todas as cousas, retende o que é bom”— São Paulo.
«Amados, não deis crédito a qualquer espírito: antes, provai os espíritos se procedem de Deus, porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo fora» — São João.
«Devemos abrir nossa mente de acordo com a grandeza dos mistérios divinos, e não limitar estes mistérios a pequenez do nosso entendimento* • Bacon.
«A última percepção da razão é compreender que ha uma infinidade de cousas, que ignora; não chegar a esta convicção é a mais segura prova, de sua fraqueza» —Pascal.
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"ENTRE todas as religiões que têm desafiado o homem, no que concerne à sua fé, só o Cristianismo, ao exigir a sua submissão, lhe tem apresentado credenciais de autoridade divina. Há
Evidências do Cristianismo, porém, jamais se escreveram as Evidências do Budismo, do Bramanismo ou do Islamismo.
As Evidências do Cristianismo são aquelas provas sobre as quais se apóiam os seus fundamentos, como a Revelação do único Deus verdadeiro.
As evidências apelam para a razão, e o Cristianismo submete suas credenciais ao escrutínio da razão, insistindo em que o exame de seus títulos seja feito com cuidado e, até, com severidade. De modo algum exige o Cristianismo que o homem renuncie ao uso desta faculdade, dom de Deus, para tratar do mais elevado e solene interesse de sua vida — a religião. Ao contrário, exige ele que o homem faça uso da razão, a fim de rejeitar as revelações espúrias, estabelecer a fé verdadeira e interpretar corretamente a Revelação, em toda sua força.
No entanto, ao exigir que o homem faça uso da razão, o Cristianismo insiste em que esta faculdade não seja empregada de modo irracional. Nunca será demasiadamente severa a investigação, quando se trata de averiguar se Deus fez alguma Revelação ao homem e de encontrar, também, o significado de tal Revelação. Ao resolver este grande problema, não se pode deixar lugar para fraudes e enganos. Porém, para decidir a respeito desta questão, as crenças — e não o conteúdo da Revelação — é que devem constituir o objeto de estudo e crítica. A hipótese da Revelação existe, porque o homem adquire conhecimentos que a razão, por si só, não pode alcançar. A Revelação começa, onde a razão falha e fracassa. «Portanto, espera-se que (a Revelação) comunique algumas verdades que o entendimento humano não é capaz de compreender em toda sua extensão; porém, (verdades) que possam ser aceitas com base na autoridade que as declara isentas de qualquer ameaça contra a razão». «Temos o direito de julgar as credenciais do embaixador do céu, mas não o de deixar passar em julgado a informação que nos ministra». Rejeitar uma revelação, no todo ou em parte, apenas porque o seu conteúdo não corresponde a alguma noção preconcebida a respeito daquilo que ela devia conter ou não, é usar a razão de maneira irracional.
Antes de permitir, à autoridade da razão, tamanha amplitude, seria preciso demonstrar que a mente humana é capaz de construir uma filosofia do Infinito, e de formular um sistema ético suficientemente perfeito para provar a existência de Deus. Porém, se a inteligência humana tivesse competência para realizar, satisfatoriamente, obra de tão extensa magnitude, deixaria de existir a necessidade da Revelação. Se tivessem tal poder, há muito tempo, já, teriam os homens encontrado a Deus, mediante a investigação, e, sem qualquer palavra vinda do alto, teriam chegado, já, a conhecer perfeitamente o Todo-poderoso. Entretanto, a razão humana não é dotada de tal poder, O uso da razão, na pressuposição de poder assim, é irracional, porque faz a mente humana a norma do possível, do verdadeiro e do bem, e, tudo isto, exatamente no momento em que confessa sua debilidade e sua insuficiência. Usar a razão assim «é tão absurdo, como seria o fato de um homem afirmar que o seu horizonte é o limite do espaço».
Quando se trata de uma revelação, a razão humana só é capaz de aplicar as provas gerais da teologia natural, isto é: para que a revelação concorde com os axiomas de pensamento, dentro do qual a vida e a ação mentais se podem efetuar; para que, longe de ser imoral, esteja de acordo com os fins da santidade, para a qual se pode conceber que só uma revelação exista; para que se adapte às necessidades do homem, como agente livre e moral, não exigindo sua obediência, sem tornar suficientemente evidente que sua exigência procede do céu, e, também, sem constrangê-lo à obediência mediante provas coercitivas, que lhe tolham a liberdade de pensamento e ação. A razão está obrigada, diante da verdade — de modo muito solene —, a aplicar estes juízos gerais com muito cuidado e precisão. Antes de denunciar uma revelação como absurda, imoral ou supersticiosa, mediante a aplicação destas provas, deve a razão estar segura de que sua atitude é inteiramente justa, e não semelhante à de um defensor que advoga contra a jurisdição do tribunal e contra a validez da lei, pelo fato de o ameaçarem com a condenação. Todas as influências perturbadoras que surjam do orgulho intelectual, dos extravios mentais ou das excentricidades morais, devem ser excluídas com severidade, quando se esquadrinham as credenciais daquilo que pretende ser mensagem do céu.
Portanto, a tarefa da razão, na religião, é determinar as seguintes questões:
1. Há alguma revelação feita por Deus?
2. Onde se encontra ela?
3. Se ela existe e se encontra algures, qual é o seu verdadeiro significado?
Na elucidação destes problemas, a razão não pode proceder com demasiada severidade, nem ser demasiadamente minuciosa. Estes assuntos são problemas de vida e morte. Envolvem a vida presente e a futura. Relacionam-se com o dever e com o destino. São por demais importantes, para serem tratados irrefletidamente; são demasiado transcendentais para sua vida, para que o homem incorra no perigo de errar, renunciando à razão, ou empregando-a de modo irracional. Tendo sua vida em perigo, o homem deve considerar estes problemas reverentemente, com consciência e sinceridade, procurando resolvê-los de uma vez, e para a eternidade.
O homem não pode, à semelhança dos católicos romanos, transferir esta responsabilidade para um papa infalível ou para concílios infalíveis. O papa e os que compõem os concílios são homens como os demais. Não há santificação nem ordenação capaz de transformar o falível em infalível. Cada alma deve arcar com sua própria liberdade. Entre Deus e o homem, não há lugar para o ofício de advogado. Cada indivíduo deve encontrar e aceitar, por si mesmo, a verdade de Deus.
Por outro lado, não podemos, como fazem os racionalistas, procurar corrigir a Revelação de Deus ou resistir a ela baseados em prejuízos próprios. Estes grandes problemas devem ser resolvidos, com base nas evidências que lhe servem de fundamento. Se se chega ao conhecimento de que Deus se revelou ao homem, deve-se aceitar obedientemente tal revelação, e buscar, com toda reverência, sua verdadeira interpretação. É preciso encontrar respostas satisfatórias às perguntas: Há alguma revelação feita por Deus? Onde se encontra ela? Se ela existe e está em algum lugar, que significa? Esta última pergunta pertence à ciência da interpretação, à Hermenêutica,com a qual nada tem a ver a discussão em pauta. As outras duas perguntas incluem tudo aquilo que as Evidências do Cristianismo compreendem — a Apologia — e constituem o tema do estudo que passaremos a desenvolver.
Capítulo II - A probabilidade antecedente de uma revelação, uma vez pressuposta a existência de Deus
«Como o cervo brama pela corrente das aguas, assim minha alma suspira por ti, ó Deus» — O Salmista
«Oh!  Se abrisses os céus e descesses”—Isaías
«Quem me dera conhecê-Lo, e eu LHE falaria; iria até ao seu trono!.. Eis aqui, irei ao Oriente e não LHE falarei; e ao Ocidente e não O encontrarei. Se ao Norte Ele edificar, não O verei; se ao Sul Ele se esconder, não O encontrarei: Ele, porém, conheceu o meu caminho”— Jó
«Se Ele tem, ou melhor, se Ele é um coração; se as qualidades morais que discernimos em nós mesmos têm nele algum correspondente transcendente e majestoso; então, supondo que ainda não se resolveu, nem sequer se examinou o problema de se Ele nos fez ou não uma Revelação, faríamos bem em recorrer à História, para nos aconselharmos com a sabedoria e com a experiência dos vivos; faríamos bem em interrogar a História a respeito das convicções dos que morreram, até encontrar a razão que temos para esperar, finalmente, a solução que vislumbramos; até que”a alvorada e a estrela matutina surjam em nossos corações» — Cónego Liddon
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Não há Deus; há Deus, porém não se revelou aos homens; há Deus, e, também, se revelou aos homens. São estas as hipóteses que a mente humana pode formular a respeito do problema de Deus e da Revelação divina. As alternativas do pensamento, portanto, se reduzem a alguma forma de ateísmo, deísmo, panteísmo ou religião revelada. O agnosticismo não merece qualquer consideração, porque a atitude que assume a respeito da existência de Deus o exclui desta fase da discussão. Nós afirmamos a existência de Deus. O agnosticismo, no entanto, afirma que tal existência é desconhecida e incognoscível.
Logo de início, pressupomos que há Deus, e perguntamos: E provável que esse Deus se tenha revelado ao homem? Todas as forças do deísmo e do panteísmo, — seja qual for o nome que tragam — respondem unanimemente: Não!
Será racional esta resposta?
Se formarmos determinado conceito no tocante a Deus, devemos considerá-lo como infinitamente poderoso e infinitamente bom. Não nos é permitido atribuir impotência ou maldade Aquele por quem tudo o que existe foi feito, e a quem todos os seres devem sua existência. Entretanto, se é bom e poderoso, Deus, certamente, não abandonará uma criatura como o homem, sem dar-lhe toda luz de que precisa para sua vida e sua felicidade. E, precisamente, na benevolência de Deus e nas necessidades do homem que encontramos a probabilidade antecedente de uma Revelação. Com muito acerto nos diz o Cónego Liddon: «Se cremos realmente em Deus, como sendo Ele Ser Moral, devemos estar dispostos a crer que Ele nos tem falado. E a força da confiança com que antecipamos uma Revelação, variará, proporcionalmente, com a nossa fé na moralidade de Deus». O ateísmo luta mais com a crença num Deus imoral, ou com a crença num Deus neutro, do que com a razão. Crer que não existe Deus é mais racional do que crer na existência de um Deus que abandonou o homem rodeado das circunstâncias do pecado, da dor e da morte, sem dar-lhe uma palavra de orientação, que pudesse guiá-lo através de condições tão trágicas. A origem do homem, do sentimento de dever e da consciência de destino, apresentam problemas cuja solução — ainda que diz respeito de modo vital a seu bem-estar —, está fora do alcance de suas faculdades naturais.
Os seres de ordem inferior, — os brutos —, guiados pelo instinto, e sendo incapazes de pecar e sentir os sofrimentos de que só o homem é susceptível, não têm nem necessidade de uma Revelação divina, nem capacidade para recebê-la. Que criaturas de tal natureza necessitem de um guia sobrenatural, em nada altera a bondade divina. O homem, entretanto, está destinado a uma posição mais elevada, rodeada de maiores perigos. A ele se concedeu a nobre e delicada faculdade do livre arbítrio, com todas as possibilidades de um fracasso ignominioso, ou de um êxito coroado de glória. A luz do alto é tão necessária para o homem, como o é o ar para as aves, ou a água para os peixes. Se considerarmos o homem desprovido de uma Revelação de Deus, não há como evitar que o seu Criador seja inculpado de crueldade. O deísmo, ao ensinar que há um Deus, porém, que esse Deus não se revelou aos homens, exige muito mais da fé do que o Cristianismo com todos os seus milagres. No que concerne à Revelação de Deus, a atitude do panteísmo é essencialmente idêntica à do deísmo, com a diferença de que este crê num Deus silencioso, fora do mundo, «afastado”de Sua criação, enquanto aquele, isto é, o panteísmo, reconhece a existência de um Deus mudo, que vem a ser «apenas um formoso nome para o Universo» (7), nome sob o qual fica sepultado. A natureza humana e as necessidades do homem protestam contra semelhantes deuses.
Poder-se-ia, entretanto, perguntar: É necessária para o homem uma Revelação objetiva, e esta necessidade é de natureza tão imperiosa, que justifique a pressuposição de que, efetivamente, alguma Revelação foi feita aos seres humanos? É possível uma Revelação escrita? Não será suficiente a razão, a consciência, a luz da natureza e a influência que ilumina a todo ser humano que vem ao mundo? Os homens existem no mundo há mais de sessenta séculos, e têm vivido pecando, sofrendo e morrendo, e a maioria deles nunca possuiu uma revelação escrita. Quando Moisés e Jó escreveram seus livros, já haviam transcorrido, pelo menos, dois mil e quinhentos anos de vida do homem sobre a terra. Se uma revelação escrita é tão necessária, por que demorou tanto para ser começada e por que ficou incompleta por tanto tempo? Por que a Revelação escrita não é universal? Por que existem milhões de criaturas humanas que vivem na sombra da morte, esperando receber a luz mediante um ato de compaixão da parte de nações que foram favorecidas pêlos Oráculos de Deus?
É impossível responder de modo categórico a todas estas perguntas. A sabedoria que se exige para isto não está ao nosso alcance. Basta dizer que um estudo das analogias da Natureza nos conduziria à crença de que certa revelação deve ter sido confiada a uns para benefício de todos. Não existe a igualdade de dons naturais ou sobrenaturais. Os altos fins de benevolência e fraternidade se realizam pela transmissão das maiores bênçãos, a todos os homens, por meio de alguns deles. Além disso, não é possível separar o plano e o objeto do livre arbítrio, nem substituir esta faculdade por uma revelação, visto que a finalidade da revelação é o bem-estar moral da raça. Os meios devem estar sempre em conformidade, — e nunca em luta —, com o fim a que se aspira. O problema deve ser colocado não em termos do que Deus tem feito, em abstraio, porém, em termos do que Deus pode fazer, através de Suas relações com o ser livre, uma vez que o objetivo supremo da criação se realiza no livre arbítrio. A hipótese da bondade divina e da divina onipotência não exigem um método de revelação adaptável a determinado ser. Exigem, sim, a melhor forma de revelação para o ser atual—o homem. Um Deus bom não só deve repartir a luz com Seu filho — o homem —, mas, também, deve conceder-lhe a melhor luz, e do melhor modo possível, sendo do tipo que é a natureza do homem.
Há só três métodos que Deus poderia adotar para revelar-se ao homem:
1. Revelar-se, independentemente, a cada criatura.
2. Revelar-se a um ou mais indivíduos, e providenciar para que esta revelação fosse transmitida oralmente aos outros.
3. Elaborar uma revelação, e transmiti-la de uns para outros, por escrito, bem como pela palavra falada.
Qual destes métodos é o melhor?
Se adotasse o primeiro método. Deus deveria revelar-se a cada indivíduo, por meio de influências e sugestões naturais, ou, então, deveria aproximar-se de cada criatura com manifestações que, por sua natureza, comprovassem a imediata presença da Divindade. Se a revelação fosse feita mediante sugestões naturais, incorreria ela no perigo de não ser acreditada. Além disso, pelo fato de cada indivíduo ouvir só para si, sem que outros pudessem comprovar a realidade ou não da presença divina — e pelo fato de nenhum outro ouvido, além do seu, ouvir a voz de Deus —, a depravação, sem o temor de ser descoberta, levaria o homem a mentir e a dizer que Deus lhe falara. Não demoraria muito, e o mundo estaria cheio de revelações contraditórias, e reciprocamente destrutivas, fazendo desaparecer todo vestígio da religião verdadeira, num dilúvio de contrariedade piores do que todos os politeísmos de todas as idades. Com tal método, os seres humanos estenderiam a confusão de línguas de Babel, e confundiriam a linguagem da Divindade. Deus mesmo, em tal caso, apareceria como um poliglota, e o monoteísmo daria lugar ao politeísmo. A fé, como formosa atalaia entre a terra e o céu seria impossível, e a cidade de Deus jamais poderia ser estabelecida entre os homens. Para que uma revelação seja eficaz, deve ser pública e não particular e pessoal.
Por outro lado, se a revelação divina, a cada indivíduo, fosse publicamente confirmada por manifestações milagrosas, as teofanias se tornariam tão comuns e universais, que deixariam de exercer poder para impressionar o homem, ou para confirmar a palavra divina. Ou, então, se manifestariam com tal terror, que oprimiriam a vontade e destruiriam o arbítrio. Em ambos os casos, todos os fins da revelação seriam destruídos pelo método empregado.
Está claro, pois, que as necessidades do homem determinam o método da revelação divina. A misericórdia para com todos exige que a revelação seja concedida a certo número de pessoas, as quais ficarão solenemente obrigadas a transmiti-las, em toda sua pureza, aos demais. Está igualmente demonstrado que o instinto humano, bem como o estímulo divino, levariam o homem, inevitavelmente, a conservar, em forma escrita, estas revelações. Tanto a piedade que recomendaria a alguém diante de Deus — como meio próprio para a revelação —, como a autoridade divina que a concedeu, proibiriam que a palavra celestial fosse exposta às vicissitudes da tradição oral. Ciências degeneradas entre os homens declaram atualmente, aos estudantes de teologia comparativa, a ineficácia da tradição, como meio para preservar a Palavra do Senhor de toda corrupção humana A regra geral da evidência, que exclui o testemunho de boatos, assinala a insegurança das declarações transmitidas através da palavra falada, e, também, demonstra o pouco peso que teria, entre os homens, uma revelação baseada exclusivamente na tradição.
«O homem do livro”é procurado em toda parte. A exigência universal de uma revelação escrita deu origem à satisfação quase universal, que encontramos nos exemplares do Zenda vestá, dos Vedas, do Coração e da Bíblia, em todo o mundo. A contribuição dos judeus, que consiste nos seus livros sagrados, — sua única contribuição às possessões permanentes da raça humana —, os separou das demais nações, para colocá-los em posição de sublime singularidade. Em meio à superstição  universal, a pureza majestosa de sua fé confirma a superioridade de uma revelação escrita sobre as tradições orais.
Levando em conta as considerações anteriores, compreende-se a irracionalidade do dogma do deísmo, quando afirma que Deus não fez, ao homem, revelação alguma. «As presunções da razão — cuja origem se encontra nas necessidades do homem e na bondade de Deus —, pugnam, todas elas, contra tal dogma. Pressupondo a existência de Deus, as probabilidades antecedentes nos levam a crer que, em algum lugar e em determinado tempo. Ele se revelou ao homem, e que sua revelação foi registrada em forma escrita. Somente uma «religião explicada em algum livro”parece satisfazer às exigências da necessidade do homem. Ninguém confiará uma comunicação importante, destinada a todo o gênero humano, e por todo o tempo, a uma tradição oral incerta. Toda gente sabe quão precárias são todas as tradições orais; quão poucas expressões e atos de Moisés e dos profetas, de Cristo e dos apóstolos — fora das Sagradas Escrituras —, chegaram até nós, e, das que chegaram, nenhuma nos merece confiança! Portanto, deveríamos esperar que Deus, se revelasse aos profetas e evangelistas a sua vontade, recomendas-se a eles não somente que a ensinasse, oralmente, aos de sua própria geração, mas, também, que a perpetuassem em forma escrita, orientados pela direção infalível do mesmo Poder que lhes fez a revelação. A menos que se operasse constante milagre para conservar viva a verdade no mundo, milagre que a preservasse isenta de erro, só o registro em escritura constitui o método concebível pelo qual se pode conseguir este resultado».
Porém, uma vez registrada a verdade em escritura e aceita esta como revelação do céu, não se exige nenhum milagre para conservá-la pura e imorredoura. Bem pode o zelo piedoso multiplicar os exemplares da Escritura Sagrada, e a Providência dividir, com o zelo consagrado, a proteção da obra, uma vez que a homens zelosos e consagrados se confiou a milagrosa comunicação. O Deus da Providência e o da Inspiração não são dois deuses diferentes, mas o mesmo e o único Deus, e, podemos estar certos, de que, como Deus verdadeiro no seu governo providencial do mundo, não abandonará a obra de suas próprias mãos. Seu livro sobrenatural será, sempre, objeto de seu especial cuidado. Nem terá Ele necessidade de apelar para os extraordinários expedientes do milagre para assegurar a conservação do seu livro. Fará uso do milagre para confirmar a origem deste livro, porém, a f é e o amor que inspira, juntamente com a vigilância providencial, serão suficientes para a perpetuação do sagrado registro. Deste modo, a revelação ficará estabelecida de tal maneira que, mesmo que passem os céus e a terra, ela não passará.
Capítulo III - Existe Deus?
«Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das cousas que foram criadas”— São Paulo
«Os céus proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia as obras das suas mãos» — Davi
«Porque nele vivemos, nos movemos e existimos”— São Paulo 
«Que Deus existe, toda a natureza o proclama em alta voz”— Catão
«Esta tão longe de ser exato que a explicação dos fenômenos, por meio de causas naturais, nos distancia de Deus, que os filósofos que consagram suas vidas ao descobrimento de tais causas, nada podem encontrar que proporcione explicação final, se não recorrem a Deus e a Sua Providência”— Bacon
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A menos que se aceite o ceticismo filosófico e se negue a possibilidade de todo conhecimento, seja ele de que espécie for, é imperativo reconhecer que existimos, e que o Universo que nos rodeia tem existência real. A nossa própria existência e a de todas as cousas exigem uma explicação a respeito de sua razão de ser, e, em tal caso, vemo-nos obrigados a dar alguma das seguintes explicações;
1. A matéria e a mente, no estado em que as conhecemos, são eternas.
2. Ou constituem o último efeito de uma infinita regressão de causas.
3. Ou existe uma Grande Primeira Causa da qual procedem todas as cousas.
Deve-se observar que os conceitos do Infinito e do Eterno estão compreendidos em cada uma das três hipóteses, dentre as quais, segundo as leis que regem o processo do pensamento, devemos extrair uma explicação do problema da existência. 
Pressupõe-se, com frequência, que a religião, — especialmente a religião revelada —, é que deu origem ao conceito de Eterno, e que, por isso, deve ela, por si só, assumir a responsabilidade de vindicar a validez de tal noção. Esta pressuposição, entretanto, é errónea. O conceito do Eterno, do Absoluto, do Incondicionado, é uma necessidade da razão, e não podemos fugir ao problema, renunciando à religião e substituindo os termos da filosofia pelo nome de Deus. Os homens podem escolher entre as várias teorias a respeito do Eterno, porém, não lhes é possível despojar-se do conceito de Eternidade. Do mesmo modo como a percepção de um corpo faz surgir a idéia de espaço, assim também a percepção da sucessão de acontecimentos provoca a elaboração da noção de tempo, e a noção de tempo infinito faz pressupor a eternidade.
Dentre as três hipóteses atrás referidas, qual devemos escolher para explicar a nossa existência e a de todas as cousas conhecidas? Qual delas é a mais racional? Qual delas resolve, satisfatoriamente, o problema da existência?
Serão os homens e as cousas manifestações «caleidoscópicas» da matéria eterna? Cada impressão do sentido e da consciência conduz à negação desta hipótese. Nem mesmo a investigação científica nos leva a uma conclusão diferente. Tanto a observação comum como a investigação científica nos ensinam que, no Universo, todo objeto que é conhecido por meio dos sentidos, teve princípio em algum tempo. «Os instrumentos mais poderosos, penetrantes e aperfeiçoados que até agora foram inventados para auxiliar nossos sentidos, não conseguiram descobrir uma só causa que, ao mesmo tempo, não fosse também um efeito. O progresso da ciência não tem combatido, de modo convincente, a noção que prevaleceu por tanto tempo, de que o Universo foi criado há uns seis mil anos; porém, o progresso científico estabeleceu, de modo convincente, que tudo aquilo de que nossos sentidos nos dão conta, teve um princípio, e é de natureza composta, derivada, ou dependente. Não há muito tempo, o homem necessitava de meios para provar que as rochas, por exemplo, não eram tão antigas quanto à própria terra — precisava de meios diretos para provar, pelo menos, que não eram eternas; no entanto, a geologia, agora, é capaz de determinar em que condições, em que ordem e em que época foram formadas. Com toda probabilidade, temos conhecimentos mais satisfatórios a respeito da formação do carvão de pedra, do que do estabelecimento do sistema feudal. Sabemos que os Alpes, segundo a idade que os geólogos lhes dão, não são antigos, ainda que pareçam ter existido sempre. A manha e a noite, a origem e o desaparecimento de inumeráveis espécies de seres vivos que povoaram a terra desde os remotíssimos tempos em que se formaram os depósitos rochosos do período Lorenciano, até o nascimento e morte dos animais contemporâneos, tudo, mediante o poder da ciência, tem voltado à luz do dia. E ainda não fixaram os limites da investigação; em seu vôo poderoso,' a ciência estende os limites da vida conhecida; vai, ainda, mais além da época em que se formaram as rochas mais antigas; chega até ao período em que a terra, o mar e a atmosfera, misturados entre si, formavam uma massa nebulosa; vai, ainda, até à época em que nosso planeta não tinha existência própria, e os sóis, as luas e as estrelas, ainda não estavam divididos em sistemas. Se procurarmos, então, aquilo que é eterno, a ciência nos ensina que não o encontraremos na terra, nem nos elementos que ela contém, nem no mar, nem no ar, nem no sol, nem na lua, nem nas estrelas».
Este eloqüente e incontrovertível argumento do professor Flint não é menos enfático e conclusivo do que as palavras do professor Clerck-Maxwell: «A natureza, em todo seu comportamento, desde quando teve seu começo, nunca produziu a mais leve diferença nas propriedades das moléculas. Portanto, não se pode atribuir a existência das moléculas e a identidade de suas propriedades ao efeito das causas que chamamos naturais. Por outro lado, a afinidade que há entre cada molécula e todas as outras de sua espécie, lhe imprime, como afirma Sir John Herschel, o caráter essencial de um artigo manufaturado, e exclui a idéia de que ela é eterna e de que tem existência própria.»
A mente se recusa a aceitar a idéia de que a matéria tem existência própria. Tal hipótese é inconcebível. Atribuindo a ordem atual das cousas a causas precedentes, e estas, por sua vez, a outras causas, a razão não pode ficar satisfeita; e assim, sucessivamente, através de uma série infinita. Diz bem o professor Flint: «A mente humana rejeita esta idéia universal e instantaneamente, como inconcebível, contraditória e absurda. Podemos crer num Deus que existe por si mesmo ou num mundo capaz de existir por si só, e, necessariamente, temos de crer num ou noutro; não nos é possível, porém, crer num regresso infinito de causas: As alternativas entre uma causa que exista por si mesma e um regresso infinito de causas, não são, como pensam alguns, alternativas que se possam aceitar igualmente. Uma delas é verdade incontestável, a outra é, evidentemente, um absurdo. A primeira é crida em todo o mundo, e a última não há quem a aceite».
A validez deste argumento em nada foi afetada pelas modernas teorias da evolução. Percorramos qualquer distância, considerando os distintos elos de uma cadeia: finalmente, havemos de chegar a um que está fixado numa causa que existe por si mesma. Dê-se a essa causa o nome que se quiser — Deus ou protoplasma— ela será sempre digna do nosso louvor e merecerá a nossa reverência.
Qual é ou Quem é a Primeira Causa?
A natureza é uma unidade. O próprio termo Universo implica nisto. Tudo o que se sabe a respeito da natureza, vem confirmar esta verdade. A Primeira Causa deve possuir atributos que nenhuma pluralidade de seres pode ter. A natureza inteira, corretamente interpretada, repele o dualismo e o politeísmo. A voz do Universo clama, em uníssono, com a voz da revelação : «Ouve, oh Israel, Jeová, nosso Deus, é um.»
Em a natureza há vida e mente. Um efeito nunca pode conter um elemento superior à sua causa. A Primeira Causa, portanto, deve ser viva e inteligente.
A Primeira Causa deve ser livre. «Não pode, ela mesma, ter sido causada.» Seria absurdo buscá-la entre os efeitos. Só saímos da esfera dos efeitos, quando entramos na do arbítrio, quando passamos do natural para o espiritual, quando abandonamos a matéria e chegamos aos domínios da mente. A Primeira Causa, na verdade, deve estar em todo Universo; porém, ao mesmo tempo, deve encontrar-se fora do Universo, deve ser anterior a ele, e estar sobre ele. O conceito de causa seria ilusão e a investigação que a procura seria falácia inexplicável, se não existisse Primeira Causa, e esta Primeira Causa não fosse livre, não fosse vontade, não fosse espírito, não fosse pessoa. Quando é fiel e consistente, a razão, na busca de causas, não pode deter-se antes de chegar a uma vontade racional. Somente esta é capaz de satisfazer à idéia de causa. A harmoniosa e complexa constituição do Universo é expressão de um conceito divino, de uma razão criadora».
A hipótese de uma Grande e Primeira Causa, digna de ser chamada Deus e adorada como tal, é a explicação mais racional daquilo que sabemos que somos nós mesmos, e daquilo que sabemos ser o Universo que nos rodeia. Ela reduz o mistério da existência à sua expressão mais simples. Demonstra o teorema da existência de Deus, até onde é possível à mente finita compreender proposição tão transcendental. Todas as demais explicações do Universo, quando as acompanhamos até às suas últimas conseqüências lógicas, nos conduzem ao absurdo. A explicação mais racional acerca do Universo é a que sustenta que «Natureza é o nome de um efeito cuja causa é Deus.”A ordem, suas adaptações admiráveis, a existência de seres morais e inteligentes, como seu clímax, tudo conduz, inequívoca e invariavelmente, para uma personalidade eterna de poder infinito, de sabedoria e bondade, cuja obra caminha para grande consumação moral e espiritual, acontecimento remoto e divino para o qual se destina a criação inteira.
Tanto a grandeza do Universo material, como a grandeza essencial da natureza humana, nos asseguram que não podem ser o resultado de forças cegas e indefensáveis, que agem sem sentido, num espaço infinito e num tempo sem limites, cuja origem se perde não sabemos onde, nem quando, nem como. A existência da vida e da mente, e o sentido moral, apontam, de maneira inequívoca, para um Autor vivo, inteligente e moral. Os fatos que se apalpam ao redor de nós, e os que sentimos em nós mesmos nos convencem de que o Universo e q homem são a expressão visível de um fim inteligente e moral. À superfície de ambos, — do mundo material e imaterial —, na mente e na matéria, se vêem os sinais de um Criador consciente, onipotente e de infinita pureza, maior do que o homem e do que o Universo, anterior a todas as cousas, e sobre todas elas. «Todas as causas com as quais nos pomos em contato aqui, são, de acordo com designação nossa, causas secundárias; porém, elas assinalam a existência de uma causa que está além dos seus domínios, da Causa das causas, da Causa suprema, incausada e incriada. Obediente às leis da gravitação, os corpos celestes giram, incessantemente, em suas órbitas, porém, não há lei de gravitação que fixe seus lugares no espaço. O Universo inteiro nos convida a buscar, fora de sua própria esfera, explicação adequada a respeito de sua existência».
Capítulo IV - Apareceu deus entre os homens? É Jesus um mito?
«Porque não vos fizemos conhecer o poder e a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo, seguindo fabulas artificialmente compostas: nós mesmos, porém, vimos a sua majestade»— São Pedro
«Oh! mito! Quão exaltada é a representação de Cristo sobre toda mitologia humana! Quem foi capaz de criar tal ficção é, também, capaz de criar mundos, é capaz de chamar espíritos a existência, de incutir vida e proporcionar as mais elevadas bem-aventuranças, com um só ato de sua vontade. Todos os fatos confirmam que, com referência a Jesus, não se trata de mito, mas de verdade esmagadora»— Jacobi
«Medir a Cristo pela sombra que Ele projetou no Mundo Não, é melhor medi-Lo pela luz que Ele fez incidir sobre o mundo. Jesus nunca existiu? É falsa toda a Sua biografia? Suponde que Platão e Newton jamais existiram. Então, quem realizou a obra de ambos, e quem elaborou os seus pensamentos? É preciso que exista um Newton para falsificar outro Newton. Que homem poderia ter inventado o caráter de Jesus? Nenhum, senão o mesmo Jesus”— Theodoro Parker
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Tendo considerado, já, as evidências de Deus, e verificado que tal ser, se existe, provavelmente se revelou aos homens, surge agora a pergunta: Apareceu Deus entre os homens?
Ao procurarmos resposta para esta pergunta, seria inoportuno discutir a possibilidade da encarnação. Este é o problema especulativo, que pode ser pertinente a algumas discussões, e, em si mesmo, é assunto de importância; porém, agora, preocupa-nos uma realidade. Se há evidências concludentes de que se realizou uma encarnação, de que Deus apareceu neste mundo, então desaparece a controvérsia a respeito da possibilidade de uma encarnação. A nossa incapacidade para compreender o modo como se operou a encarnação não altera, de modo algum, a validez da prova de sua realidade. Os homens devem respeitar fatos, sem levar em conta a sua própria inépcia para compreender modos e processos, e, nesta base, agem eles constantemente, com a maior confiança para tratar os assuntos da vida cotidiana.
Se Deus, na verdade, apareceu entre os homens, há pouco lugar para o engano a respeito da encarnação, como fato. A natureza divina se ergue muito acima da natureza do homem, para efetuar, facilmente, certa semelhança entre as duas. Qualquer teofania, qualquer impostura, se descobre com facilidade. A voz de Deus não pode ser reproduzida com tal facilidade, que os homens confundam a voz de um impostor com a voz divina. Podemos estar certos de que o aparecimento do Deus verdadeiro, se ocorresse, seria tão inconfundível como é o relâmpago que ilumina do Oriente ao Ocidente, e que não é possível nem ocultar nem falsificar.
Se Deus apareceu entre os homens, certamente o fez na pessoa daquele a quem chamamos Jesus. Todos os que vieram antes e depois dele, são, evidentemente, «da terra,» «terrenos.» Se Jesus não é Deus, não é preciso esperar outro. Podemos, agora, delimitar a nossa pergunta, enunciando-a da seguinte maneira: «Apareceu Deus entre os homens, na pessoa de Jesus de Nazaré?»
Ao prosseguirmos nas nossas investigações, no sentido de saber se Deus apareceu na pessoa de Jesus, não podemos dar por aceito mais do que a razão permite. Damos por evidente somente aquilo que ninguém se atreve a negar, isto é: que em quatro breves memórias, comumente reconhecidas como os Evangelhos, se delineia o caráter de um personagem chamado Jesus. Não damos por estabelecido, que estes esboços biográficos tenham sido escritos pelas pessoas cujos nomes figuram em cada um deles, respectivamente, nem que estes documentos históricos sejam autênticos. Afirmamos, simplesmente, que o personagem chamado Jesus constitui o tema destes livros.
Surge, então, a pergunta: Jesus é mito ou é personagem histórico? E nós afirmamos que nem os quatro Evangelistas, nem homem algum do tempo deles, ou de qualquer outra época, poderiam ter inventado personagem como Jesus, ou construí-lo com materiais que existiam, ou que ainda hoje existem.
