Uma reflexão sobre a Assembléia de Deus
Durante muitos anos, a igreja no Brasil era voltada às elites, classes "B" e "A" da sociedade.
O homem comum, classes "D" e "E", e em algumas até mesmo a "C" não tinham muito espaço dentro das igrejas. E isso era tanto no catolicismo que desde o tempo colonial o escravo só servia para a construção do templos, como também no protestantismo histórico, onde os escolhidos estavam alocados nas classes abastardas, pensamento este devido a interpretação errônea das bênçãos destinadas aos fiéis conforme no Deuteronômio.
Uma mudança ocorre quando por ocasião do surgimento da Assembleia de Deus, os primeiros fundadores voltam seus esforços evangelísticos para as classes menos privilegiadas, pois encontra nelas um fértil terreno para desenvolver seus costumes rígidos e que muitas vezes não gerava simpatia pelas classes mais abastadas. Com esta visão, deu-se um rápido crescimento da denominação, contribuindo inclusive para a alfabetização nacional.
Pois é, nas cidades interioranas, dominadas pelos coronéis que pouco interessavam-se pela educação do seu reduto eleitoral, como o desinteresse pela própria massa camponesa, que devido ao trabalho braçal, serviçal, pouco lhe interessava a busca pelo conhecimento. Este quadro muda de maneira drástica quando vemos os missionários da Assembleia de Deus, chegando nas vilas e cidades e levando consigo a mensagem de salvação. Esta, como não poderia deixar de ser, oferecia com a Bíblia o estímulo necessário para que tanto os mais velhos quanto os mais novos buscassem o aprendizado e caminhassem para um entendimento das letras que lhes daria a possibilidade de leitura da Palavra de Deus. Não raro, ao procurarmos nas cidades do interior encontrarmos avós que diziam ter aprendido a ler na Bíblia.
Apesar de pouco se falar nisso, mas a Assembleia de Deus foi um importante instrumento para a alfabetização do Brasil.
Mas, voltando ao tema inicial, esta classe que agora começava a ter os horizontes descortinados, buscavam uma forma de mudança em sua condição social, encontrando nas bandas de músicas dos quartéis a porta de mudança.
Se por um lado, durante esta segunda geração, vamos ver as bandas militares tomadas quase que em sua totalidade, pelos evangélicos. O beneficio foi recíproco, uma vez que estes músicos fazem surgir nas igrejas as grandes orquestras e corais.
Agora, os músicos da igreja, lotando os quartéis, passam a ter condições para conduzirem seus filhos para escola e faculdades, mudando drasticamente o cenário das igrejas.
Notamos que os grandes nomes da denominação, por não possuírem muito conhecimento secular, salvo raras exceções, deram maior ênfase ao movimento pentecostal do que ao conhecimento teológico, fato que agora, com a terceira geração começaria a mudar.
Com o surdimento de uma membresia mais culta muitas das regras postas começaram a serem questionadas e deixadas de lado, porém juntamente com isso, na busca por um discurso mais moderno que fosse politicamente correto, voltou-se para uma mensagem voltada mais para os anseios materiais do que espirituais. Com este discurso, as classes “B” e “A” aproximam-se da denominação, juntando-se aos descendentes dos primeiros fundadores. Também, surge uma mudança no caráter dos líderes que se primeiramente estavam dispostos a levar a mensagem a qualquer custo, agora começam a ver no pastorado um caminho fácil para aquisição de status social.