Consideremos alguns dos traços marcantes deste personagem.
1. É personagem original. Não tem emulo em nenhuma literatura, quer antiga quer moderna. O que mais se aproxima dele é a personalidade messiânica, expressivamente traçada nos Livros Sagrados dos judeus. Porém, nem os judeus antigos nem os modernos reconhecem em Jesus aquele que realizou o ideal de seu Messias. E, certamente, nenhum escritor judeu ou pagão, na época de Tibério, poderia ter esboçado um quadro de Jesus, valendo-se, apenas, das informações messiânicas, que as Escrituras Hebraicas forneciam.
2. É personagem perfeito. «O único personagem perfeito que jamais apareceu na história ou no pensamento dos homens.”Surge em meio à maior pobreza, destituído inteiramente de amigos, assediado por adversários implacáveis e rodeado de circunstâncias contrárias à piedade e à virtude. No seu procedimento, entretanto, nunca peca e nunca se arrepende. Referindo-se à impecabilidade deste personagem, certo historiador disse: «Ao Cristianismo estava reservada a tarefa de apresentar ao mundo um personagem ideal, o qual, através de todas as vicissitudes de dezoito séculos, tem inspirado, com ardente amor, o coração dos homens; tem-se mostrado capaz de exercer marcadíssima influência sobre todas as nações, idades, temperamentos e condições; tem sido não só o mais perfeito modelo da virtude, mas, também, o mais poderoso incentivo para a sua prática; agiu de tal maneira que, na verdade, se pode dizer que em três breves anos de vida ativa, para só recordar, fez mais pela regeneração da humanidade do que todos os desconcertos de filósofos, do que todas as exortações dos moralistas». A respeito deste personagem, escreveu John Stuart Mill: «Quando este gênio preeminente se combina com as qualidades daquele que, com toda probabilidade, é o primeiro reformador moral e mártir de missão tão nobre, não se pode censurar a religião, culpando-a de ter feito má seleção, quando escolheu este homem para designá-lo como o representante ideal e guia da humanidade; nem tão pouco seria mais fácil, em nossos dias, até mesmo para um incrédulo, encontrar melhor personificação da regra da virtude, do abstraio para o concreto, do que o esforço para viver de tal modo, que Cristo aprovasse a nossa vida».
3. A perfeição do seu caráter se manifesta de maneira especial, em sua perfeita simetria e no equilíbrio de suas excelências. Apresenta combinação de virtudes ativas e passivas em proporção tão perfeita, que não se encontra em qualquer outra pessoa histórica ou fictícia. Combina a piedade e a filantropia, a santidade e a compaixão, a justiça e o amor, a pureza e a ternura, e o faz de modo nunca visto nem imaginado pelo homem. «Nunca brincou em seu semblante o sorriso da alegria, e, não obstante, nunca aparecia como áspero, melancólico ou infeliz». Sofre as privações mais severas, e, no entanto, há nele certa majestade, que faz desaparecer toda idéia de incapacidade. «Na verdade, não nos permite pensar muito, a respeito de suas privações; ao recordá-lo, consideramo-lo sempre como ser de imensos recursos, parecendo-nos mais sublime pelo faro de encarnar o papel do destituído. Em seu coração não abriga um só desejo pelas cousas deste mundo: jamais é surpreendido anelando os seus benefícios, e mostra-se impassível diante dos seus encantos, e, no entanto, nele não se nota nem o enfado do cético, nem o tédio do misantropo; jamais aparece como quem se esforça para guardar-se do mundo. No momento das bodas, felicita; nas festas, procura doutrinar; nos funerais, chora; porém, nenhum avaro sentiu mais atração por seu próprio dinheiro, do que ele pêlos mundos do além. Os homens procuram ser espirituais, e caem no ceticismo; quando tratam de sustentar idéia liberal a respeito dos prazeres que a sociedade oferece, logo se sentem sepultados no mundo, e escravos dos seus costumes; vigiando, constantemente, para não incorrer em pecado, chegam a perder sua liberdade, ou, então, fascinados pela liberdade nobre e celestial, resvalam para a vida de negligência e sem responsabilidades; assim, os prudentes se convertem em insensatos e os fervorosos em fanáticos; fraquejam os débeis, tornam-se insolentes os fortes, libertinos os liberais e ostensivos os benevolentes. A fraqueza a cousa alguma permite estabilidade. E, no entanto, o caráter de Cristo nunca sofre modificação. É sempre o mesmo. Não melhora, não faz desaparecer extravagâncias, não incorre em excentricidades. O nível do seu caráter nunca sofre perturbações, e a admirável majestade em que descansa, jamais se deslustra, nem mesmo pela suspeita de fraqueza».
O caráter de Jesus é universal. Nele nada há de local ou temporal. Nele não se encontra nenhum característico provincial ou transitório. Não há, para descrevê-lo, frase mais idónea do que as palavras: «O Filho do homem». Como diz Renan: «Jesus é o mais elevado mestre (coluna) que ensina ao homem de onde procede e para onde deverá dirigir-se. Nele está condensado todo o bom e todo o exaltado em nossa natureza.”Ou como afirma Strauss: «Em todo os sentidos, Jesus está na primeira linha, entre todos aqueles que desenvolveram o ideal da humanidade». Muitas peculiaridades surgiram, de circunstâncias pessoais e históricas, que sobrevêm aos mais altos caracteres humanos, e que impediriam a qualquer deles ser, em si, tipo universal. Porém, o tipo que encontramos nos Evangelhos, e que reconhecemos como o tipo cristão, parece ter escapado a todas estas peculiaridades, surgindo, diante de nós, revestido de pureza incomparável e de incomparável perfeição de excelência moral... Se este tipo de caráter foi forjado pelo intelecto humano, devemos lembrar, pelo menos, que foi forjado no ponto de confluência de três raças: a judia, a grega e a romana, cada uma das quais possuía próprias e bem marcadas peculiaridades nacionais. Um só traço, uma insinuação apenas de qualquer daquelas peculiaridades, teria sido suficiente para dar ao personagem caráter nacional e não universal; caráter transitório e não eterno. Teria chegado a ser o mais elevado personagem da História, mas não chegaria a ser o ideal. Supondo-o humano, — já porque representasse o maior esforço do homem para alcançar a excelência moral, ou porque fosse produto da imaginação moral dos escritores dos Evangelhos —, as circunstâncias eram demasiadamente desfavoráveis para a criação de um personagem em quem não se notasse o mais leve sinal de fanatismo, de formalismo e do exclusivismo dos judeus; de um personagem completamente livre do orgulho político dos romanos, e isento do orgulho intelectual dos gregos. E, sem dúvida, Jesus escapou de todos estes traços característicos dos judeus, dos romanos e dos gregos. Jesus é a essência da natureza moral do homem revestida de personalidade tão vívida e tão intensa, que desperta, através de todas as eras, o mais intenso carinho, sem que se leve em conta o fato de estar Ele despojado de todos aqueles característicos peculiares — das circunstâncias de tempo e lugar — que fazem diferentes, umas das outras, as personalidades humanas.
5. Este personagem admirável não aparece nas páginas dos Evangelhos, como se fora forjado por esforço. «Seu caráter não está delineado numa série de epítetos, ou de referências abstratas, nem de elogios vagos e indefinidos». Seu caráter é traçado em narrativas claras e que, sem revelar estudo, possuem sinais inequívocos de realidade. 
6. Este notável personagem é o mesmo em cada um dos quatro livros em que aparece. Quatro escritores, cuja independência é indiscutível, esboçaram, essencialmente, o mesmo quadro. Cairns diz com acerto: «Um Evangelho é maravilha; que diremos, porém, de quatro, composto, cada um, dentro de plano definido, com sua extensão e suas omissões, com suas variações, mesmo quando a coincidência entre eles é mais exata, com seus problemas ainda a serem resolvidos, mas sempre cedendo, em parte, a novas investigações, e só pondo em evidência a imutável unidade e dignidade da história? As dificuldades dos Evangelhos, motivadas pelas divergências, nada são, quando comparadas com a impressão que todos eles causam como elaboração transcendental».
7. Além do mais, a obra dos Evangelistas, não ficou terminada pelo fato de terem eles esboçado personagem impecável. Devem colocar, nos lábios do personagem que retraíam, palavras que estejam de acordo com a majestade de suas pretensões. Se imaginaram o homem, devem ter também imaginado os seus ensinos; e o que este homem diz, segundo nos informam os Evangelistas, é tão admirável como ele mesmo, conforme nos é Ele apresentado nos Evangelhos. Suas doutrinas são categóricas. Constituem verdades finais que o mundo nunca poderá melhorar. Não é possível conceber pensamento mais elevado do que o da doutrina da paternidade de Deus, nem pensamento mais amplo do que o dogma que Ele estabeleceu a respeito da fraternidade humana, nem ainda pensamento mais profundo do que o seu conceito da santidade do coração. A esperança não pode vislumbrar visão mais esplendorosa do que a que brilha nos seus ensinos relativos à ressurreição do corpo e à vida eterna depois da morte. Seu modo de compreender o «reino celestial», que abrange todo o mundo e que deve permanecer para sempre, é absolutamente singular; nem videntes nem filósofos foram capazes de conceber idéia^ semelhante. Antes de Jesus, ninguém usara as expressões que Ele usou, e nem sequer uma partícula da verdade lhes foi adicionada, desde a publicação dos Evangelhos.
8. Ainda mais. Os Evangelistas registram estas expressões admiráveis como parte de uma narrativa tranqüila Ao escrever, não revelam a excitação de descobridores, antes manifestam a serenidade de testemunhas oculares que, simplesmente, repetem rãs de alguém que fala diante deles, palavras que conde tal maneira com a personalidade sobrenatural de quem as pronuncia, que não dão lugar à surpresa. Jesus é retratado como falando com a mais perfeita serenidade. «Com a maior compostura de espírito, proclama as verdades mais tremendas. Se qualquer mortal chegasse a penetrar claramente, e pela primeira vez, o conteúdo do Sermão do Monte, o terceiro capítulo de João, a parábola do Filho Pródigo e outros muitos discursos e revelações semelhantes; se qualquer mortal chegasse a elaborar, repentinamente, tais pensamentos; concepções tão vastas, tão profundas e tão elevadas o transtornariam por completo. Seu cérebro se incendiaria e seu coração estalaria de santo entusiasmo». No entanto, ao registrar suas palavras, os Evangelistas não entoam rapsódias.
É mito este personagem admirável? São seus discursos invenções de novelistas e romancistas? É Ele, por acaso, produto da imaginação, e são suas doutrinas frutos da colaboração de quatro judeus rústicos do tempo de Tibério ou de qualquer outra época?
Nem o século de Tibério, nem qualquer outro, puderam produzir elementos intelectuais idóneos, capazes de criar o caráter e os discursos de Jesus. São transcorridos dezenove séculos desde que se escreveram os quatro Evangelhos, e, até hoje, não foi possível produzir, nem escritor algum foi capaz de imaginar personagem que se aproxime de Jesus. A tarefa está muito acima das aptidões dos escritores modernos, por maior que sejam eles; muito mais acima de qualquer dos escritores dos primeiros séculos da era crista; a obra seria verdadeiramente impossível, se dependesse das aptidões de Mateus, Marcos, Lucas e João, a cada um dos quais, geralmente, se atribui um dos quatro Evangelhos. «Se lhes tivessem sido concedidas todas as qualidades pessoais, as condições em que viviam teriam tornado impossível a criação de um personagem com tal natureza; não lhes seria possível respirar a atmosfera intelectual, moral e social do seu tempo, e produzir a obra que os imortalizou. Porque este personagem, o Jesus dos Evangelhos, não está em harmonia com as influências predominantes daquela época; antes, porém, em todos os pontos, está em antagonismo com suas características e suas influências». Igualmente incrível é a suposição de que estes quatro indivíduos chegaram a conceber os ensinos de Jesus, logo eles que careciam de todos aqueles atributos que, segundo a História da Filosofia, se exigem para a concepção de tais pensamentos. Por que razão, homens tão grandes, sábios e bons como Sócrates e Platão — que chegaram a vislumbrar alguma cousa mais do que reflexos das verdades celestiais —, não conseguiram conceber as doutrinas contidas no Sermão do Monte? Se aos seres humanos fosse dado conceber tais ensinos, Sócrates e Platão teriam chegado a pensar tão alto como se exige para pronunciar discurso semelhante ao Sermão do Monte, pois, ambos possuíam todos os dotes naturais e tinham, ao seu alcance, todas as oportunidades que a cultura ateniense oferecia. E, com efeito, eles se esforçaram por chegar à posse das verdades que unem o homem a Deus; porém, fracassaram, e Platão chegou a suspirar pelo advento de personagem divino que tornasse claro o que, para ele, era tão obscuro. E, sem dúvida, se Jesus não existiu, os quatro Evangelistas — ou outros escritores semelhantes a eles — inventaram doutrinas tão admiráveis. Isto é simplesmente inconcebível».
A vida e as palavras de Jesus estão muito acima do alcance da capacidade que o homem tem de inventar. Sua vida foi fato, e suas palavras, realidade; do contrário, os Evangelhos constituem, em si, milagre tio grande quanto à própria encarnação de Deus. Segundo Rousseau, «o Evangelho contém sinais de verdade tão grande, tão notável, tão perfeitamente inimitável, que o seu inventor teria de ser mais surpreendente do que o próprio herói.»
E esta conclusão mais se confirma, quando consideramos as forças poderosas e benéficas que emanaram do Cristianismo. Teriam, por acaso, surgido de um mito influências tão puras e instituições tão duradouras, e isto em época em que os homens escrevem a história autêntica? Referindo-se a esta teoria mitológica, Row afirma com grande ênfase: «Despojando-a de todo fingimento, esta teoria significa que o maior poder — o poder que por mais de dezoito séculos produziu energias para o bem dos homens, e, que, na atualidade, é motivo e sustento da imensa maioria das instituições que se estabeleceram na Europa e na América para promover a felicidade do homem — está baseado num engano. Se o Jesus dos Evangelhos é criação imaginária, e não realidade histórica, então é preciso crer que uma sombra, um fantasma, tem sido o centro de poder supremo, e tem exercido, para o bem, maior influência do que todas as realidades do mundo. Se isto é certo, só uma dedução se nos impõe: é a de que o homem anda nas sombras da vaidade e todas as suas preocupações são vás. Para que, pois, lutar pela verdade, se a falsidade é mais poderosa do que todas as realidades, e se sua influência, para o bem, é mais eficaz do que todos os sacrifícios dos sábios e dos bons? Em tais condições, tudo seria vaidade; a vida presente seria apenas sonho, a vida futura, só ilusão, e a única esperança do homem — e por que não dizer?— a sua melhor esperança desapareceria tragada pelo eterno silêncio de onde ele veio, para onde se apressa em ir, e de onde não haverá ressurreição».
A personalidade de Jesus Cristo descansa sobre a base inamovível da história humana. É, na verdade, mais firme, mais duradoura do que qualquer forma de matéria ou modo de força que tenha preocupado a mente humana. Os conceitos a respeito da terra, do ar, do fogo e da água mudam e desaparecem ao redor dele, como mudam e desaparecem as nuvens que passam sobre o pico de montanha eterna. Todos os esforços para dar à história de Jesus o caráter de mito — e são esforços incontáveis — têm-se esboroado contra a poderosa realidade do seu caráter, restando, dessas tentativas, apenas vestígios. O resultado final de toda crítica, o ditame final do bom senso, é o de que Cristo é personagem histórico. Sua personalidade é tal, que os homens não a teriam imaginado, se tivessem podido, e não teriam podido imaginá-la, se tivessem pretendido. Ele não é nem mito grego nem lenda hebraica. Teria sido impossível encontrar artista capaz de modelá-lo e, também, impossível teria sido encontrar os elementos que se exigem para tal obra. Um Cristianismo que não existia, não pode ter emanado do ar, e, depois, ter criado um Cristo. Um personagem real chamado Cristo veio ao mundo, e criou o Cristianismo».
É tão real e duradouro o Cristo de que tratamos, que os que formularam a «doutrina mitológica» não puderam publicar os livros que a contêm, sem reconhecer, na data da publicação, a data do nascimento de Jesus. As pequenas notas ao pé da página de rosto de suas obras refutam, por completo, todos os argumentos que os capítulos subseqüentes contêm. Os fatos portentosos que, segundo as Escrituras, se efetuaram na data do nascimento de Jesus, fatos que os críticos não puderam apresentar como milagres lendários, não são tão surpreendentes quanto ao fato de o próprio Jesus de Nazaré, pelo seu nascimento, fazer a marcação do tempo girar em torno de sua manjedoura. Quando o comércio anota suas operações, quando o governo publica seus decretos, quando nascem as crianças e morrem os velhos, quando potentados ou simples lavradores vêm ao mundo, ou dele se retiram para sua eterna morada, todos, sem exceção, rendem homenagem ao humilde Menino de Belém. Os calendários que fixam datas não podem basear-se em mito. Podem, no entanto, necessitar de precisão absoluta, como aconteceu quando se contava o tempo, tendo por base a criação do mundo, ou quando era contado a partir da fundação de Roma; porém, os calendários assinalam acontecimentos reais, que jamais chegarão a converter-se em fatos mitológicos.
Capítulo V - Apareceu Deus entre os homens? E divino o Jesus dos Evangelhos?
«E o Verbo se fez carne, e habitou entre nos, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, gloria como do unigênito do Pai”— São João
«Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo» — Pedro, em Cesaréia de Filipe
«Senhor meu e Deus meu* — São Tomé
«Rabi, tu és o Filho de Deus» — Natanael
«Qual é o mistério que se oculta na personalidade de Jesus? Que é que Ele diz acerca de si mesmo? A resposta a estas perguntas determinará, em todo tempo, a decisão final. Tal é a confiança que Jesus nos inspira, que, por maior que seja a nossa insegurança a respeito de outras cousas, não podemos deixar de reconhecer que Ele mesmo sabia quem era, e que nunca se expressou de modo a contradizer o que sabia de si mesmo”— Lutard
«Ele se chamou a si mesmo de o Filho de Deus: Quem, entre os mortais, se atreve a afirmar o contrario?» — Lequinia
 
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A biografia de Jesus é histórica, não fictícia.  Nem os Evangelistas nem qualquer outro escritor seriam capazes de imaginar personagem de tal natureza. E se não é possível à imaginação humana conceber vida tão perfeita, muito menos capazes serão os homens de realizar ideal tão elevado, pois, é mais fácil conceber ideais do que executá-los.
Contra esta conclusão, nenhum argumento, no tocante à possibilidade ou à credibilidade dos milagres, possui força alguma. Quando Jesus se apresenta, sua natureza é tal, que transcende à capacidade inventiva e criadora dos homens. Mesmo em nossos dias, quando sua personalidade é já, no geral, conhecida pêlos homens, os mais sábios entre eles não foram capazes de interpretar, a fundo, todas as suas expressões, nem os mais santos conseguiram imitar seu exemplo, com toda a perfeição de que está revestido. Eis aqui, diante dos nossos olhos, um milagre muito maior do que qualquer incidente de quantos se mencionam nas breves narrativas dos Evangelistas. Se os fatos que se lhe atribuem — e que os homens chamam milagres — fossem retirados dos quatro Evangelhos, permaneceria um fragmento de história muito mais difícil de se compreender do que todo o conjunto. Os fatos comuns de sua vida, fatos que ninguém se atreve a negar, constituem, em si mesmos, os mais estupendos milagres, se não se considerar a Jesus como Deus, pois, em tal caso, Ele revelaria pureza sobrenatural, sem possuir qualquer poder extraordinário. A descrição que fazem dele os Evangelistas reveste-se de caráter nitidamente histórico, e a vida de Jesus, como descrita nos Evangelhos, reivindica o título de sua divindade. Os fatos da história de Cristo «impedem que Ele seja classificado como homem.»
Em linhas gerais, estes fatos são os seguintes: nasceu em humilde estrebaria; sua infância se desenvolveu em menosprezada cidade de província impopular, situada num país estreito às margens do Mediterrâneo, país que, durante a vida de Jesus, constituía parte insignificante do Império Romano; sua juventude, e o primeiro período de sua virilidade, que compreendeu o rude trabalho de carpintaria, Ele os passou sem a educação formal de qualquer escola; Jesus teve vida pública de menos de três anos, e morte ignominiosa, antes de chegar aos trinta e cinco anos de idade. Durante o período compreendido entre o seu advento e a sua morte, suportou a maior pobreza; sem mentores e sem amigos entre os sábios e os poderosos, foi objeto de oposição e de ódio das classes privilegiadas; viveu sem outra associação senão a que lhe proporcionava o povo ignorante, povo de sua época e de seu país, e viveu sem a simpatia, sequer, de seus mais íntimos amigos e de seus parentes mais queridos. Em meio a condições tão deploráveis, formou seu caráter, e deu expressão às grandes concepções do seu espírito. Rodeado de circunstâncias tão difíceis e de limitações sem fim, levou vida de inocência e sem fraqueza; de pureza sem penitências, unindo na mais perfeita harmonia, as virtudes ativas e passivas, como jamais foram harmonizadas na vida de qualquer homem, em qualquer tempo.
Ao dar ao mundo este perfeito exemplo de pureza pessoal e de virtude imaculada, Jesus assumiu atitude de supremacia, em relação a todos os homens, e de igualdade em relação a Deus. 
Além disso, havia nele, inerente à sua personalidade, majestade tal — e estava Ele possuído de porte real tão marcado —, que lhe ficava bem expressar pretensões tão elevadas, sem causar estupefação à humanidade. «Durante dezoito séculos os homens têm vindo publicando e pregando atos por excelência tão prodigiosos, e, no entanto, o mundo — que tão depressa sabe descobrir o amor próprio e rebaixar as pretensões dos impostores, em nações inteiras, habitadas por sábios e poderosos, bem como por ignorantes e humildes — tem prestado homenagem ao nome de Jesus, sem jamais encontrar uma só contradição entre seus méritos e suas pretensões, e sem se considerar ofendido, uma única vez, por qualquer idéia que, porventura, lhe pudesse parecer extravagante em Jesus. Antes, porém, a ninguém se esconde o fato de que, no conceito comum da raça humana, Jesus tem o mérito de modéstia singular e que produz, nos homens, a mais profunda convicção de sua humildade”(28).
De acordo com estas pretensões sem precedentes, este Carpinteiro que jamais fora ensinado pêlos homens — natural de uma província desprezada, de uma terra povoada de vassalos —, se propôs fundar um reino, que deveria ser universal em extensão, eterno em sua duração, reino que teria a propriedade de elevar seus súditos à altura que se exige para se tornarem filhos de Deus. No começo de seu ministério público, expôs, com todos os seus pormenores, este projeto extraordinário, sem deixar lugar para modificações, quer por acréscimos, quer por subtrações posteriores. Nunca se mostrou desanimado a respeito do êxito deste reino que preconiza,"e, a sombra da cruz, abrigava Ele a mesma esperança de vitória que revelara, quando gozava da maior popularidade que atingira em seu ministério terreno. Certa mulher devota o ungira numa festa, e, ao elogiar aquele gesto, Jesus disse que logo seria morto, porém,.seu Evangelho deveria ser pregado por todo o mundo, e aquele incidente seria registrado em memória dela.
Os meios que empregou para fundar o seu reino, são bem diferentes daqueles que os homens empregam para fundar os » seus. Excluiu a força; o alfanje não foi, em suas mãos, como nas de Maomé, o instrumento do seu apostolado. Nunca dependeu da diplomacia nem do sacerdócio; nem de credos, de filosofia, de argumentos ou de sistemas. Não escreveu uma única regra, não fundou escola, nem formulou cerimonial ostensivo ou ritual complicado. Preferiu morrer, declarando:
E eu, quando for levantado da terra, todos atrairei a mim.»
Colocou-se ao lado dos pobres, e, entre eles, encontrou o melhor material para a cidadania do reino que se propunha fundar. E, não obstante este fato, seu caráter estava muito longe de assemelhar-se ao de um revolucionário socialista.
Nunca apelou para os prejuízos da raça, e nem aspirou à direção de algum partido que, por alguma ofensa real ou imaginária, desejasse vingar-se da sociedade. Não despertou, entre o povo que o ouvia com gosto, o espírito de partido. Compadeceu-se das multidões, porém, jamais se desviou do plano que se traçara para conquistar a aprovação popular. Numa época de superstição, Jesus apelava para as massas supersticiosas, sem fazer a menor concessão a respeito das noções que elas alimentavam.
Falou para o seu tempo e para todas as épocas, como alguém cujo ponto de vista está acima de toda distinção de tempo e de circunstância. Sua voz era a expressão do amor que emanava do céu.
O espírito em que vivera e trabalhara, forma uma auréola em torno da vida que levou e do plano que desenvolveu. «Em toda a história da sua vida não é possível descobrir a mais leve indicação do desvio ou do fracasso. E isto se torna ainda mais surpreendente, quando nos lembramos de que ele buscava obra de tanta magnitude e com tanto entusiasmo, chamando-a sua comida e sua bebida, e consagrando-lhe todas as energias de sua vida. Quando os homens estão projetando grandes obras, o seu próprio entusiasmo se transforma em impaciência. Quando se vêem contrariados, ou, quando, sem razão, se sentem prejudicados, arremetem com fúria contra os obstáculos que encontram, prorrompem em imprecações diante do menor tropeço, e qualquer incidente desfavorável os faz estalar de ira. Jesus, no entanto, aparece sempre sereno, tão confiante diante das dificuldades e das provas, como se nada pretendesse realizar. Está sempre revestido de uma espécie de santa paciência. Sofre a pobreza, a fome e o cansaço; é desprezado; seus inimigos o insultam; seus amigos o abandonam; Ele, porém, nunca se desalenta, e nem se enfada, e nem se incomoda. Não parece dominar o seu temperamento, mas parece que não o tem».
Que nome a razão nos aconselha a dar a alguém que viveu e agiu como Jesus? Seria, acaso, agir contra a razão, dar a ser tão bom, tão sábio e tão tranqüilo, o nome que designasse o seu próprio lugar no Universo? Não será Ele, porventura, demasiado verídico para nos enganar? Não será, Ele mesmo, demasiado sábio e tranqüilo para enganar-se? Quem se atreverá a negar que a acusação de impostura ou de fanatismo é, de todo, inadmissível no seu caso? Digamos com Channing: «Quando considero a majestade real que acompanha a Jesus em todos os seus atos e nunca desmentindo, no mínimo aspecto, seus títulos
sublimes, em meio à pobreza e ao escárnio, em sua derradeira agonia, aposso-me da consciência da realidade de seu caráter, que me é impossível expressar. Compreendo que, para o Carpinteiro Judeu, teria sido tão impossível conceber e sustentar este papel, levado pela impostura, como é impossível a uma criança repetir as proezas de Hércules ou compreender, com a sua mente infantil, as incomparáveis obras do gênio”E, se com razão, não podemos tachá-lo de impostor, muito menos poderíamos acusá-lo de ter sido enganado pela loucura do entusiasmo ou pela insensatez do fanatismo. O mundo todo reconhece que em seu caráter não há mácula. Porém, se admitirmos que, em retidão, Jesus é perfeito, e, no entanto, sustentarmos que Ele se, enganou a respeito de si mesmo, segue-se que à mais perfeita virtude não foi dado encontrar e sustentar a verdade. Então, sim, teremos chegado ao mais fatal agnosticismo. Se Jesus, que é Jesus, foi enganado, todos os demais homens podem renunciar a toda esperança de encontrar a verdade. Toda pesquisa, em tais condições, seria somente indagação de insensatos.
No entanto, se Jesus não foi enganador nem foi enganado, toda consideração em torno do conceito que fazia de si mesmo vem a ser da mais alta importância. Que é que Jesus pensava de si mesmo? Ouvi-o: «Eu sou a luz do mundo.» «Ninguém vem ao Pai a não ser por mim.» «Vinde a mim todos vós que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei.» Se Ele não é Deus, poderá haver presunção mais sem propósito do que a dele? Se Ele não é Deus, há, em sua natureza, verdadeiro caos, onde a verdade está misturada com a falsidade, o orgulho com a humildade, a reverência com a profanação, a sabedoria com a insensatez, a fraqueza com o poder e a piedade com a maldade. A crítica que nega a sua divindade, e, ao mesmo tempo, reconhece sua sabedoria sem par e sua virtude sem paralelo, incorre em grave falta de lógica, e se destrói a si mesma. Se Ele não é Deus, não pode ser bom. A única solução racional dos problemas que a sua humanidade apresenta, está no reconhecimento da, sua divindade.
«Num mundo em que está rodeado de mistério, e no qual o seu próprio ser é mistério consumado, a um homem sensato é mais fácil crer que o Autor dos Milagres que o cercam, se tenham revestido de uma forma criada, objetivando a realização de fins morais, do que aceitar a teoria segundo a qual a única vida humana que chegou a realizar a idéia da humanidade, tenha pecado ao falar de si mesma, ou que tenha sido arrogante, cheia de amor próprio e de insinceridade, pois esta idéia, se admitida, degradaria o personagem a que nos referimos, colocando-o abaixo do nível moral que milhões de seus adoradores alcançaram, pois Jesus é o único modelo de nossa raça e nele estão combinadas todas as suas virtudes, e, ainda, dele foi eliminado todo vício. Em resumo, é mais fácil crer que Deus realizou seus prodígios e suas misericórdias através de uma revelação própria — na qual a misericórdia e a beleza alcançaram sua mais alta expressão —, do que desviar o olhar do ponto mais resplandecente que a história humana nos oferece, para ver, no fim — no destino inexplicável do homem —, a mais completa justificação do seu desespero».
«Porque se, não sendo divino, presumia divindade, deveríamos fugir dele, possuídos do mais profundo desgosto e do maior terror. A mais insignificante capacidade intelectual reconhece a incomensurável distância que separa o homem de Deus; e como poderíamos respeitar a uma pessoa que, sem ser Deus, se fez igual a Deus, mesmo na sua obscuridade e na sua fraqueza, no profundo de sua indizível humilhação, e na absoluta impotência de sua debilidade humana? Oh! não teria sido esta a pior blasfêmia da impostura, a própria loucura do engano, a fatuidade da arrogância, tudo combinado na vida de um ser a quem o mundo reconhece como o mais sábio, o mais humilde e o mais santo dos filhos dos homens? Na verdade, se não reconhecemos a sua divindade — ainda que não o apedrejamos —, deveríamos fugir dele, propelidos pela dor mais acerba».
Os que a um tempo louvam sua sabedoria e bondade, porém lhe negam a divindade, incorrem nas mais graves contradições lógicas e em inconseqüências morais que um homem sincero nunca será capaz de reconciliar nem compreender. Como Judas, no Horto, pretendem aclamá-lo como seu Senhor, enquanto o atraiçoam com um beijo. Tratam-no como os antigos pagãos tratavam o boi expiatório, isto é, cobrem-no com grinaldas, para logo o conduzirem ao sacrifício.
Porém, ao tentarem, assim, crucificar de novo o Filho de Deus, só avançam para a sua própria destruição, apressando a queda de seus falsos sistemas. Quando, perante a falsa opinião popular — que considerava a Jesus como um dos profetas e, ao mesmo tempo, negava sua divindade —, Pedro disse: «Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo», ele expressou a inamovível conclusão da lógica invencível, bem como a firme crença de uma fé verdadeira.
Capítulo VI - Apareceu Deus entre os homens? Ressurgiu Jesus dentre os mortos? Exame do testemunho de São Paulo
«Irmãos, venho lembrar-vos o evangelho que vos anunciei, o qual recebestes e no qual ainda perseverais; por ele também sois salvos, se retiverdes a palavra tal como vo-la preguei, a menos que tenhais crido em vão. Antes de tudo vos entreguei o que também recebi; que Cristo morreu pêlos nossos pecados, segundo as Escrituras, e que foi sepultado, e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. E apareceu a Cefas, e, depois, aos doze. Depois foi visto por mais de quinhentos irmãos de uma só vez, dos quais a maioria sobrevive até agora, porém alguns já dormem. Depois foi visto por Tiago, mais tarde por todos os apóstolos, e, afinal, depois de todos, foi visto também por mim, como por um nascido fora de tempo-» — São Paulo aos Coríntios
«Os escritores apostólicos baseiam a verdade do Cristianismo em um só milagre : a ressurreição de Cristo dentre os mortos. A respeito deste fato há provas mais convincentes do que a respeito de qualquer outro acontecimento na história do passado. A verdade da ressurreição é suficiente» Permitir que se baseie a verdade do Cristianismo sobre qualquer das múltiplas questões que surgiram nos últimos tempos — como se sua verdade ou sua falsidade dependessem de nossa habilidade para resolvê-las —, não só é desnecessário como, também, em muitos casos, é extremamente perigoso. Que sinal nos mostras, interrogam os judeus, uma vez que fazes estas cousas? Eles se referiam ao fato de Jesus ter expulsado os vendilhões do templo. Destruí este templo, e em três dias o reedificarei... Mas Ele falava do templo do seu corpo”— Cónego Row
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Nos capítulos anteriores, não se pressupôs nem se deu como certo nenhum milagre de Jesus, para provar a sua divindade. Só se mencionaram os fatos certos e inegáveis de sua vida terrena, fatos comuns que foram alegados para estabelecer seu caráter divino e sua autoridade. Tais verdades têm sido aceitas pêlos mais célebres incrédulos do mundo. Nenhuma pessoa competente, para julgar assunto de tal natureza, se atreve a negar que, durante o reinado de Tibério César, um eminente judeu, chamado Jesus, reuniu na Palestina certo número de adeptos, que criam nele, aceitando-o como o Messias vaticinado nas profecias judaicas, e que continuaram a crer nele, mesmo depois de Ele ter desaparecido dentre os homens, e que, do mesmo modo —como aqueles primeiros crentes —, na atualidade há milhões de discípulos que o seguem. Estes afirmam que Ele, depois de ter sido julgado por Pilatos, depois de ter sido morto e sepultado, ressuscitou dentre os mortos.
Fundar-se-á a afirmação dos discípulos em algum fato concreto, ou será ela falsa? Se não é possível demonstrar que a ressurreição de Cristo é fato histórico, será inútil defender ou atacar qualquer outro dos milagres que se lhe atribuem. Se Cristo não ressuscitou, sua morte deitaria por terra a crença na Sua Divindade, e Sua passagem por este mundo acrescentaria outro problema ao conjunto de perplexidades religiosas. Se Ele não ressurgiu dentre os mortos, todos os outros milagres registrados em o Novo Testamento — mesmo que Sua fama se estendesse infinitamente — não seriam suficientes para provar a Sua Divindade, nem para mostrar que o Cristianismo é revelação divina. Na verdade, quanto mais acentuadas fossem as tendências de tais milagres, no sentido de o apresentarem ao mundo como personalidade sobrenatural, tanto maior seria a confusão dos seus adeptos, pois, se fora apenas homem, o mais que se poderia dizer de Sua morte, é que, entre os homens, não conseguiu Ele a ela escapar; se, porém, veio como Deus, e, como tal, morreu para sempre, sem ressurreição, então Deus deixou de existir! Seria profundamente lamentável se nos dissesse que o homem mais santo morrera para jamais ressuscitar; porém, horrivelmente lamentável seria, se o próprio Deus sucumbisse sob o império da morte! Se os milagres que Ele operou, antes de morrer, levaram muitos^dos que o seguiam a crer na Sua Divindade — e depois disto Ele não ressuscitou dentre os mortos — então, como disse alguém, os que creram «são os mais miseráveis dentre os homens», e os que os sucederam na fé, conseqüentemente, herdaram legado de trevas e tristezas!
Se, por outro lado, Jesus ressurgiu dentre os mortos, toda controvérsia desaparece. Não existe mais a barreira do natural. Alguma cousa de sobrenatural conforta a humanidade. A vida e a imortalidade terão sido trazidas por Ele à luz. Qualquer de todos os seus milagres merece a nossa fé, a despeito de toda presunção contrária.
A chave da posição que o Cristianismo assumiu, se encontra nesta verdade, e disto, precisamente, é que pretendemos tratar.
Por enquanto, deixemos de lado o testemunho dos Evangelistas, e consideremos a asserção dos incrédulos, que sustentam que as narrativas contidas nos Evangelhos não foram aceitas nem pelas Igrejas, a não ser nas últimas décadas do segundo século da nossa era. Mais adiante, porém, demonstraremos quão insustentável é esta hipótese; por ora, aceitemo-la como se fosse historicamente verdadeira, e ocupemo-nos do depoimento de outras testemunhas, depoimento acerca dos quais, pelo menos em alguns pontos, todos estamos de acordo, e a respeito dos quais não pode haver dúvida alguma. 
Por mais que os homens discutam a data, a autenticidade e os autores dos quatro livros chamados «Evangelhos», todos aceitam o Apóstolo São Paulo como o autor das Epístolas aos Gálatas, aos Romanos e aos Coríntios.
Baur afirma: «Não só nunca surgiu a menor suspeita no que concerne à autenticidade destas Epístolas, como, também, trazem elas, impressa em si mesmas, a originalidade de São Paulo. Por isso, não é possível compreender por que os críticos pudessem apresentar alguma objeção contra elas.»
Renan, em «Os Evangelhos», páginas 40-41, declara: «As Epístolas de Paulo têm vantagem incomparável nesta história, a saber, sua absoluta autenticidade. Nenhuma dúvida de peso jamais foi apresentada a respeito da autenticidade das Epístolas aos Gálatas, aos Coríntios e aos Romanos.» Em sua obra intitulada «São Paulo», ele as classifica como Epístolas «incontestadas e incontestáveis.»
Que provas nos apresentam estas Epístolas indubitáveis a respeito da ressurreição de Cristo? Antes de considerar o testemunho das Epístolas, examinemos alguns dos pontos que se referem ao seu caráter geral.
Fora de qualquer dúvida, estes quatro documentos históricos nos fazem remontar aos primeiros dias do Cristianismo. A data mais próxima que lhes pode atribuir é a de vinte e oito anos depois da crucificação. Foram escritos durante um intervalo de tempo depois da crucificação, intervalo tão curto quanto o período compreendido entre a data atual e aquela em que o Príncipe Bismarck sustentou sua célebre disputa com Pio IX; período de tempo dois anos mais breve do que transcorreu desde que Vítor Emanuel entrou em Roma, e a declarou capital da Itália Unida. «Não só foram escritos dentro do período de vinte e oito anos, a contar da crucificação, — por um Missionário do Cristianismo, cujas atividades se estendiam através dos vinte anos precedentes —, mas, também, seu Autor tinha tal idade, na época em que os escreveu, que sua memória recordava acontecimentos ocorridos quinze anos antes da crucificação». Portanto, tal era o conhecimento que o Autor destas Epístolas tinha a respeito da Igreja Primitiva, e tais eram os dados que possuía a respeito dos acontecimentos contemporâneos, que, de sua parte, não havia possibilidade de cometer enganos, a menos que tivesse sofrido alguma alucinação, ou que fosse autor de falsidades. Além disso,  como ele mesmo declara em sua Primeira Epístola aos Coríntios, 1:9, a princípio Paulo perseguiu a Igreja com a qual, mais tarde, se identificou, e, também, nessa mesma época, procurava destruir a fé que, posteriormente, viria a abraçar. Ao aproximar-se dela, como deixa transparecer, estava dominado por todo gênero de prejuízos.
Paulo dá o seu testemunho em forma de Cartas, não na forma de história ou argumentação. É inestimável o valor de cartas contemporâneas como documentos históricos, para determinar os acontecimentos de qualquer época. As alusões que faz aos eventos ordinários, não só os comprovam, como, também, concorrem grandemente para a compreensão do seu significado. Quanta luz as cartas de Cícero fazem jorrar sobre os fatos ocorridos no mundo romano de seus dias!
Pois bem: Que é que nos dizem as quatro Epístolas de São Paulo a respeito da ressurreição de Jesus?
Ensinam-nos que tanto o seu Autor, como as pessoas a quem foram destinadas, professavam, firmemente, a fé mais profunda na ressurreição, como verdade, e reconheciam esta verdade como o fundamento de suas crenças religiosas. No começo da Epístola aos Romanos, falando a respeito de Cristo, Paulo afirma que Ele «foi poderosamente demonstrado Filho de Deus, segundo o espírito de santidade, pela ressurreição dos mortos» (Rom. 1:4). Na saudação com que principia a Carta aos Gálatas, afirma o seu apostolado, que fora desconhecido por seus inimigos, dizendo: «Paulo, apóstolo, não da parte de homens, nem por intermédio de homem algum, mas por Jesus Cristo, e por Deus Pai, que o ressuscitou dentre os mortos» (Gl. 1:1). Na primeira Epístola aos Coríntios, afirma com grande ênfase : «E, se Cristo não ressuscitou, é vá a nossa pregação e vá a vossa fé; e somos tidos por falsas testemunhas de Deus, porque temos asseverado contra Deus que ele ressuscitou a Cristo, ao qual ele não ressuscitou, se é certo que os mortos não ressuscitam.»
Infere-se, destas Epístolas, que a crença na ressurreição prevalecia universalmente em todas as Igrejas Cristas, mesmo entre aquelas que estavam muito longe umas das outras, como por exemplo, as da Galácia, Corinto e Roma. Esta mesma crença é encontrada em Igrejas que Paulo não estabeleceu, assim como naquelas que foram fundadas por ele, pois, quando escreveu a Carta aos Romanos, ele não havia estado em Roma ainda.
Estas Epístolas demonstram que todos os Apóstolos — entre os quais Paulo menciona a Pedro, Tiago e João, apóstolos com os quais tivera ele entrevistas pessoais — sustentavam que o Senhor ressuscitara dentre os mortos, e que o tinham visto, e tinham falado com Ele depois da Sua ressurreição. Vejam-se : Gl. 11:9 e I Cor. 15:5. A Primeira Epístola aos Coríntios mostra que, quando foi escrita, viviam ainda nada menos do que duzentas e cinqüenta pessoas, que asseguravam ter visto a Jesus depois da Sua ressurreição. Veja-se I Cor. 15.6.
É, além do mais, verdade inconclusa que partidários de todos os credos e opiniões, por mais que divirjam quanto a outros particulares, aceitavam como certa a ressurreição de Jesus. As Cartas aos Coríntios e aos Gálatas são documentos de controvérsia, porém, nelas o Apóstolo resiste aos seus impugnadores, apelando para a ressurreição de Jesus como o axioma central da fé, de tal modo estabelecido e confirmado, que toda disputa deveria cessar, ao entrar nos domínios dessa verdade. Na Igreja de Corinto havia partidos que contrariavam o Apóstolo com tenacidade. Algumas dessas facções se agruparam em torno de Apoio, de Pedro e de Cristo. Uma delas levou a sua oposição a ponto de pôr em dúvida a sua autoridade apostólica, simplesmente porque Paulo não fora, pessoalmente, um dos companheiros de Jesus, que o tinham visto depois da ressurreição. Paulo resiste ao ataque, perguntando com ardor: «Não vi a Jesus, nosso Senhor?”(I Cor. 9:1). Não importa se estas palavras provam ou não que Paulo vira o Salvador ressurreto, pois, evidentemente, elas confirmam o fato de que os antagonistas do Apóstolo criam que o Senhor ressuscitara dentre os mortos, e confirmam, também, que os Apóstolos o tinham visto, deixando-nos claro que o ter visto ao Senhor ressuscitado era um dos requisitos necessários para o Apostolado. De outro modo, a questão não teria sentido na controvérsia.
Nas Igrejas da Galiléia havia um grupo que não somente punha o seu apostolado em tela de dúvida, mas, também, sustentava doutrina muito diferente e diametralmente oposta aos ensinos de Paulo, doutrina que o Apóstolo qualificou de «outro Evangelho”(Gl. 1:16). Ao dar-lhes combate, Paulo afirmou, como se tem dito, que a autoridade de que estava revestido procedia de «Jesus Cristo e de Deus o Pai, que o ressuscitou dentre os mortos». Se a crença de São Paulo e a de seus antagonistas não estivessem completamente de acordo, no que se refere à ressurreição, ninguém que estivesse no uso pleno dos seus sentidos, teria lançado um desafio como o que as palavras acima citadas contêm, desafio que, com igual força, está enunciado em outras passagens da Epístola.”Além disso, em sua Carta aos Gálatas, Paulo expressa sua completa harmonia com Pedro, Tiago e João, desafiando aos que se lhe opõem — e que procediam das Igrejas nas quais estes Apóstolos viviam e trabalhavam — a provarem o contrário. Este fato vem comprovar, que a crença na ressurreição de Jesus — crença que prevalecia em Corinto, em Roma e na Galácia — imperava também nas Igrejas de Antioquia e Jerusalém. Veja-se Gl. 2:11-12.
Portanto, fica demonstrado até à evidência, que a crença na ressurreição de Jesus não é invenção tardia na história do Cristianismo, mas é verdade aceita pelas Igrejas mais antigas, até mesmo pela Igreja de Jerusalém, cidade onde se deu a grande maravilha, e onde residiam testemunhas oculares que diziam ter visto a Jesus depois de sua ressurreição; cidade em que moravam acérrimos inimigos da fé, e pessoalmente interessados em negar a veracidade do acontecimento, se isto lhes fora possível.
Do conteúdo das quatro Epístolas se deduz, claramente, que dentro de alguns meses depois da crucificação, a Igreja devia ter sido reconstruída sobre a crença fundamental de que o Messias crucificado se levantara dentre os mortos. É evidente que o intervalo de tempo compreendido entre a crucificação e a reconstrução da Igreja, não pode ter ido além de alguns meses, como assegura Row, dizendo: «Se o intervalo se tivesse prolongado enquanto a crença (na ressurreição) deitasse raízes, a Igreja teria perecido no sepulcro do seu Fundador.”
Ao considerar estes dados a respeito da fé primitiva, e os relativos ao estabelecimento da Igreja, só três teorias podem ser deduzidas:
1. A crença na ressurreição foi fraude premeditada pêlos Apóstolos e seus sucessores do século primeiro.
2. Ou foram enganados por algum alucinado.
3. Ou Jesus, na verdade, ressuscitou dentre os mortos. 
Consideremos estas possibilidades, na ordem em que foram apresentadas.
Os primitivos cristãos não eram hábeis e não tinham motivo para inventar fraude tão estupenda, como a que implicava na pregação de «Jesus e a Ressurreição.”Que poderiam eles ganhar neste ou no outro mundo, pregando que Cristo ressuscitara dentre os mortos, se, de fato, tal portento não se realizara? Se o que afirmavam era falso; se se tivessem tornado merecedores do ódio de seus amigos ou da perseguição dos seus inimigos; se fossem desterrados, levados à tortura e à morte, e tudo isto sem esperança de alcançar triunfo, de que lhes adiantaria a mentira? Não nos devemos esquecer de que quando os Apóstolos deram início à obra que lhes fora confiada, não se vislumbravam ainda, os portentosos triunfos que o Cristianismo estava destinado a conquistar através dos séculos. Sem a ressurreição, estavam, os Apóstolos, destinados a sofrer o mais lamentável dos fracassos, e expostos às conseqüências da maior de todas as fraudes. Nada, absolutamente, poderiam ter ganho, mentindo, e, além disso, estariam sujeitos a perder tudo. Isto era inevitável, sobretudo em relação a São Paulo.
Além do mais, que motivos teriam eles para esforçar-se no sentido de trazer outros para filiar-se ao seu partido? Propunham aos convertidos — e seriam perversos se estivessem agindo fraudulentamente — as mais rigorosas regras de abnegação. Sem convencer os homens de que a ressurreição era fato, como teriam eles podido desenvolver vidas tão abnegadas?
«Se, de fato. Cristo ressurgiu dentre os mortos, tudo isto se explica com a maior facilidade, pois, em tal caso, podemos crer que — como nos diz o Autor da Carta aos Hebreus, 1:3 — o Senhor se mostrou com provas infalíveis, despertando e confirmando nelas a mais completa confiança na Sua ressurreição, e, conseqüentemente, na Sua vitória sobre a morte.
Assim podemos compreender o valor que tiveram os Apóstolos, desafiando as ameaças e o poder dos prepotentes em Jerusalém.
Homens que, na sexta-feira, viram a Cristo pendente da cruz, ou que souberam da Sua ressurreição — e no domingo viram-no vivo e forte — podiam, muito facilmente, mostrar-se indômitos diante do perigo, porque seu Mestre, sob todas as luzes, era o Senhor da vida e da morte, e prometera estar com eles até ao fim. Ao afirmarem sem qualquer temor — diante de pessoas que, por muitos motivos teriam desejado impor-lhes silêncio, e, que, aparentemente, tinham todo o poder para isso — que Cristo ressuscitara, os Apóstolos levavam a convicção do fato a muitas almas. E, como demonstra o desenvolvimento do Cristianismo, muitos foram persuadidos. Se Cristo ressuscitou, é fácil compreender como a obra de Paulo, mesmo quando ele perseguia os cristãos, contribuía para a sua própria conversão ao Cristianismo.
É fácil, pois, perceber que, ao ouvir as declarações francas e sinceras dos pregadores, e ao tomar conhecimento dos relatos que faziam acerca dos ensinos de Jesus, Paulo tivesse dificuldade em negar a evidência incontrastável que, cada dia, conquistava terreno a respeito do Crucificado, que os cristãos apresentavam como o Salvador prometido. Os albores da convicção começaram logo a iluminar-lhe o caminho, preparando a sua alma para a crise que deveria confirmar a verdade. Deste modo, a ressurreição de Cristo explica abundantemente o desenvolvimento do Cristianismo Primitivo. Explica, também, os efeitos do Evangelho no mundo.
Por outro lado, tais efeitos não podiam ser produzidos por homens que tinham consciência de estar pregando fraude. A falsidade nunca pode ser tão poderosa e benéfica. Porque, se não fosse assim, não valeria a pena cultivar a honradez, a sinceridade e a veracidade; porque, se Cristo não ressuscitou dentre os mortos, conclui-se que a fraude e a mentira fizeram mais a favor da humanidade, numa grande crise histórica, do que a sinceridade e a verdade conseguiram fazer até então. Não é possível, pois, sustentar a teoria de que a crença na ressurreição se deve à fraude.
Será que a teoria de que a crença na ressurreição de Jesus se deve à alucinação, é mais satisfatória? Será que esta teoria explica melhor o fato de a crença na ressurreição ter-se estendido, por toda parte, em menos de trinta anos depois da crucificação, como deixam claro as Epístolas de São Paulo aos Romanos, aos Coríntios e aos Gálatas?
Não se pode levar a sério a infundada versão propalada pêlos que sustentam que Cristo não morreu na cruz, dizendo que Ele foi retirado do madeiro durante uma síncope, e que, ao recobrar os sentidos, conseguiu refugiar-se num lugar de retiro. São por demais absurdas e inconcebíveis as suposições em que se baseia tão mal urdida teoria! Crer que Jesus — o ser melhor e mais perfeito que as idades conheceram — consentiria em que Seus discípulos se tornassem vítimas de tão lamentável engano, depõe contra o bom senso; crer que um homem exausto tenha podido escapar à vigilância de seus inimigos e tenha conseguido remover a volumosa pedra que lhe fechava a entrada da sepultura; crer que este homem tivesse podido induzir a alguns dos seus amigos a cometerem fraude e que, ainda, estes amigos, se tivessem prontificado a ajudá-lo a ocultar-se; crer que Ele tivesse conseguido ocultar-se de tal maneira, que todas as influências odiosas que o condenaram à morte de cruz fracassaram nos esforços de encontrá-lo; crer que ele tenha enganado à maioria de seus amigos e que, do seu esconderijo, lhes tenha inspirado tal confiança na sua ressurreição, que estes amigos foram capazes de percorrer toda a Galiléia, convertendo homens do porte de um Saulo de Tarso, e dando origem a um mundo todo novo, baseados sempre numa impostura que nem os mais simples aceitariam por um momento sequer; crer que tudo isto tenha acontecido com a conivência de seus inimigos e com o apoio de seus amigos — amigos que não eram dementes e nem agiam propelidos pela falsidade — constitui verdadeira impossibilidade dentro dos limites da sã razão! Propor noções tão forçadas como as implicadas na defesa desta teoria, para explicar os fenômenos religiosos ocorridos no primeiro século, é revelar credulidade estranha e em franca dissonância com os séculos XIX e XX. É muito mais fácil crer que Cristo, tendo-se encarnado, viveu entre os homens, morreu e ressuscitou, e que, por Seu poder, deu origem aos acontecimentos históricos desenvolvidos depois de sua vida e morte, do que crer que um carpinteiro judeu — que recobrou os sentidos depois de um desmaio sofrido na cruz — tenha conseguido escapar do sepulcro, e, depois, tenha logrado impor à humanidade fé absoluta na sua ressurreição!
Porém, que é que devemos pensar a respeito da «teoria das visões» exposta e defendida pelo grande Renan, e por alguns outros, para explicar a fé na ressurreição, a qual, segundo as quatro Epístolas de São Paulo, se generalizou logo depois da crucificação?
Segundo esta teoria, a crença na ressurreição de Jesus, que se propagou pouco depois da crucificação, deveu-se, então, a que certos discípulos de Jesus sofreram alucinações simultâneas, confundindo, por isso, aparições visionárias — produto de sua débil imaginação — com realidades objetivas, a ponto de chegarem a crer que, na verdade, tinham visto a Jesus e tinham falado com Ele depois da ressurreição.
Ao colocar esta teoria em tela de juízo, convém advertir que o engano de tais discípulos, se fora verdadeiro, teria sido de todo singular. Outros creram ter visto espíritos ou fantasmas em forma humana. Porém, nenhum deles, excetuando-se os discípulos mencionados na teoria de Renan, sustentou ter visto a um homem e falado com ele depois de sua morte, como se tivesse visto e falado com um espírito, mas, os que viram e falaram com Jesus ressuscitado, se expressam como quem viu e falou com alguém que, na realidade, possui corpo e alma.
Aqueles galileus não tinham as condições mentais, que possibilitam alucinações como as que a «teoria das visões» atribui aos primeiros discípulos de Jesus. De três condições mentais que devem existir para que o homem seja suscetível de alucinação, uma é a seguinte: e preciso que exista uma preocupação, uma idéia determinada ou um estado de expectação. Nenhuma condição existia na mente dos primeiros discípulos, pois é notória a falta de qualquer evidência que pudesse mostrar neles a probabilidade de tais condições mentais. Pelo contrário, sobra razão para crermos, que nada teria sido mais improvável — tanto da parte dos discípulos como da de qualquer outro judeu daquela época. As ocupações», admitindo-se a hipótese de terem existido na mente daqueles discípulos, teriam surgido, forçosamente, do anseio de um Messias revestido de caráter político, e a quem não teria sido fácil matar, e não do conceito de um Messias espiritual, destinado a morrer e ressuscitar dentre os mortos. As idéias «determinadas”dos discípulos — se eles as tivessem Possuído — teriam revelado os conceitos carnais da sua geração. Sua «espectativa» era a mesma de que comungavam todos os filhos de Israel. Jesus ressuscitado destruiu os hábitos mentais de toda uma geração. Fez com que se fragmentassem todas as esperanças terrenas que os seus concidadãos alimentavam, e lhes confiou uma obra que os judeus não convertidos jamais imaginaram; obra a que eles mesmos se opuseram quando lhes foi apresentada. Os ensinos dos judaizantes, segundo as Epístolas de Paulo aos Gaiatas e aos-Coríntios, indicam a direção que as alucinações dos Apóstolos teriam tido, caso eles as tivessem sofrido. A simplicidade do Evangelho era ofensiva aos judaizantes. Desejavam um Deus mais judeu do que Jesus.
Além disso, como se explica que a mesma forma de alucinação se tenha apoderado de tantas mentes e de pessoas tão diferentes, ao mesmo tempo? O impulsivo Pedro, o carinhoso João, o severo Tiago, o incrédulo Tomé e mais de quinhentas pessoas, segundo São Paulo, afirmaram ter visto Jesus ressurreto. Acaso teria sido possível que todos os seguidores de Jesus fossem suscetíveis às visões — todas do mesmo gênero — e que todos as confundissem com a realidade? Que terá havido na pessoa de Jesus, que pudesse ter fascinado os discípulos a ponto de constituírem eles um grupo considerável de homens e mulheres, vítimas do hábito de alucinações que, todas elas, têm as mesmas características?
Ainda mais: se as aparições de Jesus foram, de fato, apenas visões, por que cessaram dentro de um lapso de tempo tão limitado depois da crucificação, digamos quarenta dias? Que é que curou tão subitamente os visionários? Porque foram, todos eles, curados simultaneamente? Por que durou tão pouco tempo aquele desvio da imaginação? Se suas visões fossem produto só da imaginação e do entusiasmo, elas teriam infundido maior intensidade à excitação emocional de onde emanaram, e, assim, ter-se-iam multiplicado e continuado, enquanto aqueles cérebros desequilibrados possuíssem material para a produção de tais fenômenos
No entanto, tudo cessou ao mesmo tempo. Tal fenômeno é contrário a toda experiência humana e contrário a todas as leis da mente.
A teoria das visões é inaceitável!
Ou Jesus ressuscitou dentre os mortos, ou as verdades enunciadas por São Paulo — em suas Epístolas aos Romanos, aos Coríntios e aos Gálatas, verdades que ninguém é capaz de negar — são inexplicáveis. Esta conclusão ficará mais bem evidenciada, nas considerações que faremos no capítulo seguinte.
Capítulo VII - continuação do exame do testemunho de São Paulo — Sua veracidade é confirmada pela existência da Igreja e pela história do Cristianismo
«E, se Cristo não ressuscitou, é vá a nossa pregação e vá a vossa fé» — São Paulo
«As palavras — «Cristo ressuscitou”— merecem toda nossa atenção, e deveriam ser escritas com letras bem grandes. Sim, cada letra, nessa frase, deveria ser grande como um templo. Ainda mais, deveria ser tão alta quanto o céu, tão larga quanto a terra, de tal maneira que nada pudéssemos ver ou ouvir, pensar ou saber, que não estivesse relacionado com verdade tão grande» — Martinho Lutero
«O qual exerceu ele em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos e fazendo-o sentar à sua direita nos lugares celestiais, acima de todo principado, e potestade, e poder, e domínio, e de todo nome que se possa referir não só no presente século, mas também no vindouro. E pôs todas as cousas debaixo dos seus pés e, para ser o cabeça sobre todas as cousas, o deu a igreja, a qual é o seu corpo, a plenitude daquele que a tudo enche em todas as cousas» — São Paulo, na Carta aos Efésios
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A julgar pelas quatro Epístolas de São Paulo — cuja veracidade não padece qualquer sombra de dúvida — é evidente que alguns meses após a crucificação a Igreja se reconstruiu sobre a base que a crença na ressurreição de Jesus proporcionava. É necessário, portanto, que os que atribuem à fraude a crença na ressurreição do Senhor — ou que a atribuem à alucinação de certos discípulos — é necessário, dizíamos, que tais pessoas expliquem, de algum modo, não só a crença na ressurreição em si, mas, também, o fato de, sobre ela, ter sido fundada a Igreja. Eis aqui não apenas um credo, mas também uma instituição! Enquanto o credo passava pelo período de sua formação e conquistava novos convertidos, e, ainda, novos artigos, era necessário reter os primeiros adeptos que, desde antes da crucificação, criam num Messias cuja missão seria temporal e política; sim, era necessário retê-los e, finalmente, induzi-los a crer num Messias cuja missão era espiritual. E aconteceu que não só permaneceram fiéis aqueles membros fundadores do reino cristão, depois da morte de Jesus — fidelidade que nunca teriam demonstrado, se não houvera ressurreição — mas, além disso, o número de fiéis aumentou admiravelmente. Muitos daqueles que se tinham manifestado como acérrimos inimigos do Mestre e de seus discípulos, se tornaram, pela conversão, os seus mais devotos amigos e ardentes defensores da Sua ressurreição. Vemos, assim, que a instituição a que chamamos Igreja, surge formosa e grande do sepulcro de Jesus.
Os homens, às vezes, assinalaram as pretensas revelações do Espiritismo, como se elas fossem paralelas à crença dos primitivos discípulos na ressurreição. Porém, que sistema de verdades produziu o Espiritismo, que se possa comparar com as doutrinas sustentadas pela Igreja, e expostas nas quatro Epístolas de São Paulo? E que instituição criou ou que influências exerceu para renovar o mundo, ou para comunicar nova vida à humanidade? «Nada fez o Espiritismo, com todo seu pretenso poder, para penetrar os segredos do mundo invisível e outros prodígios semelhantes. Porém, a respeito do Evangelho da ressurreição, o grande Missionário pôde escrever — aos que possuíam conhecimentos positivos dos sucessos de que tratava na primeira de suas cartas atrás referidas, escrita vinte e três anos depois da ressurreição —, o seguinte: «Recordando-nos, sem cessar, da vossa obra de fé, e trabalho de amor, e paciência de esperança em nosso Senhor Jesus Cristo, diante de Deus, nosso Pai (…) porquanto nosso Evangelho não veio a vós somente em palavras, mas também em poder (...), e vós fostes feitos nossos imitadores, e do Senhor (...), e da maneira como fostes convertidos dos ídolos a Deus, para servir ao Deus vivo e verdadeiro ; e para esperar a seu Filho dos céus, a quem Ele ressuscitou dentre os mortos». Não se pode estabelecer qualquer comparação justa entre o Espiritismo árido e estéril — capaz, só, de produzir ignorância e superstição — e a fé viva e fertilizadora, que veio renovar a face do mundo, com as obras da Igreja Cristã e a vida baseada na fé que tem por objeto o Salvador.
E a propósito das considerações sobre estas verdades, segundo a exposição que São Paulo faz delas em suas Epístolas indisputáveis, convém observar como continuaram surgindo verdades semelhantes a elas nos dias subseqüentes à crucificação. Tácito, Suetônio e Plínio estão de acordo em que o Cristianismo prevalecia extensamente na época em que viveram, e, de passagem, observemos que os mais incrédulos a respeito das memórias escritas por Mateus, Marcos, Lucas e João, reconhecem, sem vacilações, a veracidade do que dizem estes historiadores pagãos. Escrevendo no século primeiro. Tácito chama aos cristãos de Roma de ingeris multitudo, isto é, grande multidão. Em carta que dirigiu ao Imperador Trajano, Plínio, o moço, diz: «O contágio desta superstição invadiu não só as cidades, mas, também, as vilas e aldeias.» Dá a entender que enquanto a perseguição não pôs limites ao desenvolvimento do Cristianismo, os templos pagãos permaneciam quase desertos; que suas solenidades, durante muito tempo, não eram celebradas; que as vítimas para os seus altares necessitavam de compradores. A crença e a Igreja que surgiram logo depois da ressurreição, não perderam a força no transcurso do primeiro século, mas, ao contrário, desenvolveram-se e robusteceram-se. E o mesmo poder continuou até ao nosso tempo, adquirindo, cada dia, vigor maior.
O Cristianismo não é cifra que perde o valor, mas é poder que aumenta constantemente. Foi introduzido no mundo por meio de instrumentos humanos, débeis e menosprezados. Triunfou sobre toda oposição. Nunca fez concessões ao pecado nem ao egoísmo. Não confiou no poder da força nem na sabedoria humana para impor-se ao mundo. Não aproveitou nenhuma corrente favorável da opinião pública entre os judeus ou entre os pagãos. Purificou judeus, despojando-os do seu egoísmo, e expurgou pagãos de sua corrupção moral e de sua grosseira idolatria.
Se Cristo não ressuscitou, todos estes fatos são inexplicáveis. Nem a solução que Gibbon oferece — conforme a encontramos na exposição original deste historiador cético — nem a revisão que Lecky faz da mesma solução, satisfazem aos requisitos de uma explicação adequada dos mencionados resultados. Gibbon atribui o rápido desenvolvimento do Cristianismo ao zelo revelado pêlos primitivos cristãos, à doutrina a respeito da vida futura, ao poder que a Igreja tinha para realizar milagres, nos primeiros séculos, à moral pura e austera dos primeiros partidários da fé e à união e disciplina da república crista. Mas, como observa o Cónego Liddon: «Cada uma destas causas aponta para uma causa que está fora de seus próprios limites. Se o zelo dos primitivos cristãos era, como Gibbon o deseja, hábito fanático que os discípulos de Cristo herdaram do judaísmo, como se explica que tal zelo não somente sobreviveu, mas, também, chegou a adquirir nova e maior intensidade, ao passo que o estreito e limitado nacionalismo que o promovia no ânimo dos judeus, foi renunciado por completo? Que é que despertou tanto zelo nos primitivos cristãos, não obstante viverem eles sobrecarregados de cuidados? Que é que lhes possibilitou vida de santidade, quando ao seu derredor imperava a corrupção? Por que a doutrina da vida futura, que os Apóstolos proclamavam, haveria de produzir efeito tão diferente do efeito que produziu a mesma doutrina ensinada por Sócrates, Platão ou por qualquer outro dos filósofos pagãos? Como se explica que alguns pescadores ou negociantes tenham sido capazes de fundar organização universal suficientemente elástica para poder adaptar-se aos mais variados gênios da raça humana, e suficientemente uniforme para apresentar, em toda parte, e de modo visível, inteira identidade? Se os milagres da Igreja Primitiva, ou alguns deles, eram genuínos, de que modo podem eles contribuir para explicar a naturalidade do desenvolvimento do Cristianismo? Se todos eles eram falsos, quão extraordinário é o espetáculo que o triunfo moral oferece — e Gibbon mesmo reconhece a vitória do Cristianismo — quando conquistado por meio de imposição tão grande e odiosa».
Em sua «História da Moral Europeia, Lecky atribui o êxito admirável do Cristianismo «aos elementos do poder e da atração que nele se acham combinados; a. sua independência de toda liga local; à força com que apela para os sentimentos afetivos; ao seu sistema de ética tão belo e tão elevado; às suas doutrinas de fraternidade e à da suprema santidade do amor; aos seus ideais de compaixão e ternura e à afinidade dos seus ensinos com a natureza espiritual da humanidade.”No entanto, estes sinais tão elevados do Cristianismo são, em si mesmos, efeitos que exigem uma explicação. Não podem ser a causa final da religião que os produziu. Lecky, simplesmente, analisa o mistério e enumera algumas das suas partes; mediante a subdivisão dos milagres, multiplica ele os prodígios que exigem sua explicação.
Sejam quais forem os agentes — humanos ou sobre-humanos — que determinaram os primeiros e os posteriores triunfos do Cristianismo, fica em pé a verdade de que tais resultados teriam sido impossíveis, se Jesus não tivesse ressuscitado dentre os mortos. Tal era a importância de que este acontecimento se revestia, que, se não tivesse ocorrido, o fracasso do Cristianismo teria sido inevitável. O Cristianismo, forte e persistente, vindo até nós desde os primeiros meses após a crucificação, é a maior prova visível e crescente de que Jesus ressuscitou. Pelo fato de os seus primeiros discípulos «crerem — como nós também cremos — que ele era Deus em forma de servo e semelhante aos homens pecadores, é que os judeus aceitaram a um galileu mártir como seu Messias, e gregos e romanos aceitaram a um judeu crucificado como seu Deus, e as hordas bravias do setentrião trocaram suas divindades guerreiras por um Cristo de paz e revestido de humildade. E em que é que os modernos teóricos nos convidam a crer? Eles nos convidam a crer que há mil e novecentos anos — na mais insignificante cidade da mais desprezível província de um país conquistado — viveu um homem (e aqui peço ao leitor que perdoe as expressões que um cristão, com justiça, emprega com temor) ignorante e não isento de pecado, filho de pais rústicos e que, depois de viver durante trinta anos em meio à mais completa obscuridade, como simples carpinteiro, se apresentou ao mundo, pregando uma doutrina que carecia de originalidade, doutrina muitas vezes contraditória, sempre defeituosa, exagerada e inexeqüível; convidam-nos a crer que este beato fantástico, meio sonhador e meio enganador, agiu de tal modo em contraposição com os seus mais claros ensinos, que foi condenado a sofrer morte ignominiosa, acusado de traição e blasfêmia, e que os seus discípulos falsificaram os acontecimentos de sua vida ordinária, não obstante serem estes discípulos homens cujas vidas e ensino mostravam que preferiam eles a morte à mentira; convidam-nos a crer que tais discípulos, transformados repentinamente — pelo completo fracasso e morte ignominiosa do seu Mestre — de covardes fugitivos em intrépidos missionários, inventaram ou imaginaram uma relação a respeito da ressurreição do seu Mestre, dispondo-se sempre, para testemunhar a verdade do que diziam, a enfrentar as feras e a marchar para a fogueira, com serenidade; convidam-nos a crer que sobre ensinos tão desprovidos de verdade e sobre narrativa tão mal inventada, se fundou uma Igreja que, após dezenove séculos de vida, permanece invencível, em proporção com sua fé e pureza, e que, sobre as mesmas bases, se levantam instituições do reino de Deus, o qual, «com o poder irresistível da debilidade,”surgiu de um judaísmo carcomido e de um paganismo culpável, revolucionando e vencendo o mundo». Tais teorias não são outra cousa senão «um amontoado incongruente de absurdos e impossibilidades.”A História, tanto a antiga como a moderna, confirma a ressurreição de Jesus.