Uma igreja que era formada primeiramente por empregados, trabalhadores braçais e sem nenhuma expressão social, que durante o dia era desprezado, à noite, entrando na igreja, tornavam-se parte da liderança, com voz ativa e capazes de influenciarem terceiros. Também, em uma denominação onde quase todos possuíam pouco ou nenhum estudo, ficava difícil exigir-se muita coisa dos candidatos a pastores, sendo que muitos alcançavam este patamar apenas pela eloquência, mesmo sem estudo, abrindo precedente para que esse caminho passasse a ser uma forma fácil de ascensão, bastando apenas fazer política de forma correta. Com este quadro, não demorou para que os líderes começassem a sentirem-se “donos” da igreja, construindo verdadeiros impérios cujo objetivo seria a transmissão de liderança para seus herdeiros, mesmo que estes não possuíssem até mesmo requisitos morais para ocuparem tais cargos. Assim, aumentando o custo da máquina administrativa da igreja, com a transformação do sacerdócio em profissão, e no afã de construir uma boa política com a sociedade, a igreja perdeu a sua primeira característica. Também com a elevação do padrão e custo de vida da liderança para um patamar que sem a igreja não possuem condições de serem mantidos.
Hoje, o discurso no púlpito raramente foge do tema financeiro, da prosperidade, da ânsia de aumentar o faturamento. O membro não é mais visto como ovelha a ser apascentada, mas como verba para a igreja que cada dia aumenta mais as ferramentas de arrecadação pela arrecadação.
Não é que os obreiros não possam viver da obra, visto que a própria Bíblia afirma que “digno é o obreiro do seu salário”. Os obreiros podem e devem viver da obra, inclusive de forma digna. Porém como escutei uma vez, dito por um dos meus professores do seminário, a oferta da viúva pobre não destina-se a custear carros importados e viagens internacionais à passeio.
Desta forma, aquilo que fora a grande força da denominação, a Bíblia e a busca do estudo bíblico para todos, que transformara muitas escolas bíblicas dominicais em verdadeiros seminários teológicos, transforma-se agora na principal problema, uma vez que esses membros começam a comparar a vida e o discurso nos púlpitos com aquilo que a Bíblia em suas mãos preconiza e também com o que eles ouvem nas classes de aula e culto de ensino.
Olhando a história de um cristianismo que transformou-se em uma Igreja Católica, que partiu-se em igrejas ortodoxas, protestantes e evangélicas, e que trouxe novas pulverizações com novas denominações, pergunto-me se esse mesmo cristianismo já alcançou a sua forma para encontrar-se novamente com o seu Cristo? Assim como houve lutas e perseguições no surgimento da reforma, bem como no surgimento da própria Assembleia de Deus, estaremos precisando hoje de novos reformadores? Assim como Lutero, Daniel Berg e Gunnar Vingren, que primeiramente buscaram a reforma nas igrejas onde estavam, sendo por essas obrigados a iniciarem novos movimentos para que a verdade da fé fossem mantidas, como nós agiremos? Estaremos humildes para percebermos a mensagem de Deus para renovação, ou Ele terá que remover nosso castiçal e passar a outros?
Onde está a Igreja de Éfeso? De Smirna? De Tiatira? Foi o diabo que retirou-lhes seus principados, ou Deus, como avisara por meio de João, que pelo não atendimento das advertências exerceu seu juízo contra a própria igreja local? Não é o Livro de Ageu uma advertência de que nem todo mau e perseguição são originadas no inferno? Não diz o profeta Isaías que as nossas iniquidades nos separam de Deus, mesmo que seja um discurso perene a ilusão de que mesmo pecando seremos alvo do favor do Senhor.
Conclamo a que olhemos a história, tanto de Israel quanto a própria igreja, para que não venhamos a repetir os erros já cometidos pelas gerações anteriores, ou pelo menos entendermos que muitas vezes Deus usa os movimentos de mudança, transformação e renovação de forma a quebrar os paradigmas construídos pelo homem e mostrar que o compromisso dEle é com aqueles que estão dispostos a obedecerem-nO.
“Portanto assim diz o SENHOR: Se tu voltares, então te trarei, e estarás diante de mim; e se apartares o precioso do vil, serás como a minha boca; tornem-se eles para ti, mas não voltes tu para eles. E eu te porei contra este povo como forte muro de bronze; e pelejarão contra ti, mas não prevalecerão contra ti; porque eu sou contigo para te guardar, para te livrar deles, diz o SENHOR. E arrebatar-te-ei da mão dos malignos, e livrar-te-ei da mão dos fortes.” Jr 15.19-21