Na conferência de Ferniy, de 1889, encontramos esta conclusão nas seguintes palavras: «Se Cristo não ressuscitou, um engano salvou o mundo. No tempo de Cristo, o mundo, aparentemente sem esperança, se agitava num caos social. Do caos vimos surgir, gradualmente, uma vida que, finalmente, chegou a atingir todo o orbe. As nações que a receberam, marcham hoje na vanguarda do progresso e, nelas, as nações que mais prometem, fixaram seus olhos. Na vida social do nosso país, verifica-se a influência moral do Cristianismo. Se estas influências fossem removidas, passaria a existir, na vida atual, um vazio impossível de eliminar.
«Todos estes resultados são frutos da pregação de homens que, despojados do valor que lhes inspirou a crença de que seu Mestre ressuscitara, nunca se teriam atrevido a pregar, ou, com toda certeza, não teriam consagrado suas vidas ao trabalho de propagação do Evangelho. De modo particular, estes resultados se devem à pregação de um discípulo, que deu demonstrações sobejas da força e da sinceridade de suas crenças, abandonando, em meio de sua carreira de perseguidor, a companhia dos assassinos de Cristo, para unir-se ao grupo de cristãos perseguidos.
«Agora, pois, se Cristo não ressuscitou, esta crença é fruto de um engano, engano dos mais estupendos de quantos têm obnubilado a mente falível do homem, pois não só induziu suas primeiras vítimas a ver com indiferença o sofrimento, o perigo e a morte, mas, também, desde aquela época até hoje, tem submetido ao seu domínio os mais brilhantes intelectos e os mais dignos caracteres. Fora de qualquer dúvida, é engano que ocupa lugar sem paralelos entre todos os enganos de que a humanidade tem sido vítima.
«Este engano salvou o mundo, porque, como vimos, se os primitivos pregadores não se tivessem enganado a respeito da ressurreição de Cristo, nunca teriam pregado, e nem se teriam estabelecido as Igrejas Cristas, e nem existiria o Cristianismo, e o poderoso influxo que salvou o mundo, não teria sido trazido à vida, e o mundo se teria perdido irremissívelmente
«Se isto é verdade, temos para com o engano e o erro uma dívida imensa.
«De suprema felicidade para o mundo foi o fato de os primitivos se terem deixado levar tão facilmente pelas criações de sua própria imaginação. Se Pedro e João tivessem sido homens de temperamento mais repousado, certamente teriam ido ao túmulo de Jesus e, tendo-se assegurado de que o seu corpo ainda estava ali, ou teriam verificado que ele não fora ainda entregue aos seus amigos (como se diz claramente em cada um dos quatro Evangelhos), ou que se confundira entre as sepulturas que guardavam os restos dos criminosos. Em tal caso, Anás e Caifás teriam triunfado completamente, os pescadores galileus teriam voltado às suas redes, e Jesus teria passado à História como o último dos grandes profetas.
«Em boa hora, para o mundo, o distinto discípulo de Gamaliel se deixou enganar facilmente pêlos pescadores de Genesaré. Se o Autor da Carta aos Hebreus fora dotado de armas semelhantes às que esgrimem os críticos modernos, não só teria escapado, ele mesmo, mas, também, muito teria feito para deitar por terra o engano de que fora vítima. Teria perseguido os cristãos até ao fim, ou, em caso de maior ilustração, teria explicado a Pedro e a João, que a verdadeira grandeza de Cristo se apoiava não na sua suposta ressurreição, nem na sua dignidade sobrenatural que lhe atribuíam, mas na pureza de sua vida e na elevação dos seus ensinos morais. Ou, ainda — o que seria mais provável —, ter-lhes-ia indicado o sepulcro, onde estavam os despojos do seu Senhor. Nestes termos, é fácil adivinhar qual seria o resultado. Naquele túmulo, e entre as chacotas dos inimigos de Cristo, teria ficado sepultada a esperança do mundo.
«Bem clara é a alternativa com que nos defrontamos. Se Cristo não ressuscitou, em obediência a uma força superior àquelas que operam no mundo material — justificando, assim, a grandeza de suas pretensões —, somos levados a concluir que um engano veio mudar o curso da História humana e salvar o mundo. Admitido como verdadeiro, este raciocínio nos leva a concordar em que, na crise suprema da História do mundo, o engano foi melhor do que a realidade, o erro e a mentira melhores do que a verdade. Se aceitarmos esta suposição, todos os que preferem o engano à realidade e que antepõem o erro à verdade, ficam justificados no seu procedimento.
«Em seguida, observamos a conseqüência lógica da alternativa com que se defrontam os que negam que Cristo tenha ressuscitado, ou que duvidam do fato da ressurreição. Em todos os tempos o homem buscou o saber, e alguns chegaram a considerá-lo o fim supremo da vida, crendo firmemente que o conhecimento da verdade contribui em grande medida para o bem-estar do homem, e que a verdade é capaz de, por si mesma, compensar qualquer sacrifício que se faça para alcançá-la. Diante dos que negam a ressurreição de Cristo, a verdade está desmoralizada, pois vimos que, segundo tal modo de pensar, a mentira também contribui para o bem-estar dos homens. Isto faz do saber objeto indigno de qualquer esforço sério, muito mais em se tratando de esforço difícil, prolongado e custoso. Deste modo, no túmulo de Cristo, está sepultado não só o melhor da esperança do mundo, mas também, o maior estímulo para as investigações da inteligência».
Não é possível aceitar teoria que, de tal maneira, põe em cheque a Esperança e boicota a Verdade. Não podemos abandonar aquelas figuras angélicas como a de Maria que, diante do túmulo vazio, e chorando nas primeiras horas da manhã, exclamaram : «Levaram nosso Senhor e não sabemos onde o puseram.» A voz da História as consola com autoridade e ternura, assegurando-lhes que o Senhor ressuscitou, e que apareceu a Simão, a Tiago e a todos os Apóstolos, e a Paulo e a mais de quinhentas pessoas reunidas, demonstrando que é poderoso para salvar, conforme o testemunho de grande multidão que ninguém pode contar, de toda nação, raça e língua.
Fora de qualquer dúvida, Deus apareceu entre os homens, em Jesus de Nazaré, que padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos; foi crucificado, morto e sepultado; ao terceiro dia ressuscitou dentre os mortos e subiu ao céu», deixando atrás de si, na face da terra, um monumento de glória. Sombrio, na verdade, seria este mundo, se Cristo não tivesse ressuscitado. Não só desaparecia toda luz, como, também, todo amor à luz diminuiria. Se o Primogênito do céu tivesse morrido para não mais viver, densas trevas envolveriam a terra, para nunca mais dissipar-se, e imensa onda de tristeza inundaria o mundo inteiro. Porém, ao ressurgir dentre os mortos, Cristo trouxe a vida e a imortalidade à luz, e a esperança e o gozo são realidades em toda parte
Capítulo VIII - Apareceu Deus entre os homens? Ressurgiu Jesus dentre os mortos? O testemunho dos evangelistas
«A este Jesus Deus ressuscitou, do que todos nos somos testemunhas”— Pedro
«Ao verem a intrepidez de Pedro e João, sabendo que eram homens iletrados e incultos, admiraram-se; e reconheceram que haviam eles estado com Jesus-» — Atos, 4:13
«Com grande poder os apóstolos davam o testemunho da ressurreição do Senhor Jesus, e em todos eles havia abundante graça”— Atos, 4:33
«Aquele que ante a evidência dos fatos se nega a crer na ressurreição de Cristo, não se convenceria nem que ele mesmo (o que se nega) fosse levantado dentre os mortos» — Dr. Robert South
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Nas páginas precedentes, não se levou em consideração o testemunho dos Evangelhos, e, para provar a veracidade da ressurreição de Cristo, baseamos toda a nossa argumentação nas indisputáveis Epístolas de São Paulo. Estabelecido assim — independentemente do testemunho dos Evangelhos — o fato de que Jesus ressuscitou dentre os mortos, fica excluída toda presunção contra a credibilidade do seu conteúdo (credibilidade argüida de suspeita por causa dos milagres que os Evangelhos registram), e, então, podemos considerar as narrativas de Mateus, Marcos, Lucas e João, como documentos históricos.
Em primeiro lugar, consideremos as evidências de sua legitimidade e autenticidade, do mesmo modo como consideraríamos a legitimidade e a autenticidade de Josefo ou de Tito Lívio, ou as obras de qualquer outro autor antigo ou moderno.
Como ponto de partida para a nossa argumentação, tomemos o ano 180 A. D., pois tanto crentes como profanos reconhecem o fato de que, nessa data, os Evangelhos — tal como existem hoje — eram universalmente aceitos em todas as Igrejas, como o único registro válido a respeito da vida terrena de Jesus. Naquela época, estes livros eram reverenciados como Escrituras Sagradas, e Mateus, Marcos, Lucas e João eram reconhecidos como seus autores. Se estes documentos são falsos, a fraude foi cometida na última parte do segundo século.
São João morreu por volta do ano 100 A.D. É evidente que, durante sua vida, nenhum Evangelho espúrio — contendo dados falsos a respeito da vida de Jesus, e pretendendo passar por obra sua ou de seus companheiros — mereceu aceitação geral. Surge então a pergunta: Considerando-se que no ano 180 A. D. os Evangelhos já eram universalmente aceitos pelas Igrejas, teriam aparecido, entre os anos 100 e 180, alguns Evangelhos espúrios?
Antes de aduzir testemunho pessoal em resposta a esta pergunta, é importante e oportuna uma observação geral. As obras literárias — no tempo em que todo livro era copiado à mão — se divulgavam com lentidão que, em nossa época de imprensa prodigiosa, não podemos conceber. A produção e a distribuição de exemplares de qualquer obra exigiam anos para alcançar a circulação de que gozavam os Evangelhos no ano 180 A.D. E só as obras de grande importância se propagavam naqueles dias.
Se concedermos vinte anos para que determinada obra alcançasse a circulação que merecia — e no caso dos Evangelhos este período seria relativamente curto —, o lapso de tempo durante o qual devem ter sido escritos os Evangelhos, se foram escritos por impostores, fica reduzido de oitenta a sessenta anos.
No entanto, há testemunhos positivos que provam, de maneira convincente, que os Evangelhos universalmente aceitos em 180 A. D., tinham sido reconhecidos desde os dias dos Apóstolos, e não eram outros senão os mesmos documentos que hoje conhecemos.
O testemunho de Irineu, bispo de Lião, é de grande valor. Este eclesiástico conhecera a Policarpo e este a São João e a outros discípulos que tinham visto ao Senhor. Discutindo com Florino, um dos seus primitivos amigos, e que incorrera em heresia — aceitando doutrinas contrárias aos ensinos dos «anciãos que também foram discípulos dos Apóstolos”— Irineu diz: «Lembro-me tão bem que posso até descrever o lugar em que Policarpo costumava sentar-se, quando pronunciava seus discursos; e suas entradas e saídas, sua maneira de viver, seu aspecto pessoal, suas conferências públicas, e o modo como descrevia suas relações de amizade com João e com outros que viram o Senhor, e o modo como referia às palavras do Apóstolo.»
Haveria a probabilidade ou a possibilidade de Irineu aceitar a legitimidade ou a autenticidade de Evangelhos espúrios, especialmente o Evangelho que se atribui a João — Evangelhos espúrios dos quais Policarpo nada sabia, motivo por que nunca reconheceu? Ter-se-ia enganado Policarpo a respeito de matéria de tanta relevância? E se não se enganou, ter-se-ia enganado o seu discípulo (Irineu), que conserva tão vivas recordações dele? Ouçamos o que Irineu diz sobre este assunto. Em sua grande obra intitulada «Contra as Heresias», na qual se refere ao Novo Testamento com muita frequência e com a mesma reverência de qualquer teólogo moderno da mais ortodoxa escola, com respeito aos quatro Evangelhos, ele diz: «É tão firme o terreno sobre o qual descansam, que até mesmo os hereges dão testemunho disto, e, partindo destes documentos, cada um deles trata de estabelecer a sua própria doutrina».
Na mesma passagem de onde extraímos esta referência, citam-se os quatro Evangelhos, que são designados pêlos nomes de Mateus, Marcos, Lucas e João, assegurando-se que só pode haver quatro Evangelhos. A razão fantástica que ele dá, em apoio do asserto que faz a respeito do número de Evangelhos, em nada enfraquece a força do seu testemunho em favor da existência de tais documentos; antes a robustece imensamente, porque quando algum fato é tomado como base em que se firma determinada teoria, o próprio fato, evidentemente, se coloca fora de qualquer disputa.
Além do mais. Clemente de Alexandria, que presidiu à grande escola crista estabelecida naquela cidade — de 190 a 203 — afirma que o que o levou a escrever sua «Stromata», foi o desejo de não esquecer em sua velhice as referências que, em sua juventude, ouviu dos lábios daqueles que receberam a tradição da sua fé diretamente dos Apóstolos Pedro, Tiago e Paulo. Em sua obra, ao referir-se a uma declaração tomada de um evangelho apócrifo, ele sustenta que ela não se encontra «nos quatro Evangelhos que nos foram transmitidos».
Do mesmo modo fala Tertuliano de Cartago, que viveu entre os anos de i^o a 220 da nossa Era. Em seu tratado «Contra Márcio», ele afirma que os quatro Evangelhos existiam desde o princípio, e que são coetâneos com as próprias Igrejas, referindo-se, particularmente, às Igrejas fundadas pêlos Apóstolos.
Consideremos agora o testemunho de Justino Mártir. Por causa de sua fé cristã, ele sofreu martírio no ano 166, depois de ter realizado estudos profundos em várias escolas de filosofia, e de ter-se convertido ao Cristianismo no ano 130. Em sua «Primeira Apologia», nos diz ele: «No dia chamado domingo, todos os que residem nas cidades ou nos campos, se reúnem em determinados lugares para ouvir a leitura das Memórias dos Apóstolos, ou dos escritos dos Profetas.”E, para explicar melhor o que significa o termo memórias, acrescenta: «Os Apóstolos, nas memórias que escreveram — e que se chamam Evangelhos—, nos transmitiram o que receberam.» Em outro lugar faz menção delas, referindo-as como Memórias escritas pêlos Apóstolos e seus adeptos. Em seus escritos há 196 referências alusivas a fatos narrados nos Evangelhos, já nos seus dias, mostrando claramente a fonte de onde derivaram os conhecimentos que possuía acerca dos tempos apostólicos, e a alta estima que devotava a tal fonte. O Diatessaron, de Taciano, discípulo de Justino, demonstra que as Memórias a que se refere o seu mestre, são os quatro Evangelhos. Taciano combina os Evangelhos numa só narração, compondo uma espécie de harmonia, que começa com a primeira passagem do Evangelho segundo São João, a respeito da qual surgiram tantas controvérsias.
Passando ao de leve por sobre a evidência da legitimidade que se pode inferir das citações que Policarpo e outros pais apostólicos fazem de tais documentos, e do uso que deles fizeram os mais notáveis hereges (como Márcio, por exemplo, na primeira metade do segundo século), consideremos o testemunho de Papias, bispo de Hierápolis, na Frigia, e que nasceu entre os anos 6o e 70 de nossa Era. Papias publicou uma obra intitulada Uma Exposição dos Oráculos do Senhor, no ano 133 A.D. Esta obra se perdeu, tendo sido vista pela última vez na Catedral de Nismes, em 1218. Porém, a julgar pelo conteúdo de certos fragmentos que Eusébio conservou dessa obra, pode-se concluir que Papias conhecia vários amigos íntimos dos primeiros Apóstolos; que conheceu duas filhas do Apóstolo Filipe; que tratou pessoalmente com dois discípulos diretos do senhor; que procurou aprender, de todas estas pessoas, tudo quanto sabiam a respeito do Salvador, e tudo quanto os Apóstolos tinham dito acerca de Cristo; e que em sua Exposição fez uso de tudo quanto lhe haviam dito. Segundo Eusébio, este antigo escritor sustenta que Marcos, «na qualidade de intérprete de Pedro, escreveu com toda a precisão quanto lhe foi possível recordar, sem contudo, registrar em ordem as palavras e os feitos de Cristo; porque 'Marcos não ouviu diretamente do Senhor, nem o acompanhou, porém, mais tarde, ajudou a Pedro, que adaptava os ensinos de Cristo às necessidades dos seus ouvintes, mas não tivera o propósito de registrar em ordem os oráculos ou os discursos do Senhor, Portanto, Marcos não cometeu erro ao narrar os acontecimentos tais quais os recordava, pois preocupou-se grandemente com não omitir cousa alguma que lhe tivesse chegado ao conhecimento, e, também, teve a preocupação de não anotar uma única observação falsa. A respeito do Evangelho segundo São Mateus, diz: «Mateus registrou os oráculos do Senhor em língua Hebraica, e cada qual os interpretava como podia».
Depois de tudo quanto fizeram os críticos para debilitar o testemunho de Papias, o seu depoimento continua sendo evidência inamovível, que estabelece, com toda a segurança, a existência destes Evangelhos nos primeiros anos do segundo século, relacionando-os com sua paternidade apostólica e colocando-os no mesmo nível dos oráculos divinos. «Oráculos”foi o nome que, desde o começo, deram aos Livros Sagrados. Para o Apóstolo Paulo, as antigas escrituras dos israelitas eram os «Oráculos de Deus.”Para Filo, o douto hebreu de Alexandria, as narrativas do Antigo Testamento, bem como as palavras de Jeová, eram «Oráculos.» Clemente de Roma também considerava as Escrituras Hebraicas como «Oráculos de Deus.”E, conferindo título igual às narrações de Mateus e Marcos, atribui-lhes a mesma dignidade, a mesma autoridade atribuídas aos livros do Antigo Testamento. Será possível que livros tão estimados e reverenciados por Papias e seus contemporâneos, até ao ano 13º da nossa Era, se perderam inteiramente, e que outros documentos de menor importância usurparam seus títulos e ocuparam o seu lugar nas Igrejas Cristãs, e tudo isto em menos de cinqüenta anos? Isto é inconcebível! Seria tão absurda esta idéia como crer que o Código de Napoleão substituiu a Constituição dos Estados Unidos, na mente do povo, no lapso de tempo transcorrido entre os períodos administrativos dos Presidentes Jackson e Garfield, sem chamar a atenção das mais altas autoridades constituídas, e sem despertar oposição alguma por parte da nação.
Pois bem, diante de todos estes testemunhos — as evidências que encontramos em Irineu, Clemente de Alexandria, Tertuliano, Justino Mártir, Taciano e Papias, e sem mencionar provas como as que se encontram nos escritos de Márcio e nos documentos que Briênio encontrou em Constantinopla em 1881, intitulado «Os Ensinos dos Doze Apóstolos», os quais nos fazem remontar ao ano 140, e, talvez, ao ano 120 de nossa Era —, sim, depois de todos estes testemunhos, poderemos duvidar, com base, que os Evangelhos (aceitos universalmente no ano 180, e, como tais, transmitidos até à nossa época) sejam genuínos e autênticos? Acaso não ficou provado, e fora de qualquer contestação, que as pessoas que chegaram a conhecer os Apóstolos, e os companheiros de trabalho destes varões, sustentam que os escritos apostólicos a respeito da vida de Jesus existiam no seu tempo, e desde os primórdios do Cristianismo? Ou deveríamos admitir que a Igreja Universal — incluindo Igrejas tão distantes umas das outras, como, por exemplo, as de Hierápolis, Cartago, Alexandria, Lyons, Corinto, Éfeso — permitiu que as obras originais dos Apóstolos perecessem, e que ela incorreu na falta imperdoável de copiar e divulgar evangelhos espúrios, como se fossem «Oráculos de Deus», de modo que no ano 180 já tivessem desaparecido completamente os Evangelhos autênticos? Que motivos teriam causado tal revolução entre os imediatos sucessores dos Apóstolos nos primeiros dias do segundo século? Que homens havia, então, capazes de executar obra de tal natureza? Como se explica que autores tão distintos, se os houve, tenham conseguido ocultar-se de tal maneira, que nenhum dos sábios das idades subseqüentes — inclusive os críticos microscópicos do racionalismo moderno — conseguiu descobri-los ou identificá-los? Como conseguiram eles realizar tamanha fraude — numa época em que não existia imprensa, e em que amanuenses copiaram número suficiente de exemplares do Evangelho para suprir às necessidades das Igrejas —, se era tão fácil descobrir o engano? Com muita propriedade afirma o Dr. Dale: «Não é possível que as obras (como os Evangelhos) que despertaram tal respeito e admiração entre os amigos dos que conheceram os Apóstolos — obras às quais atribuíam tanta autoridade e que consideravam como Sagradas Escrituras —, não é possível, diz ele, que elas tenham desaparecido completamente no período de uma só geração, e sem deixar vestígio algum, para serem substituídas imediatamente por outros livros, que herdaram seu nome e sua santidade; é impossível que as Igrejas Cristas, em toda parte, no mundo — em Roma, em Cartago, em Alexandria, em Jerusalém, na Ásia Menor, na Gália Meridional —, tenham consentido, com seu silêncio, em perder os antigos Evangelhos, recebendo os novos; é impossível crer que todas tenham aceitado os novos, como se fossem os antigos. Se despirmos a teoria de sua ingenuidade infinita, da erudição e do brilhantismo com que os homens têm revestido a sua exposição e ocultado sua verdadeira forma, ela deixará de ser discutível. Os milagres registrados nos Evangelhos, sim, é que merecem nosso crédito; porém, os milagres que pretendem impingir-nos, para que aceitemos a hipótese que apresentam, estes são inadmissíveis Pois, se o que dizem os inimigos da fé, é verdadeiro, então foram frustradas algumas das leis mais certas e comuns do pensamento humano, frustração que se estendeu através de muitos anos, exercendo sua influência sobre milhares de indivíduos que pertenciam a diversas raças e habitavam diversos países. Isto seria exigir muito da fé que se pede aos homens; as exigências da crítica moderna são mais exorbitantes do que as da fé antiga».
Além deste depoimento positivo da parte das testemunhas pessoais acerca da autenticidade dos quatro Evangelhos, estes livros contêm evidências internas — referências locais e pessoais, peculiaridades individuais e marcadas coincidências, circunstâncias que nenhum falsificador antigo ou moderno poderia fazer ocorrer nestas obras —, evidências que vêm confirmar a conclusão de que os Evangelhos, que tanta circulação tinham alcançado já no ano 180, são obras dos autores cujos nomes ostentam, e devem ser aceitos como registros fidedignos da vida de Jesus.
No entanto, mesmo que a data e a paternidade destes Evangelhos constituíssem motivo de dúvidas insolúveis e de incerteza indefinida, nem ainda isto justificaria a nossa desconfiança em relação à veracidade de suas declarações. Deles provêm todas as informações que temos a respeito de Jesus, personagem tão real, que nenhum escritor o poderia ter inventado. Nenhuma outra tradição acerca do Senhor foi aceita nem por amigos nem por inimigos do Cristianismo, no segundo século, e nenhuma outra foi admitida no transcurso das idades subseqüentes Que estes documentos sejam ou não obra de Mateus, Marcos, Lucas e João; que sejam ou não inspirados — quer os considerem como «Oráculos de Deus» ou como obras de homens — é inegável que eles são o testemunho de antiqüíssimos escritores a respeito da vida, das palavras e das obras de Jesus, o eminente judeu que apareceu na Palestina durante o reinado de Tibério, e cuja história logrou influir de maneira tão positiva em todas as idades subsecutivas.
A pergunta, que agora surge diante de nós, é esta: Disseram a verdade estes autores, quando afirmaram que depois da Sua crucificação sob Pôncio Pilatos e depois de Sua morte e sepultamento, Cristo ressurgiu dos mortos?
São dignos de fé, enquanto não se provar que tentaram enganar ou que eles mesmos foram vítimas de engano. Se pretenderam enganar, como se explica o tom de sinceridade e verdade que caracteriza.os Evangelhos? Prestam seu depoimento sem exaltação, e no estilo próprio de testemunhas verdadeiras. Não usam com frequência nem epítetos nem elogios. Procedem assim os homens, quando perpetram uma fraude, e fraude de tal magnitude?
Declarando-se participantes dos eventos que registram, eles mesmos fazem referência a pormenores que lhes são desfavoráveis. Mencionam, por exemplo, suas ambições mundanas, e suas rivalidades pecaminosas, e, com toda a fidelidade, anotam as repreensões que Jesus lhes fez; contam como foi que um dos seus negou ao Salvador e como, chegado o momento final, todos o abandonaram e fugiram. Pois bem, se estes escritos são dos Apóstolos, revelam eles aí honradez severa, totalmente incompatível com o engano intencional. Se, por outro lado, os Evangelhos são produções literárias que vieram à luz com pseudônimos de escritores que se serviram de nomes apostólicos, é necessário demonstrar por que foi que estes impostores escreveram livros que deveriam circular entre os partidários dos Apóstolos, livros dentro de cujas páginas referem incidentes desfavoráveis àqueles varões. Como poderiam recomendar obras de tal natureza entre as pessoas cujos defeitos nelas se expunham? Haveria algum impostor — especialmente entre aqueles que se mostraram capazes de escrever Evangelhos — que incorresse em tão grave incoerência?
Além do mais, os homens que proclamavam verdades como a da ressurreição — na época em que se publicaram os Evangelhos — dificilmente poderiam escapar à perseguição. O martírio era o premio mais freqüente com que galardoavam aos que testificavam de tais verdades. Haverá, no engano consciente, algo de natureza tão estupenda, que seja capaz de inspirar e sustentar o espírito para o martírio? Por que é que os homens dizem mentiras? Para sofrer penas ou para fugir delas? As mentiras se inventam para impor abnegação ou para assegurar vantagens?
Todo o conjunto de circunstâncias relacionadas com a ressurreição de Jesus, segundo a narrativa dos Evangelhos, exclui por completo a possibilidade de fraude ou de engano. Jesus morreu na época da Páscoa, a mais importante festa dos judeus, festa que atraía milhares de judeus a Jerusalém, cidade em que Ele foi julgado e executado. Seu julgamento e crucificação, por parte do governo civil, e por instigação do Sinédrio, tornaram-no objeto de interesse não só para todos os habitantes da cidade, mas, também, para os visitantes que lá se encontravam para participar da festa. O ministério de Cristo agitara sobremaneira toda a nação, e, não havia muito tempo, fizera Ele Sua entrada triunfal na cidade, sob as mais calorosas aclamações do povo. Para explicar a Sua ressurreição, seus inimigos anteciparam uma história, tomando todo gênero de precauções contra toda possibilidade de o povo vir a crer nela. Depois de sepultado, o túmulo foi lacrado com o selo proconsular, e, para vigiá-lo, foram designados alguns soldados. Assim sepultado e vigiado o corpo de Jesus, uma das três cousas deve ter ocorrido: i. O corpo permaneceu no sepulcro; i. O corpo foi roubado; 3. Jesus ressuscitou dentre os mortos.
Teriam os restos mortais de Jesus permanecido no sepulcro, até se converterem em pó? Se isto aconteceu, como se explica a existência da Igreja e da fé em Jerusalém onde, segundo se vê nas indisputáveis Epístolas de São Paulo, a Igreja e a fé começaram a existir logo depois da crucificação? Por que é que os inimigos da nova e perturbadora doutrina não apresentaram os restos de Jesus, pondo, com este procedimento, fim àquilo que consideravam superstição? Que é que levou os discípulos a se reunirem, depois de terem abandonado a Jesus e fugido dos soldados que o prenderam, e o conduziram do Getsêmani para a sala de audiências?
Teriam roubado o seu corpo? Como pode ter sido isto possível, no tempo da Páscoa, se a lua cheia comunicava às noites a claridade do dia, e a atenção de milhares de pessoas estava voltada para o túmulo, ao redor do qual velavam soldados romanos? E, se o roubaram, quem foi o ladrão? Seus inimigos? Então, por que não desmascararam os discípulos, quando proclamavam a ressurreição? Se eles tivessem consigo os restos de Jesus, havia mil motivos para que os exibissem naqueles dias, e nenhuma razão havia para que os conservassem ocultos. Se Jesus não ressuscitara, com toda certeza seus inimigos teriam revelado a fraude dos discípulos, exibindo o corpo sem vida de Jesus.
Tê-lo-iam roubado os discípulos? Como teriam conseguido ludibriar os guardas? Ter-se-iam eles valido do suborno? Eram pobres demais para isto. Teriam eles recorrido à força? Sua timidez não lhes permitiria usar deste recurso. Contudo, se se apossaram do corpo de Jesus mediante o suborno ou pela força, ou por ambos os meios, por que nunca foram acusados de tal ofensa e nem condenados por terem agido assim, pois, sem dúvida, isto teria acontecido, se eles fossem culpados de tais crimes.
Além de tudo isto, há o seguinte: Se os discípulos continuassem guardando consigo o corpo exânime de Jesus — corpo que se havia de decompor como outro qualquer — de onde teria surgido a fé que fazia vibrar seus corações? De onde teria provindo o valor que os animava? Como se explicaria o seu zelo? Qual teria sido a fonte do poder que exerceram sobre o povo, no meio do qual havia muitos interessados na crucificação do Salvador? Qual teria sido a fonte do poder que lhes permitiu estabelecer Igrejas em Jerusalém, Antioquia, Corinto, e nas cidades da Galácia e Macedônia, e, finalmente, na distante e florescente Roma? Será que uma fraude consciente conseguiria dar ânimo e vigor aos discípulos, a ponto de as suas aptidões naturais se converterem em poderes quase infinitos? Teria o engano poderes tão extraordinários? Quando foi que uma alucinação chegou a estimular a fé, a elevar a virtude e a conquistar o mundo?
Os fatos aqui referidos só admitem uma explicação: Jesus ressuscitou dentre os mortos. Seguindo as diversas linhas de investigação — quer as das Epístolas indisputáveis de São Paulo, quer as das simples narrações dos Evangelhos — chegaremos à mesma conclusão. Deve ser verdadeira, pois. Nenhuma outra poderá ser verídica. «O mundo está mudado e já não é como era; não voltou a ser o mesmo que era, quando Jesus o abandonou. O ambiente está impregnado de aroma celestial, e em suas brisas se percebe algo de outros mundos». «Não temos seguido fábulas engenhosamente inventadas» (II Pedro, 1:16). «Pois ele recebeu, da parte de Deus Pai, honra e glória» (II Pedro, 1:17). «E foi poderosamente demonstrado Filho de Deus, segundo o espírito de santidade, pela ressurreição dos mortos, a saber, Jesus Cristo, nosso Senhor» (Romanos, 1:4).
Capítulo IX - Apareceu Deus entre os homens? Testemunho da história a respeito da divindade de Jesus
«Havendo Deus, outrora, falado muitas vezes, e de muitas maneiras, aos pais, nos profetas, nestes últimos dias nos falou, em um que é seu Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as cousas, pelo qual também fez o universo» — Carta aos Hebreus
"As maiores provas da divindade de Cristo soo as profecias... Se um só homem houvesse escrito obra de predições a respeito de Jesus, relativas ao tempo e ao modo do seu advento, e se Jesus Cristo tivesse vindo de conformidade com tais profecias, este fato, em si, seria de valor infinito. Porém, aqui encontramos muito mais. Deparamo-nos com uma seqüência de indivíduos que, durante quatro mil anos, se sucedem constantemente e, sem variar,.fazem as mesmas previsões. Existe todo um povo que anuncia a sua vinda, e que subsiste há quarenta séculos, a fim de dar o seu testemunho da certeza que dele possuem, e das quais não podem prescindir nem mesmo em. meio as perseguições que sofrem» — Pascal
«A lembrança da vida de Jesus tem sido como o perfume do outro mundo, e sem Ele toda a Historia seria incompreensível”— Renan
«O reino do mundo se tornou de nosso Senhor e do seu Cristo, e ele reinará pêlos séculos dos séculos” — Apocalipse 11:15
 
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Um deus de última hora é posto em dúvida, um deus debilitado renuncia ao seu poder, um deus peregrino é soberano provisório, um deus local é administrador de província. O Deus verdadeiro não pode ser nada disto. Não é recente, mas é eterno. Não existe um passado em que o seu reino não tenha sido notado. Não é antiquado, mas é o eterno Eu Sou. Não existe presente onde se tenha verificado a sua ausência. Não é Deus peregrino (isto é, passageiro), porque o Seu domínio é eterno e perdurará para todo o sempre. Não haverá porvir que se possa furtar ao seu reinado. Não é Deus local, porque seu nome está sobre todo nome, e sua glória é mais alta do que os céus. Sua presença e seu poder inundam e inundarão sempre todos os recantos do universo. Quando se manifestar entre os homens, se isto acontecer, toda a História — presente, passada e futura — o considerará como Aquele cujos desígnios compreendem todas as idades, e cuja presença entre os homens confirmará tais intentos. Em sua manifestação, este Deus terá eficácia de extensão cósmica, pois, não fora assim, os homens haveriam de sentir a existência de dois deuses: um de providência, agindo num sentido; outro de revelação, obrando noutro sentido. Ou, então, perceberiam a existência de um deus de mente dupla. Existe tal eficácia cósmica no caso de Jesus? Acaso podemos perceber sua divindade na história do mundo?
Graças aos prodígios das matemáticas, os astrónomos — ao observar as perturbações dos corpos celestes visíveis — conseguiram determinar a existência de certos planetas, mesmo antes de eles aparecerem nos domínios da visão telescópica. Exploraram os céus e disseram: «Aqui deve existir um planeta», e, ao concentrar mais suas investigações, certificaram-se de que, de fato, em determinado tempo e lugar, tais planetas apareceram. Foi assim que, guiados pelas perturbações de Urano, Adams e Leverrier descobriram Netuno. Será possível, de igual maneira, ao estudante de História, fazer cálculos a respeito do aparecimento de Jesus? Terá havido, antes dele, perturbações que lhe prenunciaram o advento? Terá havido, ao tempo de Tibério, circunstâncias históricas que reclamavam a presença de Cristo? Será necessário toma-lo como ponto de partida para explicar, satisfatoriamente, as idades subseqüentes à sua vinda? Será Ele, como sustenta Luthardt, «o fim para o qual apontava toda a História antiga, e o ponto de partida de toda a História moderna?»
Se é assim, contamos com uma sublime testemunha, que proclama a divindade de Jesus, cujo depoimento ninguém poderá obscurecer nem negar. Daqui, uma nuvem de fogo, que simboliza a presença de Deus, guiará a nossa fé.
Certamente, se os quatro Evangelhos, como narrativas, merecem a nossa confiança, ou se, como profissão de fé, se aceitam as quatro Epístolas de São Paulo — cuja fidedignidade jamais foi posta em dúvida —, tudo quanto Jesus afirmou de si mesmo a respeito de Sua posição na História, e tudo quanto os Seus discípulos ensinaram a respeito dele, tudo está muito bem fundamentado.
Ao fazer a defesa de uma das curas que realizara, Jesus se expressou a respeito de Deus da seguinte maneira: «Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também» (João 5:17). Assim, associou-se Ele com um Deus ativo, que nunca cessou de operar, deixando manifesto que a sua própria obra era parte e continuação das atividades daquele divino Agente. Noutro lugar, Jesus disse: «Antes que Abraão existisse, eu sou”(João 8:58), afirmação que sugeriu aos Seus ouvintes não só o grande Eu Sou de Moisés, diante da sarça ardente, mas, também, revelou que Sua existência é anterior à do fundador nacional e à história daquele povo; revelou-se como o Deus das nações ao mesmo tempo que era Deus de Israel. De modo muito especial, Jesus ensinou que existia antes da História, da Literatura e da Religião da Nação Israelita, e que nele se cumpriram todas as esperanças daquele povo, e que Ele fora o tema de todas as profecias proclamadas: «Não penseis que vim revogar a lei ou os profetas: não vim para revogar, vim para cumprir”(Mateus 5:17). Em outro passo bíblico, o Senhor declara: «Examinais as Escrituras porque julgais ter nelas a vida eterna, e são elas que de mim testificam.»
Na História, Jesus aparece imediatamente após seu precursor — João Batista — cuja missão exclusiva é preparar o caminho e mostrar a íntima relação que existe entre Jesus e as profecias que, a seu respeito, tinham sido transmitidas de geração em geração. Conforme está escrito na profecia de Isaías: «Eis aí envio diante da tua face o meu mensageiro, o qual preparará o teu caminho; voz do que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas”(Marcos 1:2-3). Jesus, por sua vez, identifica o profeta no deserto com aqueles que, nas idades anteriores, profetizaram em Israel, e considera a João como o último elo da cadeia viva e ininterrupta, de acontecimentos e expressões sobrenaturais, a que Ele mesmo, Jesus, estava ligado. «Porque todos os profetas e a lei profetizaram até João» (Mateus 11:13). Jesus afirmou que João Batista era «profeta», e, ainda, «mais de que profeta.» O Batista, por seu turno, reconheceu a Jesus como o Cordeiro Pascal, que era o primeiro memorial do êxodo do Egito e a oferta por excelência nas devoções de Israel, dizendo: «Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo”(João 1:29).
Cristo não somente afirma que nele se cumpriram todas as antigas profecias de Israel, e que Ele é o Messias que satisfez às predições de João Batista — o primeiro entre os profetas do seu tempo —, mas, também, estendeu as Suas atribuições para o futuro, dizendo: «Passará o céu e a terra, porém as minhas palavras não passarão» (Mateus 24:35). Jesus ordena aos Seus discípulos que ensinem Suas palavras às nações, prometendo estar com eles até ao fim do mundo (Mateus 28:19-20). No começo do Seu ministério, bem como ao fim dos Seus labores, Jesus abriga a mesma confiança na durabilidade da Sua influência. No Sermão do Monte, Ele afirma que no juízo final a sorte das almas será determinada pela obediência ou desobediência «a estas minhas palavras» (Mateus 7:24), «palavras”cuja autoridade Ele coloca ao lado da vontade do «Pai que está nos céus.»
Seus discípulos sustentaram a mesma verdade sublime, de que nele se cumpriu o passado, e que Ele é Deus manifestado em carne no presente e a esperança do futuro No tocante à salvação proclamada, Pedro escreve o seguinte: «Foi a respeito desta salvação que os profetas indagaram e inquiriram, os quais profetizaram acerca da graça a vós outros destinada, investigando atentamente qual a ocasião ou quais as circunstâncias oportunas, indicadas pelo Espírito de Cristo, que neles estava, ao dar de antemão testemunho sobre os sofrimentos referentes a Cristo, e sobre as glórias que o seguiriam. A eles foi revelado que, não para si mesmos, mas para vós outros, ministraram as cousas que agora vos foram anunciadas por aqueles que, pelo Espírito Santo enviado do céu, vos pregaram o Evangelho, cousas essas que os anjos anelam perscrutar» (I Pedro 1:10-12).
Paulo o identifica com a promessa feita a Abraão (Gálatas 3:16) e faz da história de Abraão uma alegoria para confirmar a liberdade da fé mediante Jesus Cristo (Gaiatas 4:22-31). Ao formular o seu grandioso argumento a respeito da ressurreição de Jesus, Paulo apresenta verdade tão portentosa — não como um milagre solitário que não tem relação com o passado —, mas como fato total, dizendo: «E ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras» (I Coríntios 15:4). Ensina aos Romanos que a esperança do Evangelho fora prometida pêlos profetas nas Sagradas Escrituras (Romanos 1:2).
Da mesma sorte se expressam todos os escritores do Novo Testamento. Os primeiros mestres do Cristianismo não renunciaram sua herança no passado, nem sua fé em a nação hebréia.  Não repudiaram a herança e a f é como superstições antiquadas. A princípio pregaram nas Sinagogas e argumentavam com o povo, baseando-se nas premissas das Escrituras invencíveis. O autor dos Atos dos Apóstolos nos oferece um exemplo concreto: «Tendo passado por Anfípolis e Apolônia, chegaram a Tessalônica, onde havia uma sinagoga de judeus. Paulo, segundo o seu costume, foi procurá-los, e por três semanas dissertou entre eles, acerca das Escrituras, expondo e demonstrando ter sido necessário que o Cristo padecesse e ressurgisse dentre os mortos; e que este é o Cristo, Jesus, que eu vos anuncio”(Atos 17:1-3).
O cumprimento das profecias do passado é acontecimento admirável e peculiar ao Cristianismo. Neste particular, é a única religião que desafiou a atenção dos homens e exigiu aceitação por parte da humanidade. «O Islamismo surgiu num mundo aterrorizado e assombrado, sem que nenhuma voz ou nota de só o prenunciasse, o mesmo ocorrendo com o gládio funesto seu fundador. Em sua forma essencial, o Judaísmo foi dado a lei cinqüenta dias depois do Êxodo, e, antes que isto acontecesse, Israel não podia ser chamado nação. Para falar francamente, bem pouco sabemos da origem do Bramanismo e do budismo; no entanto, daquilo que nos foi transmitido a respeito itas religiões, não há vestígio algum de qualquer preparação que tenha sido feita como prenúncio do seu aparecimento»49.
Além do mais, estas religiões mostraram ser menos divinas, pelo fato de não terem sido capazes de salvar o mundo do abismo nem de resistir aos ataques do tempo. No corpo de todas as religiões se nota a mancha da lepra natural que, lenta, porém, certamente, vai-se apossando do seu organismo, e, de longe, ao perceber que se aproxima algum observador, clama: Impuro! Impuro! O espaço e o tempo roubaram-lhes as coroas das frontes, e a eternidade não as considera como suas. Fogem à luz da moderna civilização e se escondem nas trevas exteriores, inermes e sem esperanças; ao passo que o Cristianismo, proclamando ser o herdeiro das idades, firme e sereno diante da luz meridiana da história, põe em ação seus planos para efetuar a redenção do mundo, mediante as forças de um reino que, em muitas ocasiões, declarou ser eterno. Será possível demonstrar a propriedade de título tão admirável? Será o Jesus dos Evangelistas a Esperança de todas as Nações, o Messias dos Profetas Hebreus, o Cristo da História? Se Cristo não fosse tudo isto, mesmo que a verdade da Sua ressurreição ficasse plenamente estabelecida, e mesmo que as evidências do Seu poder se manifestassem diante de nós de maneira inequívoca, o Cristianismo não teria passado de fulgor deslumbrante, e só teria servido para confundir-nos e encher-nos de terror. Nesta fase da História, nem sequer nos seria possível enviar-lhe, como fez o Batista, mensageiros a lhe perguntar: «És tu o que havia de vir, ou esperamos outro?» É demasiado tarde para que venha outro. Se fosse o caso de vir outro, todas as circunstâncias atuais estariam contra ele, e seria quase impossível, ao que disputasse com despeito o direito de Jesus, exigir reconhecimento da parte da humanidade. «Seria mais fácil separar todos os raios de luz que iluminam o firmamento e isolar as cores que eles produzem, do que fazer desaparecer da humanidade a influência do caráter de Jesus». Se Jesus Cristo não é Deus, então Deus esperou muito para vir ao mundo, e sua vinda, nestes tempos, não produziria o efeito desejado. A humanidade atual o receberia com marcadas manifestações de indignação e indiferença, afirmando que «a esperança retardada fizera enfermar a alma», muito doente para curativos ou para o amor. Se Jesus não é Deus, então Deus perdeu a oportunidade de salvar os homens. Deus terá fraudado as esperanças do passado, as forças do presente lhe são adversas, e o futuro não lhe corresponde. Jesus, então, terá excluído o mundo, quando chegar à solução do problema final, e não será possível nem o ateísmo nem a fé nele, porque a História humana — se não gira em torno de Cristo — carecerá de centro e de finalidade, e se ressentirá da falta de órbita!
Será cristã ou ateia a História? Ter-se-ão os acontecimentos desenrolado, uns após outros, sem ordem nem fim determinado, ou obedecem, desde o princípio, no seu desenrolar, a um objetivo determinado, na direção de «um propósito divino» — a coroação de Jesus como Deus de tudo e de todos, bendito por toda a eternidade?
Examinemos os fatos concretos.
1. Antes e depois da vinda de Cristo, todas as nações creram na existência de Deus. A célebre expressão de Plutarco é aplicável a todos os povos e a todos os tempos: «Vereis cidades sem muralhas, sem leis, sem moeda e sem escrita; no entanto, ninguém viu povo sem Deus, sem oração, sem exercícios e sacrifícios religiosos.»
2. O esforço que o homem faz para se aproximar de Deus, mediante a oração e o sacrifício, é universal, e a esperança de que Deus se aproximará dos homens, através de uma encarnação, é comum a todas as nações. Observando-se detidamente esta verdade, chega-se a justificar a generalização de Luthardt: «Deus e o homem não podem permanecer separados um do outro, e entre eles não pode existir a indiferença; em obediência a uma necessidade intrínseca, lutam por aproximar-se um do outro, e sua existência se complementa; pois Deus será o Deus do homem, e o homem deverá ser o varão de Deus».
3. Tanto na História como na Sagrada Palavra está escrito com igual clareza, que a crença universal do homem é: «Sem derramamento de sangue não há remissão.”Tão profundamente arraigada é esta convicção, que chegou a dominar no homem a paixão pela propriedade, a ponto de o induzir a sacrificar centenas de aves e de outros animais sobre o altar de suas divindades. A passagem do homem pelo mundo poderia ser traçada através da história dos seus sacrifícios de sangue. Parece ter o homem crido que, para ser aceitável ao Deus invisível, lhe era necessário extrair, dos corpos vivos, a vida invisível, fazendo-a subir, aflita e triste, ao mundo espiritual, para que intercedesse por ele no reino da divindade. Sem ser levado pela ira nem pela crueldade, mas sob o impulso de indizível agonia, o homem, muitas vezes, descarregou o peso do seu braço sobre seres humanos — até mesmo sobre os filhos de suas entranhas e sobre os amigos de sua alma —, para que, sacrificados, subissem à divindade e, perante ela, intercedessem, implorando, com lamentações indescritíveis, misericórdia em favor dele. E não se diga que um sacrifício só bastava. Ao holocausto de um dia, seguiam-se os do dia seguinte. Por fim, os sacrifícios humanos chegaram a ser considerados inferiores às exigências do caso. Então, suspiraram os homens por um holocausto divino. Mackay afirma, que «a idéia de uma divindade sacrificada era muito generalizada, predominando no Oeste da Judéia, entre os acitianos, asiáticos e árabes.»
4. Houve um povo de cuja mente jamais se apartou a idéia de uma vítima divina. De tal modo esta idéia o dominava que, em muitas ocasiões, ela se expressou de forma nebulosa, porém, impossível de extinguir-se. Constituía o centro de seu sistema político (se assim podemos chamar ao seu regime de governo), e estava difundida em sua vida nacional. Imperava na sua literatura, e se acha expressa nos livros dos seus profetas. «Este povo solitário com seu Livro singular» parece ter existido para conservar esta idéia. Um dos filhos deste povo chamou esta idéia de «a esperança de Israel» (Atos 28:20). A esperança de um Messias que havia de vir, animava e sustentava a nação nos períodos de calamidades e nos momentos de maior adversidade. Em meio às suas depressões morais e ao seu abatimento político, os profetas de Israel consolavam e animavam a seus contemporâneos, com visões de um Libertador que havia de vir. No que respeita ao autor e à data de tais profecias, e esperança messiânica se encontra em todas elas — das quais existe uma tradução grega, a dos Setenta ou Septuaginta —, tradução que, bem antes de Jesus, já se achava nas mãos dos judeus. A visão que os profetas tinham do Messias, era a de um varão, «que, em pé sobre elevada colina, anuncia a aurora aos povos que habitam o vale sombrio. Em seu semblante, viam eles os fulgores da alvorada, e, ao redor dele, os resplendores deslumbrantes de um novo dia».
5. Antes do advento de Jesus, a esperança messiânica de Israel se propagou entre outros povos, e existia uma expectação geral de que, naqueles dias, apareceria na Judéia o Libertador por quem o mundo suspirava, e em quem, particularmente Israel, havia depositado sua esperança. Treze anos antes de Cristo, Suetônio reuniu uma coleção chamada de Sibilas (Predições), que circularam extensamente, e que prediziam o advento de um grande Rei na Judéia, o que, revestido de poder e glória, reinaria sobre todo o orbe. Esta esperança, fundada sobre o que Tácito chama os livros sacerdotais, prevalecia de tal modo que César Augusto, quando assumiu o cargo de Sumo Pontífice ou Sumo Sacerdote, expediu decreto, determinando se recolhessem todos estes livros, ocasião em que se reuniram dois mil exemplares deles, tendo sido, todos eles, reduzidos à cinza em lugar público».
6. Entre os judeus, especialmente, se acentuava o estado de expectação. Varões santos aguardavam a vinda do Consolador de Israel. Veja-se Lucas 24:21. Quando surgia algum mestre conspícuo, as classes governantes presumiam-se da necessidade de interrogá-lo, procurando saber se tal mestre era o Messias. Veja-se João 1:19-20. A atmosfera daqueles dias estava impregnada da esperança de que o Messias viria logo.
7. Apareceu, então, grande pregador, que comoveu tão profundamente o povo judeu, que jamais experimentara sensações semelhantes. Assegurava ele que não era o Messias esperado, e, com admirável modéstia, dizia a respeito de Jesus de Nazaré: «Convém que ele cresça e que eu diminua», e aconselhava a seus discípulos que o deixassem, e seguissem a Jesus. Veja-se João 3:25-36.
O que até aqui dissemos no que respeita à História antes de Cristo, é suficiente. Se Jesus Cristo não é Deus, para quem apontava a história pré-crista? Terá sido tudo aquilo apenas grande desvario, sem plano determinado? Não se trata de algo posterior ao advento de Cristo. A esperança Messiânica desapareceu completamente do mundo pagão. Ter-se-ia perdido, porventura, aquele raio de luz na densa obscuridade? Ou ter-se-ia ele perdido na alvorada? Todo sacrifico cruento cessou entre os judeus e entre os povos que receberam a influência do Cristianismo. Quem terá arrebatado o cutelo do sacrifício das mãos da humanidade, a fim de embainhá-lo para sempre? Israel atingira um período em que nova profecia Messiânica seria mais necessária do que nunca, se o Messias ainda não viera. Espalhados por toda a face da terra, sem templos e sem sacerdotes, os judeus constituem povo solitário, que peregrina e espera. Por que se calaram todas as vozes proféticas, quando hoje, mais do que nunca, elas se fazem necessárias?
Quão estranha e inexplicável se torna, na História, a presença de João Batista, o mais singular dos profetas, se Jesus não é o Messias que ele anunciou! Qual foi a descendência espiritual do Batista, e por que ele, o mais poderoso dos profetas, não conservou os discípulos que conquistou? A que espécie de escola pertence ele? Como devemos interpretar sua missão na História?
Se Jesus não é Deus, a História antiga se torna apenas o registro de um plano mutilado, que Deus quis realizar, e que acabou abandonando por considerá-lo impraticável, e isto depois de ter derramado o sangue de milhões de vítimas e de ter feito surgir na alma da humanidade a mais bela esperança, para, finalmente, causar-lhe a mais desalentadora decepção, faltando ao cumprimento de Suas Promessas.
Consideremos a História contemporânea de Jesus:
1. Na época em que ele apareceu entre os homens, verificamos que o povo a que Ele pertencia — e que fora preservado de modo singular através de quinze séculos — começava a desintegrar-se. Os filhos daquele povo, suas Escrituras e suas Sinagogas, se encontravam em todas as principais cidades do mundo. Por isso é que quando os Apóstolos percorriam o mundo, pregando o Evangelho, por onde quer que andassem, encontravam templos onde podiam prestar culto a Deus e assembleias de ouvintes dispostos a ouvir a nova mensagem.
2. As conquistas de Alexandre tinham disseminado e propagado a língua e a filosofia dos helenos. Assim, os representantes da fé universal encontraram as portas abertas para pregar a todas as nações, pois em toda parte os direitos dos cidadãos eram respeitados.
3. Aquela era época de paz universal.
Acaso, em todas estas evidências — coordenadas sem a participação dos propósitos humanos, e sem que os homens por cujo intermédio elas se concretizaram, as compreendessem — acaso, dizíamos, não vislumbramos nelas a preparação direta do advento do Messias, há tanto tempo esperado? Com que objetivo ocorrem elas em tempo determinado, quando poderiam ocorrer em séculos distantes uns dos outros? Levando-se em conta que a história humana esteve em estado de fermentação muitas vezes, a que conclusão conduz o fato de todos estes preparativos aparecerem dispostos em determinada época, clamando, com voz unânime, pelo advento de um Rei, e dizendo: «É já chegada a plenitude dos tempos?»
Agem mal os críticos, quando censuram a narrativa simples dos magos e a estrela de Belém. Aí se apresenta a conjunção dos fatos mais admiráveis do que todos os que já apareceram no firmamento. Ao redor do berço de Jesus, estão reunidas as figuras majestosas da fé hebréia, a língua grega, a filosofia helênica e a lei romana — elementos mais poderosos do que os magos do Oriente —, fatores ali congregados pela mão que criou os mundos.
E que diz a História moderna a respeito de tudo isto? Se a História antiga deu testemunho acerca de Jesus, e, em seus últimos instantes, pronunciou a frase: «Eis aqui o Cordeiro», a História moderna, com maior claridade, revela o poder e a divindade de Cristo. Os últimos e modernos triunfos do Cristianismo atingem, à plena luz, as raias do portentoso.
Não obstante toda preparação providencial que se verificou no mundo, antes da vinda de Jesus, com toda probabilidade Ele fracassaria, se não fosse Deus. Isto revela, quando consideramos a natureza do Evangelho, a oposição que desencadeou e os instrumentos de que se valeu para realizar suas conquistas.
Consideremos:
1. As verdades fundamentais do Evangelho que Jesus anunciou, eram ofensivas tanto à mente dos hebreus como ao modo de pensar dos pagãos. A doutrina de um Messias crucificado e ressurreto era, segundo São Paulo, «tropeço para o judeu e escândalo para o gentio.”A contenda com os judaizantes e com os gnósticos — a respeito da personalidade de Cristo como Deus-Homem, contenda que continuou no seio da Igreja até à época em que se realizou o Concílio de Calcedônia, e que ainda perdura em todas as formas do moderno Unitarianismo — demonstra quão inaceitável é, para a mente carnal, a idéia de um Salvador crucificado.
2. Os atributos éticos que Jesus exigia: humildade de espírito, pureza de coração, humildade e abnegação, não se enquadravam numa idade, que os historiadores mais característicos qualificaram de «corrompida e corrutora.»
3. A oposição da ambição política e do zelo eclesiástico se levantaram contra Ele. Na sua infância, Jesus foi saudado com a matança dos inocentes de Belém, e, então, foi seguido até ao seu túmulo, no horto de José de Arimatéia. De sua parte. Cristo advertiu aos seus discípulos de que eles também esperavam sorte semelhante. Para o desempenho de sua missão. Cristo os enviou como cordeiros no meio de lobos, com o objetivo de realizarem eles a obra sobre-humana de converter lobos em cordeiros. Os fatos vieram, posteriormente, confirmar suas predições. Estêvão e Tiago sofreram o martírio, mesmo antes de o Evangelho conseguir fundar uma única Igreja, fora dos domínios da Palestina. 
4. Do ponto de vista humano, os instrumentos que Jesus empregou, eram desprezíveis e inadequados. Homens ignorantes e analfabetos foram comissionados para realizar uma tarefa, que nem todos os filósofos da Grécia, apoiados pelas legiões de César, poderiam levar a cabo.
E tal foi o avanço que conseguiram em três séculos, que o Imperador Constantino se sentiu constrangido a prestar obediência àquela fé. Se Constantino agiu com sinceridade, sua adesão ao Cristianismo se nos apresenta como milagre; se agiu sem sinceridade, o Imperador procedeu assim, pressionado pela opinião pública, e, então, o milagre assume maiores proporções.
Os limites desta discussão não admitem análise nem quantitativa nem qualitativa dos triunfos de Jesus, alcançados através dos séculos. Tal investigação não caberia em considerável número de volumes. As obras que foram escritas sob a inspiração de sua vida, locupletam imensas bibliotecas. Os cânticos inspirados por seu Espírito inundam todo o orbe de melodia. A cruz hoje figura em toda a parte — a cruz que antes fora símbolo de ignomínia. O instrumento do suplício de Jesus aparece em todos os países do mundo, como símbolo eloqüente da fé que a tudo conquista. Até mesmo as datas seculares lhe tributam reverência. No frontispício da História Universal, lêem-se estas inscrições: «-Antes de Cristo» e «Depois de Cristo.”O mundo antigo dormiu na manjedoura de Jesus, e o mundo moderno despertou no sepulcro vazio de Jesus, no horto de José de Arimatéia.
Segundo as revelações da História, o testemunho de Napoleão o Grande — manifestado em conversa com o Conde Montolón na Ilha de Santa Helena — é uma conclusão justa a respeito da majestade e da divindade de Jesus. Diz-se que o Conquistador perguntou: «Pode V. dizer-me quem era Jesus?» E quando lhe foi dada resposta negativa, Napoleão acrescentou: «Pois bem, eu vos direi. Alexandre, César, Carlos Magno e eu fundamos grandes impérios. Sobre que descansavam estas criações do nosso gênio? Sobre a força. Só Jesus fundou o seu império sobre o amor, e hoje milhares de indivíduos estão dispostos a morrer por ele... Penso que compreendo alguma cousa da natureza humana, e na verdade vos digo todos eles foram homens, como eu também sou homem. Consegui infundir tal entusiasmo no ânimo das multidões, que elas, com prazer, teriam dado sua vida por mim; porém, para tanto, era necessário que eu estivesse presente, a fim de estimulá-las com o olhar, a palavra e a voz. Ao ver os homens e ao falar-lhes, acendia em suas almas a chama da veneração. Só Cristo conseguiu elevar a mente do homem até ao invisível, até torná-lo insensível às barreiras do tempo e do espaço. Da profundidade de dezoito séculos, Jesus Cristo faz um pedido que, sobre todos os outros, é difícil de satisfazer. Pede aquilo que o filósofo, às vezes, pede em vão a seus amigos, ou o pai a seus filhos, ou a recém-casada a seu esposo, ou o homem a seu irmão. Pede o coração humano, e o pede inteiro para si. Reclama-o incondicionalmente; e seu pedido logo é satisfeito. Isto é admirável. Desafiando o tempo e o espaço, a alma do homem — com todas as suas potências e faculdades — se liga ao império de Cristo. Todos os que, sinceramente, crêem nele, chegam a sentir na alma amor sobrenatural para com ele. Este fenômeno é inexplicável; sobrepuja às faculdades criadoras do homem. O tempo, esse grande demolidor, é impotente para extinguir esta chama sagrada; o tempo é incapaz de esgotar sua força ou de limitar sua extensão. Isto é o que mais fortemente me chama a atenção; meditei muitas vezes nestes fatos; é o que me demonstra, de maneira convincente, a divindade de Jesus Cristo.»
Esta conclusão é irresistível e inevitável. O Jesus dos Evangelhos é o Deus da providência. «Inclinamo-nos para o curso dos grandes acontecimentos da história humana, para tudo o que se compreende na história providencial do mundo — guerras, diplomacias, migrações, revoluções, descobrimentos e evoluções científicas —, e, imediatamente, nos deparamos com alguma correspondência admirável entre o Cristianismo e o curso providencial das cousas. O Cristianismo, na forma, são o reino e a obra naturais de Deus na terra. Começa com o advento sobrenatural da divindade e termina com sua saída sobrenatural; e o visitante divino, que assim entrou no mundo, e assim saiu dele, é, por sua personalidade, milagre divino; suas obras e suas doutrinas são portentosas, e toda obra considerada como movimento no mundo, e não do mundo, pressupõe grau novo e superior de administração, presidido por Deus mesmo».
O governo do mundo, evidentemente, está nas mãos de Jesus. Como Jean Paul Richter diz com tanta beleza: «Sendo ele o mais santo entre os poderosos e o mais poderoso entre os santos, com suas mãos feridas pêlos cravos da cruz, elevou impérios, mudou o curso dos séculos e ainda rege as idades.»
O Jesus dos Evangelhos é o Deus da História Universal.
Capítulo X - Aprovou Deus, durante sua permanência entre os homens, algum dos livros sagrados? Testemunho de Jesus acerca do Antigo Testamento
«Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, e soo elas que de mim testificam» — Jesus
«Permiti, então, que o Príncipe da Vida, a Luz do Mundo, nos considere a todos nós como Seus discípulos. Aceitemos tudo quanto Ele cria. Reverenciemos tudo quanto Ele reverenciava. Acheguemos os nossos corações enfermos a palavra a que Ele achegou o Seu coração de Salvador e todos os pensamentos de Sua humanidade santa.; submetamos a ela todos os pensamentos de nossa humanidade decaída”— Gaussen
«Não há a menor duvida de que os Apóstolos — e em regra geral os cristãos de seu tempo —, reconheciam as palavras das Escrituras como o verbo de Deus e não dos homens» — Reuss
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PASCAL disse que «Deus tem, para com a humanidade, a obrigação moral de não conduzi-la pêlos caminhos do erro.»
Já consideramos as evidências que comprovam a divindade de Jesus. Seu caráter divino e Sua ressurreição, fora de qualquer disputa, o colocam muito acima dos grupos em que se tem classificado a humanidade. A vida da Igreja, que começou a existir alguns meses depois da crucificação, e a persistência do Cristianismo — contrária a toda probabilidade e possibilidade humanas —, são milagres vivos que fazem crescer a nossa admiração, e que, sem levar em conta o testemunho pessoal dos Apóstolos, há muito tempo desaparecidos do cenário terreno, confirmam de maneira convincente a ressurreição de Jesus, afirmando, também, que Jesus é Deus de toda criatura. O testemunho da história desde o começo do mundo o apresenta como a majestosa Personalidade, que sempre dirigiu a marcha do gênero humano, e, por mais separada que a humanidade se achasse no tempo e no espaço, coordenou suas forças e fundiu-as em harmonioso conjunto, imprimindo-lhe finalidade moral, finalidade que a raça tem sentido através das idades.
É inadmissível que Personalidade como Jesus guie o homem pelo caminho do erro. No entanto, se as Escrituras hebréias não são a revelação que a humanidade pode seguir sem o perigo de incorrer em engano, Cristo guiou a Igreja, que foi fundada sobre a crença de que Ele é o Deus que triunfou contra os aguilhões da morte e escapou às cadeias do sepulcro. Se as Escrituras hebréias não são a revelação de Deus, Cristo conduziu ao erro os Apóstolos que fundaram a Igreja — erro que infundiu suspeitas no ânimo de alguns, e que, com o tempo, inevitavelmente, chegará a ser conhecido de todos, para vergonha da Igreja, para a queda do Cristianismo, e, talvez, para a extinção da fé na face da terra.
Quando Jesus andou entre os homens, nunca se demorou em verberar as falsas doutrinas a respeito da verdade religiosa, ainda quando tais doutrinas remontassem à mais imemorial antiguidade e presumissem ter a autoridade das cousas antigas. Não vacilou em corrigir as admoestações de Moisés, ainda que, para fazê-lo, desencadeasse a ira de seus contemporâneos que reverenciavam o grande Legislador. Em outra ocasião, em termos que puseram a descoberto a indignação que o fato lhe provocou na alma, referiu-se aos falsos guias do mundo, dizendo: «Todos quantos vieram antes de mim são ladrões e salteadores”(João 10:8). Vejam-se ainda: Mateus 5:21-48 e Marcos 10:2-9.
Mas Aquele que declarou ser o «caminho, a verdade e a vida» (João 14:6), e que, diante de Pilatos, como réu disse : «Eu para isso nasci, e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade”(João 18:37), este, que assim se expressou, deu às Escrituras hebréias — conhecidas pelo nome de Antigo Testamento —, aprovação constante e incondicional, durante o seu ministério terreno. No curso de sua doutrinação pública, «•Cita textos ou faz referências a passagens do Antigo Testamento, provavelmente, mais de quatrocentas vezes». Quando nos lembramos de que todas as suas expressões, perpetuadas nas Escrituras, com exceção da que se encontra em Atos 20:35, se acham registradas em quatro breves opúsculos chamados «Evangelhos», e o fato de as haver citado tantas vezes, infunde maior autoridade ao Antigo Testamento. E isto se torna mais significativo, quando se verifica que Ele não se referiu uma única vez sequer aos chamados livros apócrifos. E o admitir, com toda franqueza, que, em muitos casos, expressões textuais, como Jesus as cita, não se encontram registradas em nenhuma obra que se conheça, em nada enfraquece a autoridade que Cristo empresta ao Antigo Testamento. A liberdade característica da expressão oral e a aplicação de verdades a peculiaridades próprias de ocasiões especiais contribuem, em grande parte, para explicar o porquê destas variações verbais. «Pode-se admitir, segundo afirma escritor competente, que o texto das Escrituras hebréias que se usava nos dias do Salvador não era, em todo o sentido, o mesmo que hoje se usa. Sem dúvida, quando, em última análise, se reduzem as diferenças às suas legítimas proporções, a natureza delas não anula a verdade geral da impressão», ou seja, não anula  o fato de Jesus ter comprovado a autoridade do Antigo Testamento, como sendo os «Oráculos de Deus.»
A força do argumento se torna relevante, quando consideramos certas referências especiais: imediatamente depois de ter sido apresentado à nação hebréia, e de ter sido identificado por João Batista, Jesus se retirou para o deserto a fim de ser tentado. A tentação de Jesus é tão diferente daquelas provas que a mente humana está acostumada a conceber, que a realidade da sua experiência fica à margem de qualquer dúvida, garantida que está pela impossibilidade de qualquer homem ser capaz de inventar narrativas de fato semelhante, narrativas que jamais os Evangelistas poderiam ter inventado. E tendo Jesus passado sozinho por aquela experiência, na solidão do deserto, sem permitir que amigos ou parentes o acompanhassem, os pormenores que a ela se referem, devem ter sido transmitidos aos Evangelistas pelo próprio Cristo. Ali, só com as feras (Marcos 1:13), se nos diz que rebateu as sugestões malignas, apelando para as Escrituras, citando três vezes o livro de Deuteronômio, livro que, dizemos de passagem, foi um dos mais visados pêlos racionalistas que criticaram o Antigo Testamento.
Pouco depois da tentação, Jesus voltou a Nazaré, «onde fora criado; e, segundo o seu costume, entrou, num dia de sábado, na sinagoga, e se levantou para ler. E foi-lhe dado o livro do profeta Isaías, e, abrindo o livro, achou o lugar em que estava escrito: O Espírito do Senhor está sobre mim, porquanto me ungiu para levar boas novas aos pobres, enviou-me a curar os quebrantados de coração, a apregoar liberdade aos cativos, e dar vista aos cegos; a pôr em liberdade os oprimidos; a anunciar o ano aceitável do Senhor. E, cerrando o livro, e tornando-o a dar ao ministro, assentou-se; e os olhos de todos na sinagoga estavam fitos nele. Então começou a dizer-lhes: Hoje se cumpriu esta escritura em vossos ouvidos”(Lucas 4:16-21). No discurso que fez em seguida, referiu-se Ele à história e milagres de Elias e Eliseu, segundo a relação contida no Primeiro Livro dos Reis 17:9, e no Segundo Livro dos Reis 5:14. Tomando os textos daqueles profetas, Jesus fixa os fatos a seu modo, e, em relação à profecia que a seu respeito Isaías vaticinara (Isaías 61:1) — profecia em que a crítica encontrou maiores obstáculos —, deduz provas textuais daquelas passagens que foram objeto dos mais rudes ataques por parte dos modernos doutores. Ao abandonarem estes fatos, contra os quais revelaram todo o peso de sua aptidão como críticos, depois de esforços vãos, as referidas passagens se tornaram mais obscuras do que o eram antes do exame crítico a que foram submetidas.
O sermão feito na sinagoga de Nazaré foi causa de ofensa para muitos dos que o ouviram, pois «se encheram de ira. E, levantando-se, o expulsaram da cidade» (Lucas 4:28-29). Desde este dia, até onde sabemos, viveu em Cafarnaum, sempre que precisava fixar residência. Esta cidade se tornou o centro de suas expedições evangelizadoras na Palestina, e Mateus no-lo mostra sobre uma colina das cercanias, pregando o que se conhece hoje como o Sermão do Monte — discurso que tanto cristãos como incrédulos reconhecem ser o que de melhor a humanidade tem ouvido, e digno de figurar para sempre ao lado dos Dez Mandamentos, recebidos por Moisés no Sinai. Antes de avançar muito na dissertação que se propunha fazer, sentiu a necessidade de repudiar ensinos antigos, ou, pelo menos, de corrigi-los. Mas, para que nenhum dos seus ouvintes se pusesse a imaginar que o Mestre, naquele sermão, se afastava das Santas Escrituras, como exórdio à mensagem que ia transmitir, usou Ele estas palavras: «Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas: não vim ab-rogar, mas cumprir. Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, nem um jota ou um til se omitirá da lei, sem que tudo seja cumprido» (Mateus 5:17-18).
A força destas palavras se nota na expressão: «em verdade», expressão que Jesus só usava, quando queria dar ênfase a alguma verdade importantíssima, como, por exemplo, quando ensina a Nicodemos a importância do novo nascimento. É digno de nota também o fato de que quando se aproximava o fim do seu ministério, o Senhor emprega a mesma forma de expressão, predizendo a duração eterna de suas próprias palavras: «O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não hão de passar.»
Em controvérsia pública com os seus antagonistas, quando era necessário falar com maior precaução e apelar mais diretamente para o conhecimento que possuía, Jesus citou o Antigo Testamento, como quem se refere a critério indisputável de verdade. Desejando negar a doutrina da ressurreição, os Saduceus se aproximaram de Jesus e lhe apresentaram o caso de certa mulher que fora esposa de sete irmãos, sucessivamente. Quando ela morrer — perguntaram-lhe os Saduceus —, na ressurreição, de qual deles será ela esposa? Jesus rebateu as inferências que eles já conheciam, afirmando-lhes: «-Errais, ignorando as Escrituras e o poder de Deus.”Baseando o seu argumento em palavra contida numa passagem histórica do livro de Êxodo, Jesus desarma seus adversários perguntando-lhes: «E, acerca da ressurreição dos mortos, não tendes lido o que Deus vos declarou, dizendo: Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó? Ora, Deus não é Deus de mortos, mas de vivos”(Mateus 22:31-32). O Evangelista não diz que os Saduceus duvidaram da competência da autoridade que Jesus invocara, mas acrescenta: «E, as turbas, ouvindo isto, ficaram maravilhadas da sua doutrina (Mateus 22:33).
Temos aqui um caso, portanto, em que Jesus afirma, solenemente, que Deus tem falado aos homens, não obstante ter dirigido a palavra em primeiro lugar a Moisés (compare-se Marcos 12, com as narrativas segundo Mateus e Lucas), palavra transmitida aos Saduceus mediante as Escrituras — ainda que houve riscos na preservação fiel das cópias, através dos séculos —, e, reconhecendo a autoridade destas Escrituras, Jesus pergunta aos Saduceus: «E... não tendes lido o que Deus vos declarou?”(Mateus 22:31).
Certa vez, «aproximou-se dele um dos escribas que os tinha ouvido disputar, e sabendo que lhes tinha respondido bem, perguntou-lhe: Qual é o primeiro de todos os mandamentos? (Marcos 12:18). Jesus responde à pergunta, citando Deuteronômio 6:4-5, onde se diz: «Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás pois o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu poder.» Acrescenta, ainda, uma citação de Levítico 19:18: «Amarás o teu próximo como a ti mesmo.»
Mateus diz que Jesus, dirigindo-se aos Fariseus, perguntou-lhes: Que pensais vós do Cristo? De quem é Filho? Eles disseram-lhe: De Davi. Disse-lhe ele: Como, pois, Davi, pelo Espírito, lhe chama Senhor, dizendo: Disse o Senhor ao meu Senhor: assenta-te à minha direita até que eu ponha os teus inimigos por escabelo de teus pés? Se Davi, pois, lhe chama Senhor, como é seu Filho?» E, arrematando o incidente, o Evangelista declara: «E ninguém podia responder-lhe palavra; e desde aquele dia, ninguém mais ousou interrogá-lo» (Mateus 22:41-46).
Comentando esta observação do Evangelista, o Dr. Gaussen, de Genebra, com toda energia, exige uma explicação: «Como devemos interpretar a atitude daqueles Fariseus, entre os quais não houve um sequer que ousasse responder a Jesus? Estaria Jesus insistindo sobre um só vocábulo, tomado de uma poesia eminentemente lírica, na qual o rei-poeta, sem graves conseqüências, bem poderia ter empregado construção exagerada e expressões não muito meditadas do ponto de vista teológico? Seria sensato interpretar minuciosamente cada expressão (como o fez Jesus), pecando por fanatismo ou prendendo-se servilmente à letra? Seria sensato exaltar a tal extremo a letra da Escritura? Seria demonstração de bom senso construir toda uma doutrina sobre uma só palavra?» Expressando-se, com melhor juízo, a respeito do uso que Jesus fez do Salmo no, o Bispo Eilicott afirma: «O que se pode inferir desta passagem, em particular, é o seguinte: Primeiro, que o Salmo foi escrito por Davi, e que, portanto, esta expressão sobrescrita é correta. Segundo, que Davi compôs o referido Salmo, impulsionado pela inspiração direta do Espírito Santo. Terceiro, que sendo tão clara a referência que o Salmo faz ao Messias, podemos concluir que Davi estava falando dele conscientemente».
O silêncio a que Jesus obrigou seus adversários — pois nenhum, «desde aquele dia ousou mais interrogá-lo» — é prova concludente de que a divina autoridade das Escrituras Hebréias era universalmente reconhecida, quando Jesus pregava na Palestina, e que, longe de manifestar qualquer desacordo com este modo de considerar a Revelação de Deus, o Senhor apelava para elas, confirmando sua autoridade. O triunfo completo deste método empregado pelo Senhor, vitória a que se referem Mateus e Lucas — empregando este último palavras tão expressivas como «ninguém mais ousou interrogá-lo» —, reveste-se da mais profunda significação. Não seria oportuno perguntarmos se aquilo que foi, então, o fim da controvérsia, não deveria ser hoje também?
Deixando de lado numerosos outros exemplos semelhantes, em que Cristo confirmou, de igual modo, a autoridade do Antigo Testamento, concluiremos o estudo desta parte de nossas investigações, lembrando dois incidentes que ocorreram no período de quarenta dias, transcorridos entre a ressurreição e a ascensão do Senhor. Este período parece ter sido empregado por Jesus na tarefa de confirmar a fé de seus discípulos, com «muitas e infalíveis provas» (Atos 1:3), referentes à sua ressurreição, e, também, com o propósito de dar mandamentos a respeito da propagação do seu Evangelho e do estabelecimento de sua Igreja no mundo, «aos apóstolos que escolhera.» 
Em um destes dias — o terceiro depois da crucificação e o primeiro depois da ressurreição —, dois de seus discípulos percorriam o caminho que conduzia à vila de Emaús, a qual distava de Jerusalém «cerca de sessenta estádios.”Caminhavam «tristes» e perplexos, conversando e interrogando-se mutuamente a respeito dos estranhos acontecimentos do dia, quando «Jesus se aproximou, e ia com eles; mas os olhos deles estavam como que fechados, para que o não conhecessem.» Perguntando-lhes por que estavam tristes, conseguiu deles o relato de como «Jesus Nazareno, que foi varão profeta, poderoso em obras e palavras diante de Deus e de todo o povo», fora condenado à morte e crucificado, não obstante terem eles alimentado a esperança de que este Jesus era o Messias destinado a redimir sua nação. Falaram-lhe também da ressurreição, a que se referiram algumas mulheres do seu círculo, da visão dos anjos e disseram-lhe, também, da informação que receberam de alguns varões que, tendo ido ao sepulcro, encontraram-no vazio, mas, eles mesmos, não tinham visto ainda o Salvador redivivo. «Então lhes disse (o Senhor): Ó néscios, e tardos de coração para crer tudo o que os profetas disseram! Porventura não convinha que o Cristo padecesse estas cousas e entrasse na sua glória? E, começando por Moisés, e por todos os profetas, explicava-lhes o que dele se achava em todas as Escrituras» (Lucas 24:13-27).
Mais tarde, em outra ocasião, quando participava de frugal refeição com alguns dos seus discípulos — os quais, segundo afirmou, deviam ser-lhe testemunhas entre todas as nações, começando por Jerusalém — disse-lhes: «São estas as palavras que vos disse, estando ainda convosco: Que convinha que se cumprisse tudo o que de mim estava escrito na lei de Moisés, e nos profetas, e nos Salmos. Então lhes abriu o entendimento para compreenderem as Escrituras» (Lucas 24:44-45). Observe-se que, com minúcia de descrição, Jesus identifica e aprova o Cânon Hebreu: «Moisés», «Os Profetas» e «Os Salmos», tudo se acha aí compreendido.
Será possível admitir que Jesus, senão cresse no Antigo Testamento como a Revelação de Deus, faria, intencionalmente, cair em erro seus discípulos, seus adversários e todos quantos o ouviram? Se ainda há lugar para dúvidas, vejamos se é possível encontrar aquilo que, sobre o assunto, criam e ensinavam, subseqüentemente, os mais sábios entre eles. Ficará, então, claro para nós que Jesus não os enganou, mas revelou a sua condição de vítimas, vítimas, durante a vida, do engano popular do seu tempo, a respeito da autoridade das Escrituras.
O Pregador de Pentecostes — Simão, filho de Jonas, cuja nobre confissão, feita semanas antes da crucificação, em Cesaréia de Felipe, merecera caloroso elogio da parte de Jesus — naquele dia memorável em que três mi) almas, na cidade de Jerusalém, abandonaram repentinamente o Judaísmo para abraçar o Cristianismo, citou, com toda aprovação, no curso de sua prédica admirável, da profecia de Joel, duas vezes dos Salmos de Davi, além de fazer certas alusões às profecias de Isaías, Ezequiel e Zacarias (Atos 2:16). É digno de nota que um dos Salmos citados é o mesmo de que Jesus se serviu para pôr fim à controvérsia em que o envolveram os Fariseus. Evidentemente, Pedro aprendera com o Mestre a correia interpretação do Salmo 110.
Pouco tempo depois, dirigindo-se a um grupo de pessoas que se tinham reunido no pórtico do templo chamado de Salomão — e a propósito de uma cura que ele e João tinham realizado — Pedro afirmou que os fatos relativos à crucificação de Jesus eram «daqueles que Deus havia anunciado pela boca de todos os seus profetas; que o Cristo havia de padecer”(Atos 3:18). No mesmo discurso citou de Deuteronômio uma predição do Messias, e acrescentou: «E todos os profetas, a começar com Samuel, assim como todos quantos depois falaram, também anunciaram estes dias» (Atos 3:24). Há neste texto uma afirmação que inclui tudo: todos quantos depois falaram, também anunciaram estes dias. A citação de Samuel nesta parte do discurso de Pedro, dir-se-ia, parece ter, como objetivo principal, a função de responder aos críticos demolidores, da mesma sorte que o aparecimento do profeta na gruta de Endor contundiu a Saul, de quem Deus «se tinha afastado*, e que, quando Samuel lhe dirigiu a palavra, *De súbito caiu estendido por terra, e foi tomado de grande medo por causa das palavras de Samuel; e faltavam-lhe as forças porque não comera pão todo aquele dia e toda aquela noite”(I Samuel 28:20).
Estêvão, o protomártir, na defesa que fez diante dos que o lapidaram até matá-lo, rememora, com grande confiança — e sem que os seus acusadores o contraditassem — toda a História Israelita, conforme se acha registrada no Antigo Testamento, e afirma que a História da Nação Hebréia era farta em episódios que revelavam desobediência a seus profetas inspirados, fatos que Estêvão reprova, qualificando-os de resistência ao Espírito Santo (Atos 7:51). Sem capacidade de fazer frente ao testemunho das Escrituras, citadas por Estêvão, e impotentes para fazê-lo calar «com força de argumento, recorreram ao argumento da força», arrastando-o para fora da cidade e apedrejando-o até que morresse. E Saulo de Tarso, homem poderoso nas Escrituras, presenciou a lapidação de Estêvão e consentiu na sua morte.
Este mesmo Saulo converteu-se mais tarde, e chegou a ser um apóstolo «em nada interior aos mais eminentes”(II Coríntios 11:55). O ter mudado de posição na tremenda luta que surgiu na Palestina, por causa da ressurreição de Jesus, logo depois da crucificação, custou muito caro a Paulo. Ele mesmo afirmou que muito lhe custara a perda de tudo. No entanto, ao passar do Judaísmo para o Cristianismo, havia uma cousa que nunca lhe passara pela cabeça abandonar — As Escrituras Hebraicas! Pelo contrário, apegou-se ainda mais a elas, e com maior tenacidade e ternura do que o fizera antes. Preso em Roma, sem esperança de tornar a conquistar a liberdade, acorrentado, e unido a Cristo com maior firmeza (Atos 28:20), o coração de Paulo se inclinava anelante para os preciosos pergaminhos, que deixara em poder de seu amigo Carpo, em Trôade, quando fora preso pela segunda vez. Deseja passar os dias intermináveis e as longas vigílias de sua prisão, lendo aqueles escritos, e, por isso, rogava a Timóteo que lhos levasse. A Carta de Paulo lembra a epístola cheia de ternura que”William Tyndale — mártir também — escreveu dos úmidos e sombrios calabouços de Vilvoorde. Este grande entre os grandes tradutores da Bíblia, diante do inverno que ia começar, escreve a um amigo, suplicando-lhe que interceda junto ao comissário, no sentido de que este lhe envie «um gorro de lã», «uma capa mais quente», «uma camisa de flanela”e «umas tiras para remendar suas botas”e acrescenta: «Porém, sobretudo, rogo e imploro que intercedas junto ao comissário, para que possa dedicar meu tempo ao estudo dessas obras». Este nobre mártir — que esperava a hora de sua ascensão (que ocorreu em Antuérpia) —, não estudou com maior devoção a Bíblia hebraica, nas celas frias de Vilvoorde, do que Paulo as Escrituras do Antigo Testamento, enquanto, num calabouço romano, esperava ir ao encontro do Senhor para receber sua coroa. Escrevendo a Timóteo, e tendo a mão presa em anel de ferro, Paulo exorta a seu querido filho no Evangelho : «Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste, e de que foste inteirado, sabendo de quem o aprendeste. E que desde a infância sabes as sagradas letras que podem tornar-te sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus. Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra» (II Timóteo 3:14-16).
Evidentemente, a reverência que os judeus antigos devotavam às Escrituras hebraicas, não era maior do que a que lhes devotavam os apóstolos de Jesus e a Igreja Primitiva. E se se apegaram tanto a fracos elementos de um Judaísmo obstinado, incorrendo em grandes erros, poderiam, com justiça, alegar em seu favor, que seu Mestre dispensara grande deferência ao Antigo Testamento.
Há ainda outra prova que vem demonstrar não estarmos enganados a respeito da atitude de Jesus para com os livros sagrados dos judeus: prova tão notável quanto peculiar! Referimo-nos ao testemunho de alguns dos modernos críticos, chamados por alguns «críticos da alta escola.”Em seus escritos, revelam eles que suas teorias estão em conflito com os ensinos de Jesus, e, para fugir ao impasse delicado, adotam uma posição não só grosseira como também blasfema. Defendendo posição que está em franco antagonismo com as palavras de Jesus, põem em dúvida a autoridade do Senhor, alegando o que alguém chamou a «falibilidade intelectual”do Mestre, como parte da limitação de sua humanidade, limitação conhecida tecnicamente como sua Kenosis. Os soldados romanos resistiram ao desejo de rasgar a túnica inconsútil de Jesus; no entanto, estes analistas da encarnação, para satisfazer às exigências de uma hipótese insustentável, separam as naturezas divina e humana de Cristo, a fim de que sua divindade possa escapar às responsabilidades de sua humanidade, e nisto fazem eco com a opinião popular daqueles tempos de superstição, em vez de afirmarem a imutável verdade do Deus eterno. Imaginam uma teoria de humilhação Messiânica, e impõem a Jesus limitação de conhecimento, sem restrição de expressão; sua nesciência é mais profunda do que o silêncio. É evidente que, procedendo deste modo, o resultado não é um Deus-homem, mas um homem falso. Uma Kenosis que anula o intelecto a ponto de torná-lo inferior ao nível de capacidade que se exige, para saber se as Escrituras hebréias são Uma revelação de Deus, porém, que deixa em liberdade as faculdades da palavra, para declará-las, inequivocamente, como tal revelação, não é a Kenosis do Evangelho nem a de Paulo. Ao contrário, apresenta-nos um centauro teológico, recebido com dor e monstruosamente dado à luz por uma crítica apurada, mas não nos apresenta o Menino de Belém, nascido da virgem Maria.
E, sem dúvida, tal é a divindade à qual nossos magos racionalistas oferecem seus tesouros, sua mirra e seu incenso. Kuenen afirma: «Mesmo com respeito ao Mestre reverenciado, é necessário sustentar o direito da crítica». O Dr. Crawford Howell Toy diz: «Como homem, Jesus, necessariamente, possuía meios e visões intelectuais definidos e limitados, e (tais meios e visões) só podiam ser próprios de sua época e de sua geração. Como Mestre de verdades espirituais, enviado por Deus e possuído de Deus, é universal; como lógico e crítico, pertence ao seu tempo.» Rothe sustenta: «O Redentor nunca pretendeu ser guia infalível, nem sequer (pretendeu ser) mediante regra geral precisa, do Antigo Testamento. Tanto é verdade que Jesus não pode ter tido esta pretensão, que o interpretar é função essencialmente cientifica, e, para sua existência, depende de meios científicos que, no que se refere ao Antigo Testamento, não estavam perfeitamente à disposição de Jesus, nem à disposição de seus contemporâneos.”Do mesmo teor são as referências que o Cónego Gore faz sobre a inspiração, no bem conhecido livro intitulado Lux Mundi.
Estes novidadeiros passaram da análise das Escrituras para a do Messias das Escrituras. Negando a presciência da inspiração divina nos profetas hebreus, chegaram até a exigir o direito de vivissectar a encarnação, e de determinar, com pormenores, as funções, em separado, da união hipostática. Exorbitaram dos domínios de sua própria faculdade de criticar, delimitando a esfera de conhecimentos do Mestre. Convidam-nos a que, com eles, adoremos o Messias que inventaram: espécie de gémeos siameses. De um lado, a pessoa divina do ser dual, muda como a Esfinge; de outro, a pessoa humana do mesmo ser, loquaz e abundante em equívocos, como o ambíguo Oráculo de Delfos. Asseguram que este produto que eles mesmos manufaturaram, é o Deus-Homem dos Evangelistas, e que, durante sua permanência na terra, sabia o que era, mas ignorava o que dizia. Para tirar Moisés e os profetas do monte da inspiração, se mostram mais insensatos do que o imprudente discípulo (Pedro), que tentara deter o Legislador e o profeta Elias no Monte da Transfiguração.
De todas as vãs pretensões e vazias especulações, fogem o bom sentido e a fé, para buscar a palavra profunda de Jesus e de sua oração intercessora, em favor dos seus primitivos discípulos e de sua futura Igreja, na noite anterior à sua crucificação: «Agora eles reconhecem que todas as cousas que me tens dado, provêm de ti; porque eu lhes tenho transmitido as palavras que me deste e eles as receberam e verdadeiramente conheceram que saí de ti, e creram que tu me enviaste.”Podemos nós, porventura, limitar o sentido destas palavras de Jesus, quando o Mestre assegura que as palavras que transmitiu aos seus discípulos são as que recebeu do Pai? Podemos excluir destas palavras tudo quanto o Senhor disse a respeito do Antigo Testamento? Compreenderão, tais palavras, somente aquilo que Jesus ensinou aos seus discípulos a respeito de sua autoridade? Será legítimo limitar assim a instrução que deu aos seus discípulos antes de sua Ascenção, quando estavam na iminência de iniciar sua obra de testemunhas, entre todas as nações? É legítimo pensar assim, quando Jesus, para preparar os seus discípulos para o desempenho de sua grandiosa missão, «abriu-lhes o entendimento, a fim de que pudessem entender as Escrituras?”Estaria, acaso, obnubilada a mente de Jesus, enquanto ilustrava e libertava a dos discípulos? Se fosse assim, a estatura do Senhor se reduziria tanto, que chegaria não só a ser inferior à do Filho de Deus, mas, também, se tornaria inferior à dos homens inspirados. A lógica deste tipo de especulação, desde os primeiros passos, torna o Deus-Homem inferior a um homem inspirado; a seguir, coloca-o em terreno mais inferior ao do homem inspirado, confundindo-o com os homens comuns; e, finalmente, acabará por declará-lo homem indigno de crédito, fazendo-o aparecer como impostor! A conclusão a que se chegará, por este caminho, é a de que a luz mais pura que brilhou sobre os homens, não foi outra cousa senão trevas!
Que resta, então?
Extingue-se a luz das Escrituras Hebréias, e Jesus, a luz do mundo, desaparece! Nem os próprios críticos poderiam suportar tal obscuridade, pois logo faltariam universidades que os apoiassem, bibliotecas em que pudessem fazer suas investigações, manuscritos que pudessem comparar, ouvintes e leitores que pudessem apreciar os resultados dos seus estudos. Se pontificar a crença de que as Escrituras Hebréias carecem de autoridade e de que Jesus é Mestre digno de confiança limitada; se se generalizar a desconfiança dos homens nestas grandes fontes de verdade, fontes de onde derivaram sua inspiração os cérebros mais nobres e as mais elevadas civilizações, poucos, na verdade, serão aqueles que, em alguma cousa, terão estímulo para a investigação da verdade. Com grande eloqüência se disse: «A religião não abandonará sozinha a este mundo. Quando decretardes a morte da religião, preparai também, lágrimas para muitos outros objetos de carinho (que hão de ir com ela). A arte, a literatura, a cultura e a religião concertaram morrer e ser sepultadas do mesmo modo como viveram: Intimamente entrelaçadas!»
Jesus, que veio para dar testemunho da verdade, é testemunho verdadeiro. Não foi nem estava enganado, e nem conduziu seus discípulos e a humanidade pêlos caminhos do erro. As Escrituras do Antigo Testamento são os «Oráculos de Deus» (Romanos 3:2). O povo hebreu, que as recebeu, gozou de privilégios especiais. No entanto, muito maior é o privilégio da república cristã, a Igreja de Deus, que as herdou juntamente com as bênçãos d'Aquele que, cumprindo-as, abriu o entendimento de seus discípulos, para que possam contemplar as maravilhas que há nas páginas sagradas.
Jesus autentica as Escrituras, e, tendo-as interpretado como o fez, imprimiu-lhes autoridade que, sem Ele, jamais alcançariam. Cristo é mais elevado do que o mais elevado dos críticos, e possui maior verdade do que o mais verdadeiro. Ele é o Christus Auctor! A terra e o céu passarão, porém nem um til passará do Antigo Testamento, sem que tudo seja devidamente cumprido.
Capítulo XI - Quando Deus viveu entre os homens, proporcionou ele material para livros sagrados, além dos do antigo testamento? Que autoridade comunicou Jesus ao Novo Testamento?
«Estes (fatos), porém, foram registrados para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome» — São João
«O Novo Testamento esta latente no Antigo, e o Antigo 7'estamento esta patente no Novo»  — Santo Agostinho
«O problema que há a respeito do valor que se deve atribuir a coleção de livros contidos no Cânon, é e continuara sendo problema de caráter puramente histórico; a Igreja, por cujo instrumento (o Cânon) chegou até nos, existe, não como autoridade infalível, mas como venerável testemunha da verdade”— Van Oosterzee
«O princípio pelo qual se determina o Cânon do Novo Testamento, é igualmente simples. Aqueles livros — e somente aqueles — que, segundo provas irrefutáveis, foram escritos pêlos Apóstolos ou foram sancionados por eles, é que devem ser reconhecidos como autoridade divina»  — Dr. Charles Hodge
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Como personagem histórico, Jesus apareceu numa época compreendida entre os Livros Sagrados dos judeus e os livros adicionais reconhecidos como sagrados pela Igreja Cristã. Olhando para o passado, (Jesus) sanciona o Antigo Testamento, formado por livros a respeito dos quais o historiador judeu, Josefo, disse: «Todos os judeus são, por instinto, levados a crer neles desde sua infância, aceitando-os como decretos de Deus, e também, são levados) a dar-lhes obediência, dispondo-se a morrer por eles, se necessário.”Se depois da apresentação de Jesus entre os homens é, ainda, necessário acrescentar outros livros sagrados, Jesus é que deve fornecer o material para a composição de tais livros. Seria incompatível com os fins da revelação — e contrário ao método de Deus tão claramente revelado no Antigo Testamento — o fato de Jesus mesmo dar-se ao trabalho de escrever, de próprio punho, um livro sagrado. Tal obra tão poderia inspirar fé devocional no coração de um agente lívre como é o homem, porém, inevitavelmente, redundaria em fracasso, comprometendo o próprio”objetivo da revelação divina, pois conduziria não à adoração de Deus, mas ao louvor de si mesmo. Se Jesus tivesse escrito um livro, o mundo não estaria cheio do Cristianismo, mas repleto de bibliolatria!
Por outro lado, é inadmissível que manifestação de Deus como a que se acha registrada na primeira parte da história de Jesus, não fosse seguida de Escrituras formadas por alguém. O Rev. Juan Cairns afirma com grande ênfase: «Seria demasiado anômalo possuir registo de uma revelação divina, no Antigo Testamento — registo sancionado pelo Salvador — se a última, e, por muitos títulos, a mais importante fase da revelação, ficasse sem qualquer garantia. Esta não é dedução meramente a priori Seriam necessárias as mais bem fundamentadas evidências, para demonstrar que, por alguma razão misteriosa, a analogia é insustentável. A Igreja, portanto, nunca acreditará que os documentos que parecem suprir esta necessidade, não tiveram por finalidade cumpri-la, ou que as Escrituras do Novo Testamento foram elaboradas com menos cuidado e redigidas com menor atenção, nos pormenores, do que aquelas Escrituras que o Salvador sempre tratou com marcante deferência.»
Se nos fosse permitido, diríamos que a alternativa, diante de Jesus, não era: Nenhum livro ou Novo Testamento, pois a verdadeira seleção deveria ser feita entre o Novo Testamento e grande abundância de insustentáveis livros apócrifos. Teria sido impossível que o seu advento, na época de Tibério, não levasse os escritores a trabalhar, e, a menos se formulasse exposição verdadeira e fidedigna de sua vida e doutrina, saltaria aos olhos o fato de que sua carreira admirável daria lugar a inúmeras histórias mais ou menos supersticiosas, e geraria muitas fábulas destituídas, ao menos, da virtude de ter sido concebidas com habilidade. Digam-no, se não é assim, os evangelhos apócrifos, que apareceram depois da idade apostólica. Lembremos o caso de Licurgo, cuja biografia, escrita por Plutarco, começa assim: «A respeito de Licurgo, nada temos a relatar, que tenha sido reconhecido como certo e incontrovertido. Há tantas e tão diferentes relações de seu nascimento, de suas viagens, de sua morte, e, especialmente, das leis e formas de governo que ele teria estabelecido. Porém, no que menos concordam seus biógrafos, é em determinar, com precisão, a época em que viveu este homem célebre.» Se isto aconteceu com Licurgo, que não pode ter vivido mil anos antes de Plutarco, que resultados poderíamos esperar os que vivemos em meados do século vinte, se o Novo Testamento não tivesse sido escrito? O resultado inevitável seria contrário aos fins que Jesus veio cumprir.
Aos seus discípulos mais imediatos, que o acompanharam todo o tempo, Jesus prometeu a direção especial da inspiração, enquanto durasse o ministério singular que eles haveriam de realizar; estes discípulos, como «testemunhas», não teriam, como de fato não tiveram, sucessores em seu trabalho de propagar as doutrinas de Jesus, e, também, no de estabelecer sua Igreja. Veja-se Atos 1:21. Não é possível imaginar como aqueles varões, sem tal auxílio, teriam podido cumprir a missão que o Senhor lhes confiou. Depois de lhes declarar que toda a autoridade lhe fora dada no céu e na terra, Jesus lhes disse: «Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.» Como teriam eles podido realizar esta obra, se o Senhor não tivesse acrescentado: «E eis que eu estou convosco todos os dias até à consumação dos séculos?» Como teriam eles, sequer, podido recordar «todas as cousas» que lhes havia ordenado, se lhes não tivesse concedido um mentor, como o que se menciona na promessa: «Mas o Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as cousas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito.”E ainda: «E sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém, como em toda a Judéia e Samaria, e até aos confins da terra.» Como se poderia cumprir este mandamento, que visava à evangelização do mundo, se suas palavras não alcançassem regiões e tempos que Jesus, pessoalmente, não poderia alcançar? Para a execução de obra tão grande, era necessário o concurso de auxílio sobrenatural, ou o fracasso da obra teria sido inevitável.
Gaussen dá ênfase a esta idéia, quando diz: «Eles foram os enviados imediatos (apostolo!) do Filho de Deus; foram por todas as nações; acompanhava-os a certeza de que o seu Mestre comprovaria o testemunho que dele havia nas Escrituras Sagradas. Precisariam, por isto, os apóstolos, de menos inspiração, para ir aos confins da terra e fazer discípulos de todas as nações, do que os profetas que eram enviados para ensinar a Israel? Acaso não teriam os apóstolos de promulgar todas as doutrinas, todas as ordenanças e todos os mistérios do reino de Deus? Por ventura, não tinham eles de levar as «chaves do reino do céu», de tal maneira que aquilo que ligassem ou desligassem, na terra, tivesse sido ligado ou desligado no céu? Não tinham eles de dar conta das inimitáveis palavras de Jesus? Não tinham eles de realizar milagres na terra, funções que Jesus lhes transmitira como representantes e embaixadores seus que eram, como se o próprio Senhor agisse por meio deles? Veja-se II Coríntios 5:20. Não foram eles destinados a glória tão grande, a tal ponto que na grande regeneração final, quando o Filho do Homem sentar-se no trono da sua glória, eles também se sentarão sobre doze tronos, para julgar as doze tribais de Israel? Veja-se Mateus 19:28. Pois bem, se os justos varões de Deus necessitaram de inspiração profética para, entre as sombras do passado, apontar o Messias, com muito maior razão necessitavam dela os apóstolos, para trazer à luz a personalidade divina, e para colocá-la em evidência sobre a cruz levantada entre nós (Veja-se Gaiatas 3:1), de tal maneira que os que desprezassem os apóstolos, estariam desprezando o Senhor, e os que os ouvissem, estariam ouvindo a Jesus. Veja-se Lucas 10:16. Levando-se em conta todos estes fatos, vejamos o que se propõe ser a inspiração do Novo Testamento, comparada com a do Antigo Testamento; vejamos se seria racional considerar a deste como profética, e, ao mesmo tempo, minimizar a do Novo Testamento*.
Continua Gaussen: «Isto, porém, não é tudo; ouvi as promessas que lhes foram feitas para a realização daquela obra. Não há linguagem humana capaz de expressar com maior força a inspiração mais absoluta. Estas promessas eles as receberam principalmente em três ocasiões: primeira, quando foram enviados a pregar o reino de Deus (Mateus 10:19-20); segunda, quando o mesmo Jesus, diante da imensa multidão reunida para ouvi-lo, pronunciou discursos públicos sobre o Evangelho (Lucas 21:12); terceira, quando saiu dos seus lábios a última denúncia contra Jerusalém e a nação hebréia (Mateus 13:2 e Lucas 21:14-16).
«E quando vos trouxerem para entregar-vos, não vos preocupeis com o que haveis de dizer, nem o penseis; pois o que vos for dado naquela hora, isso falai; porque não sois vós os que falais.”«E quando vos trouxerem às sinagogas, aos magistrados e poderosos, não estejais solícitos com o que haveis de responder, ou com o que tereis de dizer; porque o Espírito Santo vos ensinará, na mesma hora, o que for necessário dizer.» «Assentai, pois, em vossos corações, não pensar antes em como deveis responder. Porque eu vos darei boca e sabedoria a que não poderão resistir nem responder todos os que vos fizerem oposição».
Depois de agrupar assim as promessas tão admiráveis que Jesus fez aos seus apóstolos, este escritor devoto diz: «Perguntamos se seria possível, em qualquer linguagem, expressar, de modo mais absoluto, inspiração mais completa, e (se seria possível) declarar, com precisão maior, que as próprias palavras foram sancionadas por Deus e dadas aos apóstolos.»
A tudo isto poder-se-ia objetar, sem dúvida, que tais promessas se referiam exclusivamente a expressões orais e que nada implicavam a respeito dos escritos que consideramos. Em resposta a tal objeção, perguntamos: Será racional presumir que as expressões orais, e portanto passageiras, deveriam ficar garantidas, enquanto os escritos permanentes — destinados a perpetuar a fé, e que só os apóstolos podiam proporcionar —, deveriam ser produto da incerta composição humana? Seriam, acaso, os apóstolos, como varas débeis, sacudidas por ventos ocasionais do Espírito? Produziriam eles folhagem verbal que, ao cair na terra e ao decompor-se, se converteria em adubo para fertilizar os pobres terrenos do seu tempo? Ou seriam eles árvores plantadas junto às correntes d'água, profundando suas raízes até tocarem solo perenemente irrigado, e produzindo folhas para a saúde das nações? E de novo citamos Gaussen: Não é de meridiana clareza o fato de que, para exigências passageiras, se deu aos apóstolos perfeita inspiração, como, por exemplo, para emudecer os perversos, conjurar os perigos de um dia e defender interesses limitados? Se se lhes prometeu tal inspiração — e as palavras que deveriam dar como resposta lhes seriam inspiradas pela intervenção poderosa, porém inexplicável, do Espírito Santo —, não é legítimo crer que tal auxílio não lhes poderia ser negado quando, como os antigos profetas, tinham de continuar o livro dos Oráculos de Deus, e, assim, transmitir às gerações subseqüentes as leis do reino do céu, descrever as glórias de Jesus Cristo e os quadros da eternidade?»
Abundante, e por demais convincente, é a evidência de que os apóstolos criam em tais promessas, não só como se referindo às suas palavras orais, mas a todos os seus escritos. O peso do seu testemunho a respeito da consciência que tinham em sua própria inspiração, aumenta, quando consideramos as circunstâncias que o Rev. Enrique”Wace assinala com muita oportunidade, em suas «Conferências de Bampton», em 1879. «Estes varões», diz o Conferencista, *não eram pagãos de nascimento nem de educação, e nem estavam acostumados, como os gregos, a pensar superficialmente sobre uma divindade e sua comunhão com ela. Eram Judeus que, diante dos olhos, tinham, constantemente, o terceiro mandamento, e para os quais, a simples menção do nome de Deus, tinha imponente e indizível solenidade.”Seria de crer-se que estes varões — João, Pedro, Paulo, Tiago e Judas —, hebreus entre os hebreus, se incluiriam, sem a devida autoridade que receberam do seu Senhor, entre os escritores inspirados de sua nação? Teriam eles, porventura, consentido — e tê-los-iam animado a tanto? —, em que Marcos, Lucas ou qualquer outro de seus discípulos imediatos, cometessem tamanho despropósito?
Bem sabiam eles que constituíam círculo íntimo e exclusivo em o novo reino. Consideremos o cuidado — que o levou a incorrer em equívoca precipitação — com que Pedro e a Igreja de Jerusalém escolheram o sucessor de Judas. Notemos, também, com quanta vacilação os antagonistas de Paulo, em Corinto, aceitam o apostolado do sucessor de Judas, pelo fato de não ter ele pertencido ao grupo dos doze apóstolos primitivos. Foi necessário que Paulo lhes apresentasse suas credenciais: «Não sou eu, porventura, livre? Não sou apóstolo? Não vi a Jesus, nosso Senhor? Acaso não sois fruto do meu trabalho no Senhor?”(I Coríntios 9:1) «Com tudo isto», diz ele ainda, «os sinais de apóstolo têm sido operados entre vós com toda a paciência, em sinais, em prodígios e maravilhas.”Consideremos, também, o modo como resolve as mesmas dificuldades, que se relacionam com a aceitação de sua autoridade, nas Igrejas da Galácia: «Paulo, apóstolo, não da parte de homens, nem por intermédio de homem algum, mas por Jesus Cristo, e por Deus Pai, que o ressuscitou dentre os mortos, e todos os irmãos meus companheiros, às igrejas da Galácia.» Reconhece a fraternidade de seus «irmãos», não, porém, qualquer participação (deles) no seu próprio apostolado. Ao dirigir sua saudação na Primeira Carta aos Coríntios, Sóstenes está em sua companhia, apenas como «irmão.”Amava a Timóteo com ternura, e, no entanto, o jovem discípulo ficou excluído de qualquer participação no seu apostolado: «Paulo, apóstolo de Cristo Jesus pela vontade de Deus, e o irmão Timóteo, à igreja de Deus, que está em Corinto, e a todos os santos em toda a Acaia.» Quando, porém, se refere a Pedro, a Tiago e a João, chama-lhes «apóstolos», sempre e em toda parte. Veja-se, para exemplo. Gaiatas 1:19.
Além do mais, se os apóstolos, sem autorização da parte de Jesus, tivessem pretendido possuir títulos de inspiração divina, as Igrejas — entre cujos membros havia muitos judeus que votavam profunda reverência às Santas Escrituras inspiradas — nunca os teriam tolerado. Quando, por exemplo, a Igreja de Beréia se organizou, os conversos judeus que se contavam entre seus primitivos membros, não receberam, como autorizada, a palavra dos evangelistas, sem primeiro «esquadrinharem as Escrituras para ver se estas cousas eram de fato assim”(Atos 17:11).  Por este motivo, longe de merecer a censura do Historiador dos Atos, tornaram-se eles credores do mais respeitoso elogio, visto que Lucas declara a respeito deles: «Ora, estes de Beréia eram mais nobres que os de Tessalônica”(Atos 17:11). Este incidente serve para indicar o espírito que predominava naquele tempo, e, também, para confirmar a crença de que os apóstolos nunca pretenderam possuir inspiração que não tivessem recebido, pois as igrejas compostas de hebreus não tolerariam tal pretensão, a menos que fosse bem fundamentada. Contudo, como veremos a seguir, o título de inspiração foi sustentado pêlos apóstolos e reconhecido pelas igrejas.
Escrevendo à Igreja de Éfeso, São Paulo diz: «Pelo qual, quando lerdes, podeis compreender o meu discernimento no mistério de Cristo, o qual em outras gerações não foi dado a conhecer aos filhos dos homens, como agora foi revelado aos seus santos apóstolos e profetas, no Espírito» (Efésios 3:4-5). Escrevendo aos Coríntios, Paulo se coloca, bem como a seus companheiros de apostolado, acima dos profetas: «A uns estabeleceu Deus na igreja, primeiramente apóstolos, em segundo lugar profetas, em terceiro lugar mestres, depois operadores de milagres, depois dons de curar, socorros, governos, variedades de línguas”(I Coríntios 12:28). De acordo com esta posição que ele tomou para si, a mais elevada em toda a hierarquia de agentes divinamente auxiliados na Igreja, pergunta o Apóstolo: «Porventura a palavra de Deus se originou no meio de vós, ou veio ela exclusivamente para vós outros? Se alguém se considera profeta, ou espiritual, reconheça ser mandamento do Senhor o que vos escrevo”(I Coríntios 14:36-37). A respeito deste mesmo assunto, escreve São João: «Nós somos de Deus; aquele que não é da parte de Deus não nos ouve. Nisto reconhecemos o espírito da verdade e o espírito do erro» (I João 4:6). Pois bem, se estes escritos são, na verdade, obras dos Apóstolos, e, se, como vimos, ninguém se atreve a negar a paternidade paulina das Epístolas aos Coríntios e aos Gaiatas, de duas uma: ou os Apóstolos foram inspirados, como pretendem, ou, tendo sido vítimas de alucinação, perpetuaram uma fraude no mundo. A fraude fica excluída, não só por causa da pureza singular de suas vidas, mas, também, pelo martírio que sofreram em virtude da verdade que proclamaram, pelas impressões que deixaram na alma dos seus contemporâneos e pela influência duradoura que exercem na vida da humanidade, durante as idades subseqüentes Os escritos, por si mesmos, não comportam a idéia de alucinação. Nota-se neles tal serenidade e certa simplicidade tão sublime, que nenhum intelecto tomado de alucinação seria capaz de alcançar, nem por um momento sequer, quanto mais conservá-las continuadamente. E estas características admiráveis são patentes tanto nas primeiras como nas últimas composições. As alucinações são sempre meteóricas: brilham com mais intensidade no auge do seu curso, para, em seguida, consumir-se no calor produzido pelo seu próprio movimento. Paulo, porém, à hora da morre, escreve a Timóteo com a mesma serenidade e clareza de idéias, características que se notam nos escritos que dirigiu às Igrejas da Galácia nos primeiros dias da sua obra missionária. As portentosas imagens do Apocalipse nunca chegaram a sobrepujar, em poder, o espírito de João, desterrado em Patmos, e, nas Epístolas de Pedro, nota-se o mesmo repouso, clareza e concordância na expressão do pensamento.
Porém, se alguém alegar que não há provas para demonstrar que estes escritos se devem à pena dos Apóstolos e à de seus companheiros (asserção infundada, como ficou demonstrado), e que, portanto, não temos certeza de que eles se consideravam inspirados, aos que pensam assim, respondemos: se escritores anônimos publicaram obras falsificadas, atribuindo-as aos Apóstolos, como se explica que tais falsificadores tivessem atribuído inspiração àqueles homens cujos nomes falsificavam? Isto não aconteceria, a menos que os Apóstolos estivessem habituados a atribuir-se inspiração. Quando um indivíduo desempenha o papel de outro, ele o faz com naturalidade ou com afetação? Além do mais, como explicar o aparecimento, ao mesmo tempo, de tantos gênios anônimos, aptos para imitar perfeitamente os Apóstolos, que, por serem dotados de tão grande modéstia, sempre se mantiveram ocultos e caracterizados por malevolência tal que, sem qualquer escrúpulo, cometeram fraude tão estupenda? As hipóteses que a crítica cética apresenta, exigem, para apoiá-las, tantos cadáveres de gigantes que, com seus ossos, daria para encher o lúgubre vale da visão de Ezequiel. Sem dúvida, os críticos nunca conseguiram fazer soprar um vento sobre suas criações cretáceas, para que uma, pelo menos, se levantasse e dissesse o seu próprio nome. Faz alguns anos que Emílio Brush tirou, de seus esconderijos, em Deir-el-Bahari, as múmias dos Faraós, e sulcou as águas do Nilo, rumo ao Cairo, com seu carregamento de «armações reais.» Não obstante estarem sepultadas desde os tempos de Moisés, nos dias do êxodo, conseguiram, ainda assim, determinar seus nomes. No entanto, em vão os críticos navegam em barcas perfuradas, esforçando-se por ascender à fonte da corrente da história apostólica, carregados de gigantes históricos tão misteriosos e inconcebíveis, como os protagonistas das Mil e Uma Noites. Além disso, como é possível admitir que Igrejas, em que comungavam tantos judeus — educados desde sua infância a ver com reverência os escritos inspirados —, tivessem sido tão facilmente enganadas por gigantes anônimos? Ter-se-ia extinguido a raça de gênios? Por que os críticos do nosso tempo não nos apresentam boa imitação de Paulo, ou de Pedro, ou de João? A julgar pelo que os críticos dizem hoje, depara-se-nos magnífica oportunidade de manufaturar nova epístola de Paulo. Alegam eles que se perdeu uma epístola dirigida à Igreja de Laodicéia. Esta cidade não ficava muito distante de Éfeso e de Colossos, e todo material necessário para reconstruir a história daquela região e daquela época, está ao alcance dos críticos. Que algum deles escreva, se for capaz, e sem provocar tremendos distúrbios entre os homens, uma carta que possa ser colocada entre as que Paulo escreveu aos Efésios e aos Colossenses! Um deles, ou todos juntos — se pudessem estar de acordo pelo menos por um dia —, deveriam mostrar capacidade suficiente para executar obra que atribuem a escritores anônimos do primeiro e segundo séculos da nossa era. «Alguns deles se atrevem a tratar a Paulo, como um tutor trata a seus discípulos; atrevem-se a recompor o pensamento do Apóstolo, assinalando os de maior e os de menor importância, procurando mostrar em que lugar Paulo se desvia do seu tema, e onde perde a ilação dos seus discursos». Com toda a certeza, homens tão doutos bem poderiam escrever a epístola que deveria ter sido enviada aos cristãos de Laodicéia, já que não conseguem recuperar a que, segundo eles, se perdeu. Não exigimos que eles encontrem a que se perdeu — porque carecem completamente de aptidão necessária para encontrar cousas perdidas na idade apostólica —, pois perderam toda uma geração de gênios anônimos que pertenceram àquele período. Porém, os referidos críticos sabem usar a imaginação. Que imaginem, então, uma epístola aos Laodicenses. Não precisa ser longa. Dar-nos-emos por satisfeitos, se conseguirem elaborar uma carta que tenha a extensão dos oito versículos que constituem a mensagem aos Laodicenses, contidas no terceiro capítulo do Apocalipse de São João.
Porém, não é necessário que se aventurem a tanto. O mundo bem sabe que é que podem produzir homens sem inspiração divina, e o de que são capazes tais homens, quando pretendem fazer falar e agir os Apóstolos diante de nós. Não possuímos, porventura, os Evangelhos apócrifos? Não conhecemos também, acaso, obras como Ben-Hur e Quo Vadis? Qualquer pessoa imparcial, se quiser fazê-lo, poderá comparar a relação contida nos Atos dos Apóstolos — que trata da experiência por que passou São Paulo no caminho de Damasco —, com a aparição de Cristo a São Pedro, conforme se encontra no capítulo sessenta e nove de Quo Vadis. Sienkiewicz não necessita de imaginação, nem de força em suas expressões; porém, entre seu romance e a narrativa de São Lucas, medeia distância imensa. O Autor de Quo Vadis parece possuir tudo quanto a arte meramente terrena pode proporcionar a um homem, recurso com que São Lucas não contava; e, no entanto, na força e na nobreza da impressão que produz na alma do leitor, Sienkiewicz é muito inferior ao escritor apostólico. Parece faltar ao Autor de Quo Vadis aquela qualidade elevada e ultraterrena, que aparece em todas as páginas dos Atos. Se nos perguntassem qual é o nome da qualidade que falta, poderíamos, acaso, empregar termo mais oportuno do que inspiração?
Não estamos, porém, obrigados a recorrer a argumentos deste tipo. É fora de dúvida, entretanto, que argumentos assim produzem efeito. A Igreja não é instituição que nasceu ontem. Seu testemunho, por isso, merece consideração especial. Não nos esqueçamos de que o que se invoca, não é a autoridade da Igreja, e sim o seu testemunho. O Cânon do Novo Testamento não foi determinado por concílios, mas foi estabelecido pela evidência. Ao fixar a base de sua aceitação, tão pouco apela a Igreja para impressões subjetivas. Ultimamente tem-se popularizado em certos círculos o costume de fixar critério vão e movediço, como meio de prova das Escrituras. Um dos expoentes desta escola expressa assim a posição assumida por ele e por seus companheiros de armas, contra a ortodoxia. «Determinamos a inspiração do livro, julgando seu caráter interno e a voz do Espírito Santo que, nele, fala ao crente.”Por outro lado, mui respeitosamente, perguntamos se o Espírito Santo nada disse à Igreja, durante os primeiros quatro séculos, quando se estava formando o Cânon hoje aceito. Ademais, quem seria capaz, em nossos dias, de decidir, entre dois crentes, controvérsia a respeito da inspiração de um livro da Bíblia, caso eles entendessem de modo diferente o significado da voz do Espírito Santo? Evidentemente, este critério não comprova a autoridade das Escrituras, porém, faz, de cada indivíduo, uma autoridade pessoal a respeito da revelação divina. No fundo, cria o mesmo problema com que nos defrontamos na Igreja Católica Romana, onde se apela para concílios que, dizem, são dotados de infalibilidade. A única diferença que há entre estes «Iluminados”de datas recentes e os romanistas, reside em o número de papas que uns e outros possam reconhecer. Os romanistas apelam para o papa, e os «Iluminados”possuem tantas «autoridades» quantos são os indivíduos que desconhecem o testemunho da Igreja através dos séculos, isto é, testemunho venerável, e que apelam com cega confiança para a sua própria consciência, com o objetivo de determinar a verdade da inspiração. De nossa parte, não estamos dispostos a reconhecer nem a um papa nem a uma multidão de papas. Parece muito mais prudente guiarmo-nos pela razão e do seu testemunho deduzir conclusões, do que submeter-nos à autoridade das impressões, e elevarmos as emoções passageiras à categoria de «Oráculos de Deus», ou melhormente dito, elevá-las acima dos Oráculos Divinos. Recorremos à lei e ao testemunho : à lei da razão e ao testemunho da história.
Antes de considerarmos o testemunho da Igreja Primitiva, no que tange à autoridade do Novo Testamento — Igreja que reconheceu como justo e verdadeiro o título de inspiração que se atribuía aos escritos apostólicos —, convém fazer duas observações de ordem geral.
Em primeiro lugar, devemos dizer que foi tão profunda a impressão que os referidos escritos provocaram no ânimo das igrejas primitivas, que logo se realizou trabalho assombroso, da parte daqueles que se dedicaram a copiar e a fazer circular tais escritos entre os crentes. Com admirável rapidez, as epístolas enviadas à Igreja de Corinto se propagaram na Síria, Gália, África e Itália. Na verdade, é surpreendente o fato de que, numa época em que o produzir livros era tarefa assaz laboriosa, e quando as congregações cristãs, na sua maioria, eram constituídas de pobres e analfabetos, é surpreendente, dizíamos, que os livros do Novo Testamento alcançassem tão grande circulação.
Em segundo lugar, não se convocaram concílios para decidir quais os livros que deveriam ser considerados apostólicos e quais não deviam. Questões como estas, se alguma vez surgiram, parece que foram tratadas como assuntos acerca dos quais todo aquele que possuísse dados concretos, poderia julgar com critério próprio. Isto é verdade, em se tratando dos começos do segundo século, bem como quando levamos em conta a época em que escreveu Eusébio. Ao se realizar o trabalho de investigação, não se procede com violência nem se permite que domine a superstição. As igrejas procederam não como quem procura produzir livros, mas como pessoas piedosas que procuram descobrir e acatar livros sagrados já prontos. A marcante tendência hebréia de tributar a mais profunda reverência aos escritos inspirados, evidentemente, se perpetuou nas igrejas cristas primitivas. Tais igrejas não estavam dispostas a «crer em qualquer espírito», mas «provavam os espíritos”que se apresentavam em forma de livros que pretendiam ser inspirados. Veja-se I João 4:1. As igrejas daquele tempo contavam com meios de prova que não estão ao nosso alcance, e nem, tão pouco, ao alcance do crítico mais recalcitrante. Sabemos, por exemplo, que Eusébio e Atanásio possuíam preciosos manuscritos, que não chegaram até nós.
Estudemos agora, ainda que sumariamente, o testemunho dos chamados «Pais”da Igreja e o de seus imediatos sucessores. Em capítulo anterior, o VIII, examinamos detidamente a opinião de vários deles. A seguir, resumiremos o que eles têm dito a respeito do assunto que estamos considerando.
Escritor moderno, de reconhecida competência, resume assim grande parte de tal testemunho: «Possuímos alguns restos dos escritos dos chamados Pais Apostólicos — Clemente de Roma, Policarpo de Esmirna e Inácio de Antioquia, entre 90 e 130 A. D. —, pêlos quais sabemos que os escritos dos Apóstolos não só não se limitaram ao círculo estreito de sua origem, mas, também, exerceram, assinalada influência nos ensinos religiosos daquele tempo. Nos referidos fragmentos, mencionam-se certas Epístolas de Paulo, a história evangélica e certas palavras de Jesus, sendo ambas designadas com os nomes do Evangelho e da Epístola. Neste apelo para registros escritos, encontramos o germe frutífero da deferência que, posteriormente, foi dada aos escritores do Novo Testamento. Não se assegura que os Pais Apostólicos tivessem à mão um Cânon completo. É possível que isto ocorresse, mas não se sabe ao cerro. O reconhecimento do Cânon foi, sem dúvida, tão gradual quanto foi a sua formação. Tudo o que nos propomos estabelecer, é que estes Pais possuíam, sobre o Novo Testamento, autoridades tão autênticas e decisivas, que a elas se referiam com frequência. Tinham em seu poder o Antigo Testamento e há muito tinham aprendido a usá-lo em público e particularmente. Agora, entretanto, contam com outras a mais: a verdade cristã contida na vida de Cristo, transmitida oralmente ou por escrito, e as instruções dos Apóstolos recebidas mediante Epístolas, ou graças às prédicas feitas por eles nas igrejas».
Com o objetivo de exibir este testemunho com mais pormenores, acrescentaremos que Clemente de Roma, que foi contemporâneo dos Apóstolos, apela para os Evangelhos, para a Epístola aos Efésios, para a Primeira Epístola aos Coríntios, para a Epístola de Tiago, para a Primeira Epístola de Pedro e para a Epístola aos Hebreus; Inácio, que sofreu martírio, provavelmente, no ano 107, cita a Carta aos Efésios, os Evangelhos segundo Mateus e segundo João, a Primeira Carta de Pedro, a Carta de Tiago e as Cartas de Paulo aos Romanos, aos Coríntios, aos Tessalonicenses e a Timóteo; Policarpo, que conheceu a João e se tornou cristão antes que o discípulo amado descesse à sepultura, cita os Evangelhos sinóticos, os Atos, sete Cartas de Paulo, a Primeira Carta de Pedro e a Primeira de João.
Vê-se, portanto, que o número de livros do Novo Testamento em poder destes homens, separados por tanta distância e naquele período primitivo, constitui, em si, testemunho admirável da reverência que se tributava aos escritos apostólicos naqueles dias. Que motivos impeliram os cristãos a copiar e a distribuir, com tanto zelo, aquelas obras, senão o fato de reconhecerem que elas eram inspiradas? Não é estranho e em nada compromete o nosso argumento, o fato de estes testemunhos veneráveis não nos proporcionarem provas de que possuíam todos os livros do Novo Testamento. O que admira, é que possuíssem tantos como revelam os fragmentos que deles nos restam.
É provável que muitos escritos destes autores citados se tenham perdido, e, se nos fosse dado possuir tudo quanto escreveram, é possível que neles encontrássemos citações de todos os livros do Novo Testamento. O que é certo, no entanto, é que no segundo século recebemos testemunhos admiráveis dos seus sucessores imediatos.
O testemunho de alguns destes apologistas do segundo século é resumido da seguinte maneira, pelo sábio e chorado Dr. Summers: «Papias, bispo de Hierápolis, na Ásia, e que viveu na época, em que ocorreu a morte de João, o Evangelista, cita os Evangelhos de Mateus e Marcos por seus próprios nomes, e, também, faz alusão a outros livros do Novo Testamento. Justino Mártir, (140 A. D.), refere-se com frequência aos Evangelhos como a Memórias dos Apóstolos e de seus Companheiros, e faz muitas citações dos Atos e de várias Epístolas, e afirma: A Revelação de Cristo foi escrita por João, um dos apóstolos.
«Taciano, (172 A. D.), elaborou o 'Diatessaron ou a Harmonia dos Quatro Evangelhos. Melito, (170), escreveu um comentário sobre o Apocalipse de São João. Irineu, (170), dá testemunho de cada um dos livros do Novo Testamento, com exceção da Carta a Filemon, da III Epístola de João e da Epístola de Judas. Refere-se ao Códice do Novo Testamento e ao Antigo Testamento, e lhes chama de «Oráculos”e escritos ditados pelo Espírito de Deus. Clemente de Alexandria, (200), descreve a ordem em que foram escritos os quatro Evangelhos, e faz citações de todos os livros do Novo Testamento, designando a cada um por seu próprio nome. São tão abundantes suas citações que, recopiladas, dariam volume de respeitáveis dimensões. Fez várias viagens com o objetivo de colher dados, fez várias investigações concretas e precisas, dando, assim, ao seu teste- munho, bastante peso». 
A estes acrescentamos o testemunho de Orígenes, que viveu de 185 a 253, e foi um dos mais fecundos escritores da sua época. Em seus escritos há citações abundantes tomadas de cada um dos livros do Novo Testamento; e chegou-se até a dizer que se a Bíblia desaparecesse, as citações feitas por Orígenes dariam para reconstituir quase todo o Novo Testamento. Nos escritos de Orígenes há uma lista dos livros que hoje reconhecemos como canônicos.
Possuímos também um «fragmento» muito antigo (170), chamado «Cânon Muratoriano*, que foi encontrado na Biblioteca de Ambrósio, na cidade de Milão. Começa com São Lucas, mas lhe chama de «O Terceiro», demonstrando, claramente, que a parte da obra que desapareceu, continha Mateus e Marcos. Este «fragmento» contém todos os livros que a Igreja hoje reconhece, com exceção das Epístolas de Pedro, da Primeira Epístola de João, da Epístola de Tiago e da Epístola aos Hebreus. Não é fácil explicar a omissão destas Cartas, porém, havendo nele referência ao Evangelho segundo São João e citação da Primeira Epístola de João, concluímos que a omissão das citadas Epístolas não implica em que o Autor as desconhecesse. A explicação parece encontrar-se no fato de o texto estar mutilado, pois há a possibilidade de o texto ter sido formado com peças isoladas.
E Eusébio, (305), que indubitavelmente deve ter tido acesso a manuscritos que não chegaram até nós, posto que tenha desempenhado cargo na corte do Imperador Constantino, afirma, em sua História Eclesiástica, terceiro livro, que em sua época os livros considerados como Escrituras se dividiam em três partes: a) os universalmente aceitos; b) os que eram quase aceitos, porém sem unanimidade; c) os que eram quase inteiramente desconhecidos. Menciona ele a Epístola de Tiago e a de Judas, a Segunda Epístola de Pedro, a Segunda e Terceira Epístolas de João e o Apocalipse, entre os que não eram aceitos por unanimidade. Os outros livros, que nós também aceitamos, Eusébio os coloca entre os que eram quase inteiramente desconhecidos. Vemos, assim, que um Historiador sincero, com magníficas oportunidades para investigar, chega a uma conclusão, que expressa com honestidade. Os livros que considera como não aceitos por unanimidade, conforme vimos, são confirmados por outros testemunhos fidedignos, antes de sua época. Entre as testemunhas contemporâneas de Eusébio, ou que viveram pouco depois dele, mencionaremos as seguintes: Atanásio (315), Epifânio (370), Rufino (390), Agostinho (394), e os quarenta bispos que constituíram o Concílio de Cartago (397), os quais reconhecem o mesmo Cânon que nós hoje aceitamos. As listas de Cirilo de Jerusalém (340), a do Concílio de Laodicéia (364), e a de Gregório de Nazianzeno (375), estão de acordo com o nosso Cânon, com exceção daquela que omite o Apocalipse. Filarte, bispo de Bréscia (380), em sua lista omite a Carta aos Hebreus e o Apocalipse, ainda que em outras partes de suas obras os reconheça. Este fato vem provar que a omissão de um livro não significa, necessariamente, que o autor o repudiou.
Todos estes testemunhos revelam o escrupuloso cuidado com que se examinavam os livros do Cânon no período pós apostólico, e quão profusamente circularam os referidos livros naqueles dias. Se nos fosse dado encontrar a décima parte de provas semelhantes, relativas a alguma obra de Tácito ou de Heródoto, recentemente descoberta, tal obra seria recebida pêlos críticos imediatamente, e sem qualquer controvérsia. Se a Igreja Primitiva, desde os dias apostólicos, não tivesse reconhecido estes livros como inspirados, nunca teriam eles despertado tanto interesse no ânimo daquelas gerações, e é verdade admirável que, mesmo hoje, o Cristianismo Universal — quer como o concebe a Igreja Romana, a Protestante ou a Grega —, reconhece o mesmo Novo Testamento. Diferem entre si em outros pontos, mas, quando se trata da norma da verdade, cessa toda controvérsia. Haverá, por acaso, outro problema a respeito do qual se tenha alcançado tal unanimidade?
Além de tudo, estes livros possuem características singularíssimas, que os distinguem de todos os outros. Tais características estão de tal modo neles marcadas, que, quando se discutia o Cânon, durante o período de sua formação, nunca se pensou em aceitar outros livros que não se encontram no Cânon atual, mas a discussão sempre girou em torno do problema se se devia ou não aceitar alguns dos livros que hoje reconhecemos. Esta tendência não manifesta espírito supersticioso, que busca escritos cheios de portentos, mas revela espírito escrupuloso, que analisa toda evidência, a fim de que nenhum erro criasse raízes entre os Livros Sagrados da Igreja Cristã.
Além de todo este acúmulo de provas históricas, podemos apelar também para a evidência interna. O pensamento de Coleridge: «Tudo com que me defronto, dá testemunho de si mesmo, de que procedeu do Espírito Santo», pensamento do qual se tem abusado, contém muita verdade. Há algo de divino na estrutura do Novo Testamento. A respeito disto, diz Neander: «A marcante diferença entre os escritos dos Apóstolos e os dos Pais da Igreja, não obstante o curto espaço de tempo que medeia a época de uns e de outros, constitui, em si mesma, fenômeno evidentemente singular. Em outros casos, as transições se realizam de modo gradual, porém, no presente, nota-se mudança repentina. Não há graduação paulatina, mas, de súbito, efetuasse a transição de um estilo para outro, fenômeno que deveria conduzir-nos ao reconhecimento da existência de um agente especial do Espírito Divino na alma dos Apóstolos, e de novo elemento criador naquele primeiro período». Entre todos os escritores célebres da terra, nenhum conseguiu alcançar e repetir acentos tão singulares. Certamente, o Novo Testamento não pode provir de outro senão do Bom Pastor cuja voz as ovelhas ouvem e reconhecem.
Se a palavra de Jesus e a mente do Espírito foram conservadas em algum lugar, este lugar só pode ser o Novo Testamento. Se se perderam, encontramo-nos diante de acontecimentos históricos dos mais inexplicáveis que se registraram nos anais da humanidade. É de Buckle a frase que se segue: «Verdade alguma, uma vez encontrada, tornou a perder-se.» Porém, se o Novo Testamento não é a Palavra de Deus, o Homem-Deus, que veio para dar testemunho da verdade, desapareceu sem deixar atrás de si qualquer verdade acerca do seu caráter; induziu os Apóstolos, fazendo-os incorrer em engano estupendo, engano que até hoje subsiste; deste engano surgiu a Igreja, a mais inexplicável de todas as instituições humanas, se considerarmos os Livros Sagrados como fábulas; com a propagação destes escritos mentirosos, surgiram as mais surpreendentes civilizações, as quais prometem levar a cabo a conquista do mundo. Em resumo, a maior verdade que apareceu entre os homens, pereceu irremissívelmente com a partida de Jesus, e o mais fabuloso engano veio tomar o seu lugar. Lembrai-vos: este engano monstruoso é a esperança dos homens e contém a única revelação que Deus lhes fez.
Capítulo XII - Chegaram até nós, livres de fraude, os livros que Deus reconheceu como autênticos, durante sua permanência entre os homens?
«Porque toda a carne é como a erva, e toda a sua glória como a flor da erva, seca-se a, erva e cai a sua flor'; a palavra do Senhor, porém, permanece eternamente.» — São Pedro
«Se, por um lado, somos obrigados a confessar que as investigações dos sábios só nos oferecem sucessivas aproximações do resultado cuja aquisição total nos é impossível alcançar, por outro lado, devemos congratular-nos pelo fato de os sábios estarem de acordo num ponto : é que em a nossa incapacidade para. formular texto absolutamente perfeito, a perda que sofremos é praticamente infinitesimal, pois nisto não esta comprometido nenhum princípio importante da religião crista.”— J. J. Lias
«Encontro sinais mais seguros de autenticidade na 'Bíblia do que em qualquer história profana.-”— Sir Isaac Newton
«Todas as descobertas humanas, parece, realizam-se com o objetivo único de confirmar mais e mais a verdade contida nas Sagradas Escrituras.»— Sir John Herschel
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Alguns têm imaginado que, a menos que uma sucessão ininterrupta de milagres tenha acompanhado as Escrituras — para preservá-las da fraude —, não podemos ter certeza de que possuímos tais livros, tal como foram inspirados primitivamente. Não obstante esta idéia, asseguram-nos, estas pessoas, que as Escrituras são de origem divina. Há alguns anos, por exemplo, o Rev. H. R. Haweis, da cidade de Londres, com imperdoável leviandade, disse, em discurso pronunciado diante dos estudantes da Universidade de Harvard, que a doutrina da inspiração compreendia, necessariamente, a noção de copistas inspirados, tipógrafos inspirados, e, até, de compositores inspirados. Este modo de pensar, ao mesmo tempo superficial e irreverente, envolve teoria infundada, que constitui superstição encontradiça em pessoas piedosas, porém, irrefletidas, e, também, constitui arrogância de cérebros cheios de ceticismo e igualmente destituídos de reflexão. É curioso o fato de que a superstição dos piedosos os tenha levado para mais perto da verdade, do que o ceticismo dos incrédulos. E sobejamente sabido que, sem a intervenção milagrosa ou sem a intromissão de autoridades eclesiásticas, as Escrituras chegaram até nós de maneira mais convincente do que teriam chegado, se estivessem calçadas com autógrafos de escritores inspirados. Se possuíssemos tais autógrafos, quem no-los identificaria, e de que modo, sem milagre contínuo, poderíamos dispor de sucessão ininterrupta de tais confirmações através dos tempos? Porém, como já vimos (Cap. II), o método de milagres ininterruptos não só subverteria a ordem natural estabelecida por Deus — método que não se enquadra no plano divino —, mas, também, tornaria impossível a revelação, porque aniquilaria os únicos meios pêlos quais se pode crer em revelação. Tanto o Deus da natureza como o Deus da revelação (que é o mesmo), com mui pouca frequência apela para o portentoso, com o propósito de impor a sua autoridade. Portanto, «Nenhum milagre se realizou para se fixar o Cânon das Escrituras nem para preservar a letra do texto. Tal procedimento teria sido diferente daquele que se reconhece no plano divino, pois não é comum que Deus intervenha de modo miraculoso nos domínios da agência humana».
No entanto, contemplai o milagre dos milagres! Sem recorrer a milagre algum. Deus realizou o que nenhum milagre nem série de milagres teriam sido capazes de realizar. As Escrituras que possuímos são melhores do que quaisquer livros autografados, porque o Deus cujos atos têm tido testemunhas em todas as nações do orbe (Atos 14:17), cercou as Escrituras hebraicas e cristas de grande multidão de testemunhas, a fim de que a Sua Palavra corresse livremente e fosse glorificada por todos os povos e em todas as idades.
Quatro majestosas figuras custodiam as Escrituras do Antigo Testamento: A Igreja Hebraica (Sinagoga), a Igreja Grega, a Igreja Católica Romana e a Igreja Protestante. Livro algum nem passagem alguma podem ser introduzidas no Cânon — para corrompê-lo —, sem que um ou todos estes grupos descubram e exponham a fraude. E a força desta asserção, longe de diminuir, se robustece, quando recordamos o fato de que o Concílio Católico Romano de Trento, reunido em dezembro de 1545, inseriu, no Cânon das Escrituras, os livros que se conhecem nomeadamente por apócrifos, exemplo vicioso que a Igreja Oriental seguiu em 1692. A data da inclusão, em ambos os casos, desacredita tais livros. A proposição que teve por objeto reconsiderar o Cânon, veio muito tarde, mais de mil anos depois do momento oportuno, e, portanto, não devia ser tomada em consideração. Visto que o motivo propulsor da inclusão destes livros no Cânon das Escrituras foi o de combater e entorpecer o desenvolvimento da reforma luterana, salta aos olhos sua ineficácia total. O Judaísmo, testemunha venerável, refuta este procedimento apóstata que, examinado sob todos os aspectos, foi determinado por questões de capricho. O Protestantismo, testemunha fiel e unânime, não reconhece a canonicidade de tais livros. O testemunho de Jesus, sobretudo, se levanta contra eles; segundo os Evangelhos, Jesus nunca citou um só texto dos livros apócrifos, nem sequer um «eco» desses livros aparece nas citações de Cristo, usando aqui o termo oportuno empregado pelo Bispo Eilicott. A respeito da integridade dos demais livros do Cânon, porem, todas as testemunhas manifestam seu acordo, em termos solenes e sublimes, e, entre estas testemunhas, encontra-se o célebre Filo, contemporâneo dos Apóstolos, e Josefo, outro de seus mais célebres contemporâneos.
Quanto à pureza do texto, podemos confiar com segurança no testemunho de varões doutos que, tendo ao seu alcance todos os meios necessários para realizar profundas investigações em assuntos de tal natureza, se dignaram publicar as conclusões a que chegaram. Falando sobre os admiráveis meios de segurança que cercaram as Escrituras do Antigo Testamento, o Dr. William Green, sábio, cujas palavras têm muito peso entre os eruditos, diz: «Pode-se afirmar, com toda a verdade, que nenhuma obra da antiguidade foi transmitida em semelhante estado de perfeição». Nenhuma autoridade competente, seja de que escola for, se atreverá a negar esta conclusão formulada pelo respeitável «Professor de Literatura Oriental e do Antigo Testamento», em Princeton. Pelo fato de nenhum crítico poder obscurecer, nem os de curto entendimento mal interpretar, fica confirmado, além do mais, que os judeus e os cristãos, de todas as denominações — ainda que divirjam entre si a respeito de muitas outras questões, dando origem a controvérsias sem fim—, estão de acordo no que concerne à matéria, isto é, não reconhecem os livros apócrifos como canónicos. As Escrituras do Antigo Testamento, pelas quais se transmite aos homens a verdade de Deus, como ocorre com o grande canal de Suez, estão resguardadas pela defesa unânime de todos os que crêem na revelação em todo o mundo, defesa que vem a ser pouco menos do que milagre. As Escrituras, pois, estão protegidas pelo cuidado indireto de Deus.
Porém, que diremos a respeito das inexatidões que certa escola de críticos pretende ter descoberto nas Escrituras do Antigo Testamento? Os que se louvam na veracidade das Escrituras, devem manter a posição proposta por Coleridge: «Aquele que começa por amar ao Cristianismo mais do que à verdade, continuará a amar à sua própria seita ou igreja mais do que ao Cristianismo, e acabará por amar a si mesmo com maior predileção» Porém, ao amarmos a verdade com supremo afeto, sejamos cuidadosos para não incorrer no erro daqueles que consideram algo verdadeiro, pelo simples fato de certos críticos o terem declarado. Na mente humana existe uma disposição centrífuga, que arrasta certos indivíduos para fora da órbita da verdade, onde têm maior disposição para crer na infalibilidade dos críticos, do que na inspiração das Escrituras. E, sem dúvida, nada é mais certo do que o seguinte fato: o Cristianismo ortodoxo, por quase vinte séculos, conseguiu sustentar todas as posições essenciais que tomou, na defesa da verdade transmitida aos santos, ao passo que a crítica se viu obrigada a abandonar, uma após outra, inúmeras posições da chamada «Fortaleza da Dúvida.”Para aclarar e ilustrar nosso argumento, convém lembrar alguns dos casos em consideração. Não há muito tempo, os críticos afirmavam que Lucas caíra em erro, quando, relatando a visita de São Paulo a Chipre, chamara de «procônsul» ao governador da Ilha. Segundo os críticos, Sérgio Paulo deveria ser chamado «pro-praetor», visto que Estrabao e Dion Cacio Cociano referem-se a Chipre como distrito imperial, e, por conseguinte, seu governador deveria chamar-se «pro-praetor.”Mais tarde, no entanto, se descobriu que o mesmo historiador Dion Cacio Cociano escrevera que, ao tempo em que Chipre fora província romana. Augusto trocou a Ilha por outro distrito, e a Ilha de Chipre chegou a constituir província senatorial, dando-se ao seu governador o título de «procônsul.”Mais tarde se encontraram moedas cunhadas naquele tempo, e nelas se dá o nome de procônsul aos governadores. Posteriormente, ainda, o general Cesnola, nas escavações que fez em Chipre, encontrou certa moeda que trazia esta inscrição: «No proconsulado de Paulo.» Vemos, por estes exemplos, que Lucas sabia o que escrevia, e, se tivesse empregado a palavra pro-praetor, como queriam os críticos, teria incorrido em erro. Pro-praetor «era», na verdade, o nome que se dava ao governador da Ilha, antes de Sérgio Paulo. A propósito deste fato, ocorre-nos perguntar: Em que se basearam os críticos para se declararem contra Lucas e a favor de Estrabâo e Dion Cacio Cociano? Teriam os críticos, acaso, posição contrária a todo documento que não fosse pagão? Terão tido as histórias pagas alguma igreja ou instituição que as preservasse de toda fraude, através dos séculos?
Além do mais, há uns quinze ou vinte anos (o Autor estabeleceu este tempo na época em que escrevia), os críticos zombavam da Bíblia, por causa das «inexatidões» que lhe atribuíram no que concerne aos «Heteus » No entanto, as inscrições egípcias e assírias projetaram muita luz sobre a história dos Heteus, confirmando a história bíblica, e deixando os críticos confundidos. Houve época em que os críticos pretenderam corrigir o livro do profeta Daniel, na parte era que trata dos reis de Babilônia A Arqueologia, no entanto, com obstinada imparcialidade, sustentou o relato de Daniel, negando razão aos críticos. Estes, porém, continuam se reforçando no sentido de manter suas posições contra Daniel, estando, agora, grandemente perturbados com certos nomes gregos de instrumentos musicais a que o Profeta faz referência. Partindo de premissas insignificantes, tais críticos, atrevidamente, se apressam em fazer as mais inconcebíveis inferências. Flinders Petrie, no entanto, nas escavações que fez no Egito, descobriu que, muito tempo antes do Êxodo, gregos e judeus devem ter estado em comunicação, em Tapanes, e que «os termos gregos com que se designavam os instrumentos musicais, devem ter sido ouvidos nas cortes do templo de Salomão». Ainda aqui, portanto, é correta a narrativa do profeta Daniel, para a confusão dos seus críticos... De qualquer modo, se nos permitem um chiste leve, diremos que a ortodoxia nunca fugirá espavorida ao ouvir as noras destes instrumentos musicais, abandonando o Deus de Daniel e de seus amigos, para prestar culto à imagem que os críticos ergueram. Estes não encontraram fornalha mais ardente do que a moderna estufa de gasolina, na qual, imitando a Nabucodonosor, podem lançar sua fé. Os leões com os quais pretendem infundir pavor no ânimo dos indoutos são, na realidade, meros gatunos de causas falidas, alimentados na mesa do Cristianismo e metidos a valentes por se terem fartado em bom número de roedores apanhados nos arquivos cristãos. Nenhum prejuízo causarão aos moradores da casa, e, a menos que cometam alguma travessura, acabarão prestando algum serviço.
Comentando os resultados das escavações levadas a efeito por Petrie, disse judicioso escritor: «São tantas as impossibilidades que os críticos levantaram — impossibilidades que hoje são verdades comprovadas pela história —, que é conveniente refletir antes de admitir a veracidade de um argumento baseado naquilo que, depois de tudo, pode ser chamado a nossa ignorância (frequentemente profunda) das condições de vida que existiam em épocas remotas». A respeito deste mesmo assunto, e com muito maior vigor, diz o professor Sayce: «Sempre que a história bíblica se põe em contato com a de seus poderosos vizinhos, podendo comprovar-se com os monumentos contemporâneos do Egito e da Assírio-Babilônia, fica ela confirmada nos mais insignificantes pormenores».
No entanto, objetará alguém, poderá ser possível que, no futuro, se venha a fazer descoberta que mostre os erros do Antigo Testamento! E daí? A Igreja fará, então, o que tem feito até agora: aceitará a verdade! Podemos estar certos, porém, de que, à luz das descobertas já realizadas, e levando em conta as tendências atuais, a Igreja nunca se verá obrigada a ceder um só ponto do corpo da doutrina dos ensinamentos divinos que recebeu dos céus, para a redenção do mundo. Sempre que os fatos bem confirmados o exijam, a Igreja poderá fazer pequenas modificações na maneira de interpretar as verdades reveladas. É possível que o Antigo Testamento que Cristo reconheceu como autêntico, tenha sido diferente, em pormenores insignificantes, daquele que hoje temos em nosso poder. No entanto, a diferença, se há, é de importância inexpressiva, comparada com o corpo todo de verdades que herdamos dos séculos passados.
Reflitamos agora a respeito da conservação do Novo Testamento. Já vimos com que rapidez se copiaram e circularam exemplares do Novo Testamento, nos primeiros séculos da era crista. Já notamos também como são abundantes as citações que os escritores patrísticos fizeram dos livros do Novo Testamento. Fizeram-se traduções, contando-se entre as mais notáveis a Vetus Latina e a Peshito, e nenhuma destas versões foi feita depois do século terceiro, porque ambas, provavelmente, pertencem ao segundo século. A Vetus Latina foi usada pelas Igrejas do Norte da África e a Peshito pelas Igrejas da Síria. O número de manuscritos gregos originais já encontrados ascende a 1.583, dos quais 127 são unciais e pertencem ao período que vai do século quarto ao décimo, e 4.6 são cursivos e se colocam no período que vai do século décimo ao décimo quinto. Além da Vetus Latina e da Peshito, há muitas outras versões antigas, que os críticos do Novo Testamento conhecem. É verdadeiramente admirável o fato de terem chegado até nós tantos manuscritos antigos e fidedignos, preservando o texto do Novo Testamento. Das histórias gregas de Heródoto não existe um único exemplar escrito antes do século nono. Os manuscritos das obras de Platão, tão pouco remontam a época mais remota. Há, na atualidade, menos de quatro exemplares manuscritos das obras de Heródoto e Platão. Os sábios lamentam a perda irreparável de tantas das composições de Líbio. Muito do que Tácito escreveu, perdeu-se. As obras de Eurípedes, Esquilo e Sófocles tiveram, igualmente, o mesmo destino. Motivo de maior admiração para nós é, ainda, o imenso caudal de obras que se escreveram sobre o Novo Testamento, comparando-se com o que restou dos escritos clássicos, e, sobretudo, levando-se em consideração as perseguições de Décio e Diocleciano, perseguições que foram movidas com o objetivo de destruir o Cristianismo pela destruição de suas Escrituras. Escritos da Grécia e de Roma desapareceram também. Foram menos estimados e menos odiados, porque ninguém os considerava como Palavra de Deus. Os cristãos primitivos, ao contrário, veneravam de tal modo os escritos do Novo Testamento, que estavam sempre dispostos a morrer por eles. Os livros do Novo Testamento eram, para a Igreja Primitiva, o que as Escrituras do Antigo Testamento foram para os judeus, dos quais Josefo declara: «Para os judeus, parece ser expressão de convicção inata o chamar as Escrituras de Ensinamentos de Deus, o acatá-las, e, se necessário, o morrer por elas». De tal heroísmo nos adveio a rica herança que encontramos, já, nos manuscritos do Novo Testamento. Não é de todo improvável que restem ainda muitos outros valiosos manuscritos a serem descobertos. Um dos mais importantes manuscritos conhecidos, o Códice Sinaítico, só foi encontrado pelo professor Tischendorff e levado à Biblioteca Imperial de São Petersburgo, no ano de 18^9. Nem Pio IX permitiu que se publicasse o Códice Vaticano até 1868. O Códice Alexandrino foi enviado por Cirilo, o Patriarca de Constantinopla, a Carlos I, em 1628. A propósito disto, convém recordar o fato admirável de que cada um dos ramos da Igreja Cristã possui um destes importantes manuscritos. O Protestantismo tem em seu poder, no Museu Britânico, o Códice Alexandrino; a Igreja Católica Romana guarda, na Biblioteca do Vaticano, o Códice Vaticano; a Igreja Grega possui o Códice Sinaítico que, com religioso cuidado, conserva na Biblioteca Imperial de São Petersburgo. O grande livro jamais poderá perder-se ou corromper-se.
Não menos admirável é o fato, ainda relacionado com nossa discussão, de Erasmo, sem dispor de nenhum dos mencionados documentos, ter recopilado um texto assaz próximo do perfeito que só recebeu revisão para concordar, em todos os pontos, com os documentos subsequentemente encontrados. Comentando este fato, o sábio Dr. William Milligan, de Aberdeen, disse : «Erasmo e seus discípulos dispunham apenas de uns quantos manuscritos modernos que podiam consultar, ao prepararem suas edições do Novo Testamento. E estes poucos manuscritos eram de tal natureza, que mereciam pouca confiança. Para vermos quão limitados eram os meios de que Erasmo dispunha, basta lembrar que contava ele apenas com um manuscrito do Apocalipse, e, mesmo este, incompleto. Assim, portanto, parte do Novo Testamento teria faltado completamente, na primeira edição, se não se tivesse aventurado a supri-la com uma tradução do latim. Valendo-se da Vulgata, atreveu-se a traduzi-la para o grego. Aconteceu, por isso, que nas edições ordinárias do Novo Testamento grego passaram a figurar palavras que, longe de basearem o seu significado em algum manuscrito grego autorizado, ou de pretenderem ter sido inspiradas, foram inseridas no texto, clara e confessadamente, com base em meras conjecturas. Sem dúvida, o Novo Testamento grego merece nossa mais profunda admiração e respeito. Não podemos considerá-lo menos do que milagre providencial. Não obstante o fato de que, desde que se completou, muito se tem feito para projetar luz sobre o verdadeiro texto das Escrituras, aquele texto que, em princípio, foi aceito, continua essencialmente o mesmo. Deus nunca interferiu em assuntos que dizem respeito à liberdade humana. Não obstante este fato, basta voltarmos os olhos para a história da Bíblia, especialmente para a parte que estamos considerando, para nos convencermos da realidade dos meios de que ele se serviu para conservar intata sua Palavra Sagrada. Na verdade, podemos afirmar, com gratidão, que foi ele quem guiou a Erasmo e a seus discípulos através de caminhos que eles desconheciam, a fim de que alcançassem a necessária exatidao na tradução do Novo Testamento que ofereciam ao mundo». E se Erasmo pôde determinar, com tal exatidao, o verdadeiro texto, com muito maior acerto hão de fixá-lo os sábios de nossa época, dispondo dos três Códices já referidos e de outros testemunhos fidedignos, totalmente desconhecidos de Erasmo, Códices e testemunhos que se levantam para assinalar o caminho que os investigadores devem percorrer, para chegar à verdade tal qual se encontra em Jesus Cristo. Poderemos aceitar, com toda a confiança, a exatidao substancial do Novo Testamento. O erudito Tischendorff assegura que «a Providência dispôs as coisas de tal modo, que o Novo Testamento pode apelar para o maior número de fontes e autoridades originais, do que todo o resto da literatura antiga.”Na verdade, cumpriu-se o prenúncio de Jesus, quando disse que ainda que o céu e a terra passassem, nem o Antigo Testamento nem sua Palavra passariam. Ao ler e ponderar as palavras de Moisés e as dos Profetas, as de Cristo e as dos Apóstolos, podemos pensar os pensamentos de Deus depois dele, e encontrar o caminho da vida eterna e da verdade, sem o perigo de incorrer em erro, pois possuímos a luz clara e certa. A Palavra de Deus desafiou a insensatez de Antíoco, o furor de Diocleciano, o ódio de reis e a raiva de eclesiásticos. Ela perdurará eternamente. As milhares e as centenas de milhares de «leituras várias» de que nos falam os críticos, em nada prejudicarão a pureza desta palavra. As numerosas leituras indicam a multidão de cópias que se fizeram do Novo Testamento, durante o primeiro século da nossa era, e contribuirão para o aperfeiçoamento do texto que se há de usar no último século da história do mundo, quando o Novo Testamento será, ainda, o grande Mestre da humanidade. Tais cópias constituem o pó levantado pêlos carros da verdade, ao cruzarem os primeiros séculos, e, graças à alquimia da Providência, ao invés de obscurecerem as páginas sagradas, converteram-se em delgadas folhas de ouro para valorizá-las. O Dr. Bentiey expressou esta verdade com grande energia: «Apresentai as vossas trinta mil, se a multiplicação de cópias pode alcançar tal cifra; tanto melhor para o leitor sério e inteligente, porque assim tem mais de onde escolher o que considera autêntico. Colocai-as, porém, nas mãos de um perverso ou insensato, e não será ele capaz de extinguir a luz de um só capítulo nem de desfigurar a verdade do Cristianismo, para impedir que suas características continuem brilhando como antes.
O futuro não oculta perigo algum, no que concerne a descobertas que se possam fazer em qualquer sentido. Já vimos os resultados que se podem obter mediante as mais minuciosas investigações, referentes à revisão do Livro, na Versão Moderna recentemente terminada. «A pesquisa mais diligente e prolongada na busca de erros e interpolações não conseguiu trazer à luz nada que perturbe as grandes verdades do Evangelho nem as doutrinas que desde o princípio, constituem o sustentáculo da fé e dos ensinos da Igreja. O ódio e as perseguições, o clamor e as controvérsias das idades, em nada conseguiram prejudicar sequer a letra do texto sagrado». Todo o porvir está ao lado do Grande Livro. Vivemos em época de exploração e descobrimentos. O Egito e a Assíria estão entregando os seus mortos. A Babilónia e a cidade de Nínive estão-se despertando do seu prolongado sono, para dar seu testemunho. Quem poderia dizer quais são os tesouros escondidos em Constantinopla e em Roma, e que manuscritos poderão ainda ser desenterrados? De uma coisa, porém, estamos certos: a luz divina não se tornará opaca, mas, ao contrário, será como as veredas dos justos, que brilham mais e mais até ser dia perfeito.”Portanto, a Igreja fomentará a investigação, procurará atender à crítica reverente, provará todas as coisas, reterá o que for bom e continuará pela senda da luz.
Capítulo XIII - Estará impresso o selo de Deus no livro que Cristo reconheceu como autêntico? Evidências internas da origem divina da Bíblia
«Toda Escritura é inspirada, por 'Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correçao, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra» — (2 Timóteo 3:16-17)
«As próprias Escrituras reconhecem a Deus como seu autor; a eternidade com sua finalidade suprema, e, por tema, a verdade sem mistura com o erro» — John Locke
«Ao contemplar a Catedral de Milão, cuja pedra angular foi lançada em 1.386, não se pode deixar de reconhecer que aquela obra seja produto de um só cérebro, seja qual for o número de obreiros que tenham colaborado para levantar suas paredes e pináculos de mármores. A unidade do seu desenho não pode ser obra da casualidade. Nem os obreiros foram seu arquiteto. Cada lápide foi recortada e modelada com o objetivo de fazer parte do conjunto. O mesmo acontece com a Bíblia: esta grande catedral das idades! Quaisquer que tenham sido seus obreiros, o arquiteto foi Deus»   — A. T. Pierson
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Se sobre a superfície do universo nos é fácil reconhecer as pegadas de Deus, deveríamos descobrir com segurança as características da Escritura Divina, em livro reconhecido como procedente dele. E, de fato, assim acontece. Sobre a Bíblia está impressa a mão divina, pois contém evidências internas de sua origem divina.
Ser meramente humano jamais poderá imitar com êxito a voz divina, nem fazer passar por celestes seus modos terrenos, procurando representar o papel de Deus diante do mundo, sem ser descoberto. Portanto, todas as religiões que procedem dos homens ostentam, necessariamente, os sinais de sua paternidade humana. Suas próprias palavras o revelam. Ao primeiro contato, percebe-se que são de origem terrena. A impaciência e as imperfeições dos homens marcam-nas indelevelmente.
1. Uma das faltas que se notam nessas religiões, e que desde o seu nascimento pretendem ter alcançado completo crescimento, e, de acordo com aquilo que seus autores supõem constituir revelação de Deus, começam a apresentar portentos tão caprichosos quanto grotescos. Isto provem, necessariamente, do fato de serem elas produto do cérebro de um só homem, ou, quando muito, de serem fabricação de pequeno círculo de indivíduos. O Islamismo é produto do cérebro de Maomé, estando ele de plena posse de suas faculdades mentais. De modo idêntico nasceu a religião de Confúcio. A Bíblia, porém, consta de sessenta e seis livros escritos por trinta pessoas diferentes, pelo menos, residentes no Egito, na Arábia, na Palestina, na Grécia, na Assíria e na Itália, tendo, também, vivido em épocas tão diferentes que, entre algumas datas em que alguns dos seus livros foram escritos» medeia período de quinze séculos. E, no entanto, não obstante a diferença de autores, de tempo e de lugar, a Bíblia é livro que, por sua simetria e unidade, revela ser obra de um só intelecto e, portanto, de um só Autor. Em que literatura antiga ou moderna — admitindo-se a colaboração de trinta autores diferentes, que tenham escrito em lugar e tempo diferentes —, se pode encontrar obra que evidencie unidade e simetria semelhantes à da Bíblia? Acaso seria possível colecionar sessenta e seis livros, tomados dentre as literaturas inglesa, alemã, latina ou grega, para formar um só livro que, por sua unidade e indivisibilidade, provoque impressão semelhante àquela que a Bíblia deixa no espírito do leitor?
2. A unidade da Bíblia provém do fato de que todas as partes que a compõem, focalizam uma só Pessoa. Até certo ponto, no desenvolvimento da obra, todos os escritos se fixam no porvir, concentrando o acervo de todo o seu conteúdo nessa Pessoa; os autores volvem seus olhares para uma época histórica demasiado peculiar, para, depois, voltar sua face em direçao ao porvir, fixando seus olhos num ponto distante do futuro, onde parecem descobrir aquela mesma Pessoa que volta para eles. Aqueles que afirmam ter visto em carne a esta Pessoa, e, também, afirmam ter recebido o seu ensino, tratam-na como nenhum discípulo jamais tratou a seu mestre. Ninguém a inveja e ninguém se atreve a pretender superar seus ensinos Estas características não são próprias dos sistemas formulados pêlos homens.
3. Quando os homens se propõem fundar religiões, seus esforços ficam limitados pêlos seus horizontes terrenos. Só podem eles emitir reflexões sobre as coisas que observam ao redor de si mesmos, e sobre as condições mentais que experimentam dentro do seu próprio ser. Inevitavelmente, portanto, os sistemas que chegam a criar, trazem consigo os defeitos dos moldes em que foram modelados. O selo da natureza aparece em todas elas. A natureza constitui seu principal problema, uma vez que aparece como seu senhor. Porém, a natureza se caracteriza por modalidades infinitas, e o homem — pobre de imaginação —, observando hoje um sorriso e amanha um gesto, infere, naturalmente, que há dois deuses. Ao acompanhar a multidão de quadros que se sucedem diante de seus olhos, vai ele multiplicando as divindades, com o objetivo de explicar a variedade de forças que se manifestam na sua presença. Disto provém o dualismo de Zoroastro e o politeísmo que se verifica na maioria das nações pagas. Se as religiões que o homem cria chegam a escapar do politeísmo, passam das contradições confusas de que Deus não existe, levando o homem a converter-se em ateu, ou a deduzir que Deus tem sua morada fora dos domínios de sua criação, não podendo, por isso, voltar-se para ele, conforme ensinavam os antigos gnósticos e ensinam os modernos deístas. As religiões que o homem inventa, às vezes, identificam Deus com todas as coisas, boas ou más, como fazem os panteístas que, apoiando-se no conceito da onipresença, preparam uma espécie de verniz deífico para com ele fazerem brilhar a face do universo. Mas a voz da Bíblia, do Génesis ao Apocalipse, é a palavra que vem de Israel: «O Senhor nosso Deus é o único Senhor.”Diante desta palavra, o ateísmo, o dualismo, o poleteísmo, o deísmo e o panteísmo se desvanecem, como se derrete a neve perante o sol do meio-dia. A voz do Grande Livro não é a voz de um intérprete da natureza, mas é a voz celestial que fala aos homens a respeito de um mundo superior.
4. Pela mesma razão a Bíblia não responde por nenhum sistema científico, falso ou verdadeiro. Ela não faz referência nem ao sistema de Ptolomeu, que nasceu no Egito no segundo século da nossa era, nem ao sistema de Copérnico, célebre astrónomo polonês nascido em 1473. Se ela fizesse referências favoráveis ao sistema do primeiro, teria criado para a sua reputação de livro inspirado posição difícil de sustentar. Se seus autores, na época de Ptolomeu, tivessem imaginado, ainda que por inspiração, sistema semelhante ao de Copérnico, a Bíblia não teria tido o crédito que teve. Abstendo-se de registrar um e outro sistema, deixando, portanto, de envolver-se com assuntos de natureza científica, ela pôde alimentar a fé do povo de Israel, que vagou pelo deserto, e o moderno Cristianismo, sem comprometer a doutrina da inspiração, tem liberdade para apoiar ou não aos Galileus, aos Keplers e aos Newtons. «Na verdade, é admirável uma narrativa que, sem torcer os fatos, pode adaptar-se a uma época de ignorância bem como a uma idade de luzes; que tem permanecido inalterável durante milhares de anos, nos quais a astronomia tacteou em busca da verdade, e, nos fatos a que faz referência, tem enfrentado, com vantagens, a seus inimigos, na defesa de verdades astronómicas bem comprovadas. Ainda mais: época de obscurantismo em relação a tudo que se referia à ciência, a Bíblia conseguiu estabelecer as bases de uma religião universal, capaz de resistir à mais severa análise a que um século de civilização sem paralelo pode submetê-la. A ciência jamais poderá dizer que a Bíblia é livro extemporâneo ou anacrónico, porque ela não é exposição do natural, mas revelação do sobrenatural.
5. Além do mais, todas as suas verdades religiosas e princípios éticos são decisivos. Tais verdades e princípios locupletam, na medida que o homem pode suportar, os domínios do pensamento e da certeza. A Bíblia nos mostra Deus como Pai, a respeito de Deus nada se concebe que seja mais nobre do que a paternidade. Nisto ela sobrepuja às doutrinas panteístas das religiões da Índia, e, também, às hipóteses enervantes do moderno materialismo. Proclama a fraternidade universal, verdade sublime que, em extensão, não pode ser superada por nenhuma outra. Nisto mostra a Bíblia superioridade sobre todos os demais credos éticos que há no mundo.
A Bíblia enuncia um sistema de ética tão perfeito que, desde que se completou, não se concebeu nenhuma virtude nova nem se descobriu um único vício novo. A humanidade, a pobreza de espírito, o perdão, a tolerância, a filantropia, o amor aos inimigos, a abnegação e a pureza de coração são excelências que se encontram reveladas em suas páginas, e para as quais teve de conquistar lugar no mundo, e sustentar o lugar delas em meio à mais cerrada oposição dos homens. Em todas as línguas do mundo jamais se havia pronunciado a palavra filantropia, com o sentido que Jesus lhe emprestou, e jamais fora pronunciada a expressão encargo da cruz, a mais nobre abnegação que se deriva do instrumento de suplício.
As Escrituras Sagradas não só revelaram código perfeito de deveres, mas, também, ao mesmo tempo, infundem nos homens a inspiração de que necessitam para pôr em prática os deveres que lhes estabelecem. Não é apenas um sistema de moral como o do Confucionismo ou como o dos Estóicos. Recomenda e infunde a santidade de vida, evitando, com o perfeito equilíbrio de sua força vital, tanto o relaxamento de princípios, de um lado, como o ascetismo, de outro. Na idade mais corrupta da História da Humanidade, os discípulos de Jesus brilharam como tochas incandescentes, com resplendores tão belos, que Gibbon, historiador cético, não pôde deixar de reconhecer a «pureza e a moralidade austera”daqueles homens.
A revelação que a Bíblia faz do destino humano é tão transcendental, quanto é decisiva a proclamação que ela faz do dever. E, como não há nada mais elevado do que a sua doutrina da paternidade de Deus, nada mais amplo do que a sua revelação a respeito da fraternidade humana, nada mais puro e profundo do que a sua exigência no sentido da santidade pessoal, da mesma sorte, a sua doutrina da ressurreição do corpo e da vida eterna, depois da morte, satisfaz completamente os desejos que as esperanças mais belas do homem contêm. Portanto, sendo seus princípios — como são — verdades finais, nem pela filosofia nem pela ciência pode o mundo sobrepujá-los.
6. Além disso, causa-nos admiração, com efeito, o fato de todas estas verdades sublimes estarem reunidas em um só livro, e de tal maneira combinadas, que exclui qualquer idéia de ecletismo. E isto não ocorre com o Coroo nem com as filosofias da Grécia e de Roma e, tão pouco, não se dá com os livros sagrados da Índia. Esta luz pura e refulgente procede do Sol da Justiça.
7. E não se deve pensar que todas estas verdades estejam enunciadas, como se constituíssem conclusões do esforço e do trabalho da mente humana, em raciocínios lógicos. Sua expressão caracteriza-se pela profundidade e pela ausência de vacilação. Não há, neste livro, uma única palavra que acuse a insegurança que deparamos em Sócrates e Platão que, ansiosos, buscavam alguma «Palavra de Deus» que os guiasse com retidâo. Como seu divino Mestre, a Bíblia fala como quem tem autoridade e não como os escribas do Judaísmo e do Paganismo, seja ele antigo ou moderno. Em todas as suas páginas se descobrem, claramente, os sinais e a confiança plena de um poder universal que se exerce sobre os ânimos dos homens.
8. intimamente relacionado com esta qualidade de verdade implícita, destaca-se um estilo admiravelmente belo por sua simplicidade. Nele nada há que seja forçado ou que revele a menor presunção. Seus aurores, parece, estiveram completamente despreocupados em relação aos efeitos retóricos do seu trabalho. As vezes, a expressão nos parece tão angustiada pelo peso da verdade que declara, que a linguagem humana se revela inadequada para o fim proposto e parece estalar sob a imensa pressão que sofre. No entanto, jamais se nota a mais leve insinuação de quem pretende ocultar a fraqueza das idéias com o vigor das palavras. A expressão retratada sobre a face das Escrituras é tão tranquila como a que sé observa na superfície da natureza, refletindo, em suas profundidades, o repouso e a serenidade das alturas dos céus.
9. Através das páginas das Escrituras Sagradas se pode ouvir uma voz penetrante dotada de acentos divinos. Este acento divino é demasiado sutil para ser analisado, e, no entanto, o ouvido menos afinado é capaz de perceber os atributos de terna majestade, de séria alegria e santa esperança, que ressoam neste livro sobre-humano. A voz que este livro nos transmite, revela um Pai nobre, forte e compassivo, percorrendo os caminhos retorcidos de seus filhos desencaminhados, convidando-os a voltarem para o seio do lar que abandonaram.
10. É o livro que efetua, também, mediante o seu poder renovador do caráter individual, a purificação dos sistemas sociais e da vida nacional. As nações formadas de indivíduos que, com sinceridade, acatam os ensinos das Escrituras Sagradas, são as que preponderam no mundo, qualquer que seja a área terrestre que povoem ou o número de habitantes que as constituem. As nações pagas, total ou quase completamente destituídas dos ensinos bíblicos, são torpes organizações que se apressam para a morte. E aquelas que, só parcialmente, estão compenetradas do seu domínio, revelam sinais de fraqueza ou de força, na exata proporção em que seus habitantes praticam ou não o pouco ou o muito que conhecem das Escrituras. Tomás Carlyle, ao tratar da Revolução Francesa, confirmou esta verdade, quando disse: «O período da Reforma foi o dia do juízo para a Europa, foi quando se ofereceu a todas as nações uma Bíblia aberta, juntamente com inteira emancipação do coração e da inteligência compreendida nas suas páginas sagradas. A Inglaterra, a Alemanha Setentrional e algumas outras potências aproveitaram a oferta e, de então, data o seu crescente desenvolvimento nacional. A França recusou-a, e, em seu lugar, aceitou o Evangelho de Voltaire com toda a anarquia, miséria e derramamento de sangue causadçs pelas contínuas revoluções, que não reconhecem outra origem senão o referido evangelho.» As nações católico-romanas — Itália, Espanha, Áustria, e Portugal — também rejeitaram a Bíblia, ficando com o romanismo, e, embora tenham rejeitado as doutrinas de Voltaire, estão muito atrás das nações do Norte, na marcha do progresso. No hemisfério ocidental, as nações católico-romanas — como o México, as da América Central, as Índias Ocidentais e as da América do Sul — estão muito longe de alcançar a prosperidade e o poderio de que gozam o Canadá e os Estados Unidos da América, países em que a Bíblia é o mentor da família.
Todos estes sinais que a mão de Deus deixou nas páginas sagradas, foram resumidos por Theodoro Parker, da seguinte maneira: «De qualquer ponto de vista que a consideremos, a Bíblia se nos revela fenómeno admirável. Nenhuma outra coleção de livros conseguiu apoderar-se do mundo de modo tão completo. A Literatura da Grécia, que ascende como incenso daquela terra privilegiada de templos e heroísmos, não exerce, sequer, a metade da influência que a Bíblia — livro de uma nação desprezada — tem exercido tanto na antiguidade como nos tempos modernos. Nos templos cristãos, ouve-se a sua voz domingo após domingo. O sol nunca se põe sobre as páginas luminosas deste livro. Visita com a mesma solicitude a cabana do lavrador e o palácio do poderoso. Está intimamente relacionada com a literatura do sábio e, também, dá colorido à conversação familiar. Derrama suas bênçãos sobre os recém-nascidos e determina os nomes de milhares de cristãos, em todo o mundo; regozija-se conosco e simpatiza com as nossas tristezas; suaviza nossas dores... Com a Bíblia não se dá o que ocorre com centenas de autores que surgem em cada século: conquistam fama, e, depois, se perdem no esquecimento! O fio de prata que atravessa a Bíblia nunca se rompe e o seu vaso de ouro jamais se quebra, não obstante o relógio do tempo marcar séculos de sua existência! Acaso, ter-se-ia perdido a raça humana no torvelinho da demência? Só o coração pode falar ao coração com acentos verdadeiros e profundos; só a mente pode falar a outra mente, e a alma a outra alma; só a sabedoria pode falar ao sábio e a religião ao piedoso. Na Bíblia deve haver mente, coração e alma, sabedoria e religião. Não fora isto, como poderiam milhões de pessoas chegar-se a ela, tendo-a como legislador, amigo e profeta? Algumas das mais grandiosas instituições humanas parecem estar baseadas na Bíblia, e a ninguém se esconde que tais cousas não podem descansar sobre montões de palha, mas sobre montanhas de pedras».
Excluindo a inspiração, como se explicaria a existência de tal livro? Se ele se perdesse e os seu ensinos se apagassem da memória dos homens, seria capaz o cérebro mais ilustrado — ou todos os sábios reunidos — de formar outro semelhante?
Respondendo a perguntas deste tipo, disse Rousseau:. «Confesso que a majestade das Escrituras me inspira admiração, e a pureza do Evangelho exerce influência direta sobre o meu coração. Recorrei as obras dos nossos filósofos e sentireis quão pequenos e desprezíveis são eles, comparados com as Escrituras, não obstante toda a pompa de dicção que se vê em suas obras! É possível a um livro ao mesmo tempo tão simples e tão sublime ser obra do homem? É racional admitir que o personagem sagrado, cuja biografia a Bíblia contém, seja meramente homem?
Estaremos certos ao considerar a história evangélica como obra de mera ficção? Ah! caro amigo, nela não se encontram sinais de ficção. Pelo contrário, a biografia de Sócrates — que ninguém se atreve a pôr em dúvida —, está menos comprovada do que a história de Jesus. Afirmação de tal natureza (a de que o Evangelho é obra de ficção) só tende a aumentar a dificuldade, sem remediá-la. É muito mais difícil admitir que várias pessoas se puseram de acordo para compor história de tal natureza do que admitir que uma só tenha elaborado o tema de que trata. Os autores hebreus nunca teriam podido alcançar a pureza de dicção, e os estranhos desconheciam a moralidade contida nos Evangelhos, cujos sinais de verdade são tão marcantes e tão difíceis de imitar, que o inventor teria de ser personagem mais admirável do que o próprio herói».
«Os séculos vão e vêm, mudam-se as épocas e os costumes, aparecem e desaparecem grandes instituições, as civilizações se sucedem umas após outras, mas este livro perdura e vive eternamente. Conduz a humanidade para frente e para cima, e, ao determinar cada degrau na escada ascendente do progresso, assinala novas e mais gloriosas -vitórias a serem alcançadas. É, na verdade, lâmpada para os nossos pés e luz para o caminho que milhões de almas buscam, ansiosas por conhecer tudo o que é bom e nobre. Que poderemos dizer a respeito de obra tão admirável? Não será, acaso, o verdadeiro Livro de Deus».
Se a Bíblia não é o Livro de Deus, não existe agora, nunca existiu e jamais existirá obra alguma que possa ser reconhecida como Livro de Deus. Sua perda, se ocorresse, seria, para a raça humana, a maior calamidade que lhe poderia sobrevir, assim como a sua aceitação universal seria, para a humanidade, a maior de todas as bênçãos a que ela poderia aspirar